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Real, simbólico e imaginário

Seminário de Jacques Lacan reflete sobre os três registros que constituem a estrutura do inconsciente

Obra do psicanalista francês ainda é inédito em português

Gilda Vaz Rodrigues
O livro Cortes e suturas na operação psicanalítica – Uma leitura do ‘Seminário R.S.I., Livro 22 de Jacques Lacan’ é uma leitura comentada sobre um dos seminários do psicanalista francês Jacques Lacan, que ainda não foi editado em português, mas ao qual se tem acesso por várias vias, inclusive pela internet. Embora seja um livro teórico, não se trata de um escrito acadêmico, e sim psicanalítico.

R.S.I. é uma sigla para dizer dos três registros que constituem a estrutura do sujeito do inconsciente: imaginário, simbólico e real. Lacan formaliza essa estrutura com a ajuda da topologia, pois se trata de um campo além da linguagem, em que a matemática oferece instrumentos mais de acordo para abordá-lo.

Durante algum tempo a psicanálise ficou conhecida como um tratamento longo, caro e de resultados pouco evidentes, ou seja, de efeitos sutis.

A meu ver, isto foi apenas uma primeira impressão, apressada, de um tratamento que floresceu no século 20 e que foi se firmando aos poucos, à medida que avançava teoricamente e demonstrava sua eficácia. A psicanálise, como a vejo hoje, é mais do que um tratamento para distúrbios emocionais: ela vai se firmando como um operador da constituição de um novo sujeito que advém como efeito desse trabalho. Quando digo um novo sujeito, quero dizer de uma nova posição de cada um nos laços que se faz com os objetos deste mundo.

A psicanálise trata essas relações como laços de discurso, uma vez que o ser humano é um ser de linguagem e o campo do psíquico se estrutura como tal. Daí ser preciso pôr as pessoas a falarem, a dizerem o que lhes vem à cabeça, num trabalho que ficou conhecido como associação livre, termo freudiano para definir o processo que coloca o inconsciente em cena.

Freud nos deixou muitas referências sobre sua técnica e o manejo para extrair dessas falas os elementos do inconsciente que detém cada um de nós no acesso a essa outra posição nas relações com o mundo, incluindo aí não só as pessoas, como também o trabalho, as ideias, sentimentos, desejos, fantasias, a cultura, enfim, um campo simbólico organizado que Lacan definiu como “o grande Outro”.

Cabe ao psicanalista a escuta desses elementos inconscientes para extrair da fala do analisante o saber do: “em que cada um se amarra”.

Análise e síntese Há uma resposta de Freud à pergunta de um jornalista em Londres, já no fim de sua vida, de que gosto muito e expressa bem esse trabalho: “A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los em torno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa para fora do labirinto do seu inconsciente”.

Vejam que a ideia de um fio, de amarrar e soltar, de corte e sutura já se insinua.

Tanto Freud como Lacan compararam o trabalho do analista ao do cirurgião, que opera por cortes e suturas, e que, para isso, é preciso reconhecer as estruturas do campo em que se vai operar. Em seu Seminário R.S.I., Lacan faz um estudo dessas estruturas constituídas de três registros: imaginário, simbólico e real.



Gilda Vaz Rodrigues é psicanalista, autora de Percursos na transmissão da psicanálise, primeiro livro da coleção Obras incompletas e A psicanálise pelo avesso – uma leitura do seminário ‘O avesso da psicanálise’ de Jacques Lacan.


CORTES E SUTURAS NA OPERAÇÃO PSICANALÍTICA – Uma leitura do seminário R.S.I
., livro 22 de Jacques Lacan
• De Gilda Vaz Rodrigues
• Editora Ophicina de Arte e Prosa
• Lançamento dia 9, das 10h30 às 13h, na Livraria Ouvidor Savassi, Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi