Diretor de curtas sobre escritores, Fernando Sabino sempre esteve ligado ao cinema e ao teatro

Autor viu algumas de suas histórias levadas para as telas e os palcos

por Mariana Peixoto 12/10/2013 06:00
Arquivo/ EM
'O grande mentecapto', de Oswaldo Caldeira, com Diogo Vilela e Luiz Fernando Guimarães (foto: Arquivo/ EM )
É com um trecho do poema ‘‘Prece de mineiro no Rio’’, lida pelo próprio Carlos Drummond de Andrade, que tem início o curta-metragem 'O fazendeiro do ar'. Em 1972, Fernando Sabino funda, com o cineasta David Neves, a produtora Bem-te-vi. A partir daquele ano, a dupla realiza 10 curtas sobre importantes escritores brasileiros: João Guimarães Rosa, Jorge Amado, Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Erico Verissimo, José Américo de Almeida, Afonso Arinos, Pedro Nava, Manuel Bandeira, além de Drummond. Os filmes foram lançados em DVD em 2006 e também estão disponíveis no YouTube.

Um dos registros mais interessantes é justamente o de Drummond. O poeta pouco fala, mas as imagens fogem de sua sisudez habitual. Uma das mais curiosas o mostra brincando de esconde-esconde no antigo Ministério da Educação, onde trabalhou como chefe de gabinete de Gustavo Capanema. “A forma escrita me causou impressão antes mesmo de saber ler”, afirma o poeta, em conversa filmada em seu gabinete.

Mas o cinema já fazia parte da vida de Sabino há muito. E não só através das adaptações cinematográficas de suas obras, algumas bem conhecidas do público. Em 1967 ele fez uma pequena participação no filme 'Garota de Ipanema', obra quase obscura da filmografia de Leon Hirzsman. Na narrativa, Márcia é uma garota como as muitas que povoavam o Bairro de Ipanema na década de 1960. Gostava de bossa nova e estudava na PUC. Apesar de ter namorado, não se furta a dar uma paquerada em Chico Buarque. Aliás, muitos dos nomes do elenco aparecem como eles próprios: Sabino “atua” ao lado de Rubem Braga, Ziraldo e Vinicius de Moraes, que também participou do roteiro coletivo.

No entanto, foi na década de 1980 que vieram as adaptações mais importantes de sua obra. Em um ano só, 1989, foram lançados dois filmes: 'Faca de dois gume's, de Murilo Salles, e 'O grande mentecapto', de Oswaldo Caldeira. O primeiro ganhou quatro Kikitos em Gramado, incluindo o de direção. Já o segundo levou o prêmio de público do festival gaúcho. “É o filme que mais me deu gratificação”, admite hoje Caldeira, no entanto se lembrando que comercialmente ele foi prejudicado. “Ele foi exibido na época que a Embrafilme tinha acabado, então se perdeu o controle de tudo.”

Como Sabino um mineiro radicado no Rio de Janeiro, Caldeira não conhecia o escritor e cronista pessoalmente quando lhe propôs a adaptação da história de Viramundo. “A gente se entendeu com muita facilidade. Ele me perguntou se eu queria que ele vendesse os direitos ou que participasse. Disse que queria que ele estive conosco. Contratei um roteirista, Alfredo Oroz, e eu falava muito de um para o outro. Sem se conhecerem, tinham ciúme e um certo estranhamento. Mas, depois que foram apresentados, se entenderam às mil maravilhas. E o Fernando somou muito ao processo”, continua o cineasta.

Depois desse dois longas, houve outro, já no final dos anos 1990. Dirigido por Hugo Carvana, 'O homem nu' interpretado por Cláudio Marzo foi a segunda adaptação do conto publicado por Sabino em 1960. A primeira versão, também em formato de longa, foi dirigida em 1968 por Roberto Santos. Paulo José interpretou Sílvio Proença, o homem que devia prestação da TV e acabou passando por tarado ao ficar sem roupa no prédio em que morava.

Em 2014 chegará aos cinemas nova adaptação de um livro de Sabino. 'O menino no espelho', de Guilherme Fiúza, com estreia prevista para o primeiro semestre, vai levar para a tela grande a mágica história de Fernando e seu duplo, Odnanref. O livro, que reúne várias passagens da infância de Sabino, foi publicado em 1982. “As histórias são quase contos, e a que guia a narrativa é a que dá título ao livro, a de um garoto que leva para a vida o seu reflexo no espelho”, afirma o produtor André Carreira, que divide o roteiro com Fiúza e Cristiano Abud. “Nosso personagem tem 11 anos, então descartamos os contos mais infantis. Escolher quais seriam foi a decisão mais difícil”, acrescenta.

No palco

Por falar em dificuldade, o diretor Paulo César Bicalho, mesmo passadas três décadas, lembra muito bem quão complicado foi levar para o teatro a obra maior de Sabino, o romance 'O encontro marcado' (1956). Estreou em 1982 e foi encenado por mais de um ano, ganhando apresentações também em Brasília, Rio e São Paulo. “É uma espécie de bíblia para todos daquela época. Era um livro que a gente lia apaixonadamente e, quando surgiu a possibilidade de fazer a peça, entrei em pânico. Como faria a adaptação daquele romance maravilhoso, em que tudo me parecia importante?”, relembra Bicalho.

Na primeira carta que enviou a Sabino pedindo autorização, disse que “o livro é, ao mesmo tempo, a história e o produto de uma geração que desejava desempenhar o papel de escritor!”. Bicalho admite que a primeira versão, feita às pressas, era quase o livro inteiro. “No primeiro momento, não havia critério. Mandei o texto pro Sabino morrendo de medo. Ele me disse: ‘Isso é uma compilação’. Disse que ele tinha razão e peguei um tempo maior para pensar no espetáculo. Aí, já pensando no teatro, mandei nova adaptação para ele. Ainda ficou insatisfeito, mas a mulher dele tinha gostado muito, então ele me disse que deixava por minha conta. ‘Teatro sei muito pouco. Se fosse cinema eu poderia dar palpite, mas teatro é uma coisa que vou como espectador.’”

Fato é que 'O encontro marcado', que tinha um elenco de 17 atores – como Arildo de Barros, Bernardo Mata Machado, João Etienne Filho e Lúcia Schettino – fez história, alcançando 60 mil espectadores. A primeira versão teve quase três horas de duração, depois enxugada para quase duas. “Na estreia, o Fernando estava com toda a turma dele. Foi quase um acontecimento, no final o público aplaudindo à beça, as palmas mais longas que já vi no teatro. Eu tentando levar o Fernando para o palco e ele não querendo ir. Depois ele disse que a história tinha ficado melhor no palco do que no livro. Pensei: ‘O Fernando enlouqueceu?’”, finaliza o diretor.

FERNANDO EM IMAGENS
Mostras no Circuito Cultural Praça da Liberdade homenageiam os 90 anos de Fernando Sabino.


. No Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, a exposição é composta por imagens e textos da obra do escritor, além de tótens interativos com detalhes de diversas fases de sua carreira em áreas como cinema, música, teatro e jornalismo. A mostra pode ser vista de quarta a segunda-feira, das 9h às 21h. Até 4 de novembro.

. No anexo Professor Francisco Iglesias da Biblioteca Pública Estadual, está em cartaz a exposição Nada além do essencial, com painéis sobre a obra do escritor. Na Rua da Bahia, 1.889, 2º andar, Funcionários. De segunda a sexta, das 8h às 20h; sábado, das 8h às 12h. Até 29 de novembro.

. Também na região da Praça da Liberdade estão expostas as esculturas em tamanho original do quarteto formado por Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino, criadas pelo artista Leo Santana. O conjunto foi batizado de Encontro marcado.

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