Poetas mineiros vêm publicando livros com projetos gráficos requintados

por 09/11/2013 00:13
Mário Alex Rosa

Em Minas Gerais, há algum tempo, já, poetas vêm publicando livros com projetos gráficos requintados e tiragens pequenas. Circulam entre amigos, entre poetas, mas aos poucos têm atingido outros leitores, por meio de atividades em espaços públicos, quando os autores podem não só divulgar seus trabalhos, mas também vender suas publicações a bons preços. Aliás, é bom dizer em tom altíssimo que Belo Horizonte tem oferecido enorme espaço à leitura de poesia, seja em livrarias, bares ou centros culturais.

Apenas para particularizar alguns desses projetos editoriais, o poeta Ronald Polito, hoje residente em Juiz de Fora, criou e editou pelo selo Espectro Editorial diversas e belas plaquetes não comercializadas. Guilherme Mansur, em Ouro Preto, sempre ocupou posição singular no mercado de publicações de poesia, especialmente com a sua chuva de poesia. Em Belo Horizonte, Marcelo Dolabela, Carlos Barroso, Sérgio Fantini, Ricardo Aleixo, Carlos Ávila, Adriana Versiani, Jovino Machado, Kiko Ferreira, Chico de Paula, Wilmar Silva, Adriano Menezes, entre outros, sempre editaram plaquetes ou publicaram livros em tiragens limitadas. É importante lembrar que muitas dessas edições foram realizadas em parceria com artistas plásticos, designers (Fernanda Moraes, Júlio Abreu), ou mesmo pelos próprios poetas.

Sobras, de Chico de Paula, e Pó de Pedras, de Kiko Ferreira, são as mais recentes publicações dessa natureza. O projeto gráfico de ambos é do primeiro autor, em que se nota o cuidado com a tipologia usada, lembrando as antigas máquinas de escrever. A propósito, a poesia de Kiko parece incorporar o clique dessas máquinas, a sua batida peculiar, em que sentimos o som, a forma e a fixação das letras sobre o papel. Mas, antes de se fixar na folha, seu poema parece sair de uma fala, de uma conversa, pois esse poeta de boa escuta capta a fala do outro, e assim de um jeito despretensioso um poema pode estar nascendo. Talvez por isso seus versos sejam curtos, rápidos, mas apresentando forte carga lírica e metalinguística, a partir sobretudo da exploração dos caminhos sonoros das palavras. Já Sobras, cujo projeto é do próprio poeta, remete por vezes à poesia Kodak de Kiko, que, aliás, é quem escreve as orelhas do livro de Chico de Paula. O último poema do livro Sobras parece revelar que esses dois poetas não se restringem à escuta, mas conversam entre si, atestando que o som faz sentido.

Outra plaquete mais recente é a de Jovino Machado, que será lançada brevemente. Com um projeto muito delicado, criado pelo artista plástico Bilac e a designer Valquíria, Cantigas de amor & maldizer contém apenas 10 poemas, que comprovam a maturidade do autor, em sua aposta no adensamento lírico e na ampliação das formas. Vamos dizer que o poeta ganhou fôlego para refletir não só sobre a sua própria linguagem, mas, sobretudo, acerca deste tema que (in)felizmente insiste em não sair de cena: o amor e seus (dis)sabores.

As cantigas aqui seguem a velha tradição trovadoresca das sátiras, do amor pouco ou quase nada correspondido. No belíssimo poema “A dama das trevas”, o poeta, trovador moderno, expõe certas qualidades da dama, para aos poucos rebaixá-la. Passeando dentro de longa tradição, o nosso trovador mescla o contemporâneo, o barroco e, claro, A divina comédia, de Dante Alighieri, só que Virgílio não só não dará as mãos à dama mas, por um gesto de indiferença, vira-lhe a cara.

Mas antes dessa postura Jovino marca um gol de placa com o poema “Camisa 10”, título mais que sugestivo e notável, pois até quem desconhece futebol pode imaginar o sortilégio da camisa 10. Entre a descoberta, o entusiasmo (paixão?), o poeta em técnica precisa não tem dúvida: escala a sua jogadora como quem desconfia que o amor pode guardar reservas. A nota para essa plaquete e, em particular, para esse poema, não poderia ser outra senão 10.

. Mário Alex Rosa é doutor em literatura brasileira pela USP e autor de Ouro Preto, Via férrea e Formigas.

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