"Domitila era plural"

por 28/09/2013 00:13
Leandro Couri/EM/D.A Press
Leandro Couri/EM/D.A Press (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Dando continuidade à entrevista, o escritor Paulo Rezzutti analisa o papel político da marquesa de Santos e a forma como sua imagem variou, entre a crítica e repúdio da corte e a influência em São Paulo. O pesquisador fala de seu novo projeto: explorar o lado humano e familiar do inflamado e galanteador dom Pedro I.

Qual a importância política da marquesa?
Quando o imperador escancara o relacionamento, ela passa a ter uma importância. Porque tinha esta coisa: se com a oficial não resolve, vamos tentar com a outra. O caso do Charles Stuart é um desses exemplos. Ela interferiu em um ponto do tratado que ele trouxe, mas foi uma pequena modificação. E pedia nomeação, cargo. Mas ela tinha noção das coisas. Não pedia tudo. O imperador mesmo fala que ele faz até onde pode. Ele não vai colocar alguém da confiança da Domitila acima de quem ele quer nomear. Dom Pedro não era um pau-mandado.

E a importância dela para a nossa história?
É a questão do mito, assim como Chica da Silva. A partir do momento em que essa história se tornou pública, as pessoas contrárias a dom Pedro pegam o caso amoroso e fazem um auê em cima, para provar que ele era uma pessoa ruim, amoral, que não servia para governar. Quando ele abdica em 1831 e vai embora, saem várias publicações na imprensa tentando atingir e desmontar a imagem do imperador, utilizando o caso amoroso. Porque tinham medo que depois que dom Pedro resolvesse as questões na Europa, ele voltasse ao Brasil para tomar a coroa ou virasse regente do filho, Pedro II. Mas não há dúvidas de que Domitila foi, sim, uma mulher muito influente.

O seu livro mostra que a imagem dela no Rio era uma e em São Paulo outra. Por quê?
No Rio ela era atacada por causa desse relacionamento. A imprensa e os opositores do imperador conseguem explorar os sete anos de caso e acabam com ela. Mas em São Paulo, onde ela passou 63 anos de sua vida, é diferente. Ninguém conta no Rio que a Domitila foi a responsável pelo restauro da Igreja de São Cristóvão. Ninguém fala que ela doou dinheiro para a campanha da Cisplatina. Só falam que ela foi amante de dom Pedro. Em São Paulo, ela doa dinheiro para a construção da primeira sede da Santa Casa de Misericórdia; compra casa e a doa para servir como dispensário e enfermaria para pobres; doa dinheiro para a construção da capela do primeiro cemitério municipal da capital paulista, que é o da Consolação, e promove até a decoração interna do espaço.

E essa história de que ela virou santa?
A Domitila está enterrada no Cemitério da Consolação. Quando morre, deixa dinheiro para os pobres e começa a ganhar fama de santa, de generosa. Hoje, ela é tida como uma santa popular em São Paulo. As “marquesinhas” modernas vão muito lá (risos). Tem a lenda de que a mulher que roda o túmulo dela consegue se casar. O local tem vários papéis com graças alcançadas. Gente que arrumou emprego, marido. É bem engraçado ver que a amante de dom Pedro se tornou uma santa.

Mesmo tendo sido uma amante pública do imperador, ela conseguiu se casar novamente. Ela não ficou com o filme queimado?
O dinheiro apaga tudo. Domitila ficou muito bem financeiramente e, nessa época, o Felício, primeiro marido, morre e ela herda vários bens. Tanto que quando a própria marquesa morre – fiz um levantamento – sua fortuna equivaleria a algo em torno de R$ 120 milhões. Era a mulher mais rica de São Paulo quando voltou e uma das mais ricas do Brasil. Tinha terras, escravos, fazendas. Não foi difícil encontrar outro marido. O Tobias era mais velho, celibatário. Ninguém achava que ele ia se casar. Parece que ela jogou asa para cima dele. E também tem uma questão política. Domitila era muito bem relacionada em São Paulo, amiga de todos os políticos. Seu envolvimento com o Tobias é uma forma de sobrevivência também.

Você mudou a imagem que tinha dela?
Não. Pelo contrário. Eu me confundi mais ainda (risos). É tanta imagem que agora tenho dela, tanta coisa que descobri. Domitila é plural. Não é só porque ela foi amante de dom Pedro que só tenha aspectos negativos. Assim como qualquer pessoa, ela tem o lado positivo também.

Sua pesquisa sobre a Domitila pode render mais alguma coisa?

Não. Agora estou mais focado em dom Pedro. Nessa questão mais humana dele. Na sua relação com os filhos. Para a época, é muito curioso, porque você não tinha relacionamento com seu filho. Era babá e tutor que criavam. Era uma relação afastada. E com ele não. O imperador virava a noite na cama ao lado dos filhos doentes. As cartas que ele envia aos filhos que ficaram no Brasil, ainda crianças, inclusive dom Pedro II, têm até marcas de lágrimas. É este aspecto que quero explorar.


Domitila – A verdadeira história da marquesa de Santos

• De Paulo Pezzutti
• Geração Editora
• 352 páginas, R$ 39,90

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