Jeferson Andrade reúne as histórias e personagens do Bairro Padre Eustáquio

Jornalista e contista lança livro com direito a milagres e casos de boemia

por Ângela Faria 05/10/2013 00:13
Beto Novaes/EM/D.A Press
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Termo da moda, “pertencimento” é sinônimo de fazer parte de algo; ser próprio de algum lugar. Esta palavra, como poucas, define a relação do escritor Jeferson de Andrade com o Bairro Padre Eustáquio. Em abril, poucos dias antes de morrer, Jeferson entregou à Editora Conceito os originais de sua contribuição para a série BH. A cidade de cada um. Hoje à tarde, esse testamento afetivo será “aberto” no Conjunto Santos Dumont, com direito a uma bela e farta feijoada.

O livrinho de 85 páginas prova que Gilberto Gil está certo: o melhor lugar do mundo é aqui, agora e – se depender de Jeferson de Andrade – no Bairro Padre Eustáquio. Aliás, nem belo-horizontino ele era. Nasceu em Paraguaçu, no Sul de Minas. Estudou na capital mineira, morou anos no Rio de Janeiro, onde trabalhou na Editora Codecri, responsável pelo jornal nanico O pasquim. Lançou os livros Um homem bebe cerveja no bar do Odilon e Anna de Assis – História de um trágico amor, que deu origem à minissérie Desejo, exibida pela Rede Globo e protagonizada por Tarcísio Meira, no papel de Euclides da Cunha, e Vera Fischer como Ana.

Na primeira linha de seu “testamento”, Jeferson avisa: as pessoas não dizem apenas “moro no Padre Eustáquio”. Já vão logo marcando território: “Eu sou do Padre Eustáquio”. O livro conta a história do bairro e relembra a trajetória do religioso que lhe deu nome, famoso por seus milagres e beatificado pelo papa Bento XVI. Sobretudo, dedica saborosas páginas à vocação boêmia das ruas onde mora gente batalhadora vinda de vários recantos de Minas, do país e – por que não? – do mundo. Afinal, o próprio padre Eustáquio (1890 – 1943) era holandês, batizado Humberto von Lieshout. Amigo de JK, virou belo-horizontino da gema e nome de igreja.

No livro de Jeferson, ficamos sabendo de casos e causos do Bar do Heleno, cujo dono, tarde da noite, mandava o pessoal embora com o bordão: “Vocês não têm lar, não?”. E a turma saía obedientemente pela Rua Ingaí afora. O mascote se chamava Ser Humano: um cachorrão que adotou o dono do boteco como amigo. Detalhe: o imponente totó – aparentado com pastores-alemães – conhecia cada freguês. Ai do estranho de maus bofes que aparecesse no Bar do Heleno...

Padre Eustáquio não é território apenas de moradores, estudantes, fiéis, comerciantes e seus fregueses. Há por lá “sociedades” que se tornaram praticamente patrimônio imaterial: a Confraria do Padreco e a Turma do Muro. Na esquina das ruas Jacarina e Três Pontas, o Bistekão funciona como uma espécie de sede dos “muristas”. Criado em 1986, o bar passou por reformas em 1992. Seu famoso murinho passou intacto pela modernização – xodó “tombado” no coração dos “eustaquianos”.

Alma das ruas

Em 1998, Jeferson Andrade passou a editar a Folha do Padre Eustáquio. O repórter-escritor se envolveu com as reivindicações de sua comunidade – morou nas ruas Castigliano e Benfica, a partir de 1996. Alimentou-se, com prazer, da alma das ruas – e de dedos de prosa em estabelecimentos familiares que lá fizeram (e fazem) história. São açougues, padarias, mercearias, lojas de roupas, calçados e de material de construção, além de restaurantes que atraem “forasteiros”: sozinha, a Nino Pizzaria disponibiliza dois salões para nada menos de 400 pessoas...

Jeferson de Andrade se foi em abril, depois de lutar contra o câncer. Seu corpo descansa em Paraguaçu, a terra natal. Mas a alma – com certeza – ainda se diverte lá pelos lados da Feira Coberta – quem sabe ouvindo os latidos enfezados do Ser Humano. “A gente é um lugar”, escreveu ele no último parágrafo de Padre Eustáquio. Tá aí um dos raros sujeitos que merece virar rua.

PADRE EUSTÁQUIO
Coleção BH. A cidade de cada um
De Jeferson de Andrade

. Editora Conceito, 85 páginas
. Feijoada-lançamento às 13h, na Rua Benfica, 46 (esquina com Rua Frederico Bracher Júnior), na quadra do Conjunto Santos Dumont. Entrada: R$ 20. Informações: (31) 3464-7787 e 9976-0169.

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