Museu de portas abertas

por 05/10/2013 00:13
Daniela Chindler


Centre Pompidou/Divulgação
(foto: Centre Pompidou/Divulgação)
O que um visitante espera encontrar em um projeto educativo de museu? Acho que essa é uma pergunta difícil de responder. Acredito que a nossa expectativa é moldada na memória. Quem já visitou um centro cultural ou museu traz essa vivência e quem nunca participou de atividades educativas talvez faça um paralelo com a forma de aprendizado escolar. E o que nós, educadores, gostaríamos de ofertar?

Antes de mais nada, desmitificar o espaço do museu. Muitos estão sediados em antigos palácios, casarões, majestosos prédios públicos. É só olharmos os novos espaços culturais do entorno da Praça da Liberdade. Lá estamos nós, pequenos, frente ao conhecimento ou ao desconhecido. O espaço pode intimidar, ainda mais para quem está dando os primeiros passos nas galerias. E, por falar em passos, repare no mármore, nas grandes janelas, nas incríveis escadarias ou nos modernos espaços com suportes que trazem as últimas novidades da tecnologia. Quando tinha 19 anos, fui pesquisar pela primeira vez na Biblioteca Nacional, antiga Biblioteca Real formada por livros herdados dos reis de Portugal. Já estudava literatura na universidade e, é claro, que era usuária de outras bibliotecas escolares e de bairro, todas mais próximas do meu tamanho. Lembro da timidez que aquele espaço me fez sentir. Por isso gosto de dizer que o educativo é o museu de portas abertas. Lá estamos nós para dizer: “Pode vir, esta casa é de todo mundo”.

Mas não adianta dizer “da boca para fora” que o espaço é democrático, se o discurso não o for. Nosso trabalho é baseado na mediação, na troca. Mediação deriva do latim mediator, que quer dizer: meio, centro, espaço intermediário. Exemplo mediundiei – meio-dia. O termo é usado no direito, se procurarmos no site do Poder Judiciário lá está a figura do mediador. Na educação o mediador conduz o processo de aprendizagem, mas não é detentor de todo o saber. O educador acolhe, promove, provoca, incita e também aprende com o público. Os educadores estudam o conteúdo das exposições, eles têm “coisas para contar”, mas também precisam saber escutar. Uma conversa é um espaço para os dois interlocutores trocarem, senão, não é conversa e sim um discurso.

Cada visitante traz uma experiência, lembranças, uma história. O que o educador faz é aproximar o conteúdo do que está exposto a partir das indagações e referências do público. Na exposição Elles: mulheres artistas na Coleção do Pompidou está uma grande tela, O quarto azul, medindo 90 cm x116 cm da artista francesa Suzanne Valadon. O educador Marcelo Agostinho, que mediava a galeria com um grupo de alunos do ensino fundamental, parou na frente da obra e perguntou se algum deles já tinha visto alguma pintura que lembrasse aquela cena: uma mulher reclinada em uma chaise. A pergunta havia sido feita para um grupo de adultos dias antes e muitos fizeram referência à Olympia, obra de Manet, e La maja desnuda de Goya. Silêncio. Dali a pouco um menino levantou o dedo e citou uma cena do filme Vovó... Zona, estrelado por Martin Lawrence, em que a vovó, que tem formas rechonchudas, está em uma aula de arte posando como modelo vivo.

Nesse momento houve uma identificação do grupo com a tela e a partir daí o museu passou a significar mais para os alunos. O educador aproveitou a ligação e pode confortavelmente trazer novos conteúdos. O grupo conversou a respeito da palheta de cores da pintura, reparou nos elementos presentes na tela (como dois livros dispostos ao lado da mulher que chamavam a atenção pelo amarelo e vermelho) e comparou o retrato daquela mulher com a obra Dançarina deitada de Marie Laurencin. Acredito em um processo educativo em que o educador está atento, interessado no seu grupo, pois o afeto é outro ingrediente fundamental.

E como mediar? Fazendo visitas nas galerias, construindo suportes (como réplicas das obras), contando histórias, apresentando visitas teatralizadas com personagens de época, cantando, experimentando nos laboratórios. Existem inúmeras possibilidades para cada exposição. Quando o educativo é dinâmico e se repensa, o atendimento é mais criativo.

Daniela Chindler é escritora infantil, idealizadora e coordenadora do programa CCBB Educativo.

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