Viver é a maior aventura

O mais conhecido navegador brasileiro fala dos desafios que tem enfrentado na terra e no mar

por 28/09/2013 00:13
Canal Futura/Divulgação
None (foto: Canal Futura/Divulgação)
Carlos Herculano Lopes


Filho de pai libanês e mãe sueca, nascido em São Paulo, formado em economia pela USP: um cidadão do mundo. Este é Amyr Klink, um homem de 58 anos que desde a adolescência, quando começou a ler as histórias de grandes navegadores, teve vontade de se lançar ao mar. Passou a velejar, construiu os primeiros barcos e perdeu a conta de quantas viagens marítimas realizou. Só para a Antártica já foi mais de 40 vezes, fora as voltas ao mundo, que estão documentadas em vários livros escritos por ele e que conquistaram milhares de leitores. Casado com a fotógrafa Marina Klink, com quem tem três filhas, Amyr Klink , entre os próximos projetos, quer criar uma escola voltada para ensinamentos marítimos, numa ilha que possui em Paraty, no estado do Rio de Janeiro. “Além de ser uma forma de preservar o meio ambiente, penso que pode ser um bom negócio. Sempre apostei que é possível ganhar dinheiro investindo em educação de qualidade”, disse. Em entrevista ao Pensar, Amyr Klink analisa ainda as questões urbanas no Brasil e critica as obras de Oscar Niemeyer, que ele considera mal-acabadas. Em meio à participação de evento literário em Araxá, o navegador se confessa cada vez mais ligado aos livros: “O ato de escrever é tão excitante como a vida em um barco”, garante.


Você disse que chegou ao mar por meio dos livros. Como foi isso?
Sou filho de imigrantes. Meu pai era libanês e minha mãe sueca. Eles sempre viajaram muito. Mas eu, na infância e adolescência, não tinha muita perspectiva de viajar, embora tivesse muita vontade. Talvez por isso tenha me encantado bem cedo pelo universo dos livros, que me levava para lugares distantes. No início lia muito Júlio Verne, mas depois comecei a me interessar por histórias verdadeiras, de homens que se lançaram ao mar, buscaram lugares desconhecidos. Mas ainda não sabia que também seria protagonista das mesmas aventuras.

Registrar as aventuras no papel ajuda a suportar a rotina das viagens? É uma forma de se manter bem psicologicamente?

Ao contrário de outros tipos de viagens, as marítimas obrigam você a fazer um diário, a registrar as coisas que estão acontecendo, como uma forma de ter controle sobre elas. Podem ser de razões meteorológicas, de navegação, de astronomia e outras. Muitas vezes, quando uma viagem termina, depois de muito tempo no mar, ao ler o que escrevi costumo me surpreender, a achar bacana ter documentado determinados fatos: os que deram certo e os que deram errado. É uma experiência e tanto. Fazer isso, quando se tem uma queda para a literatura, como é o meu caso, é um passo para mergulhar de vez no mundo das letras, como acabei fazendo.

E como é domar a cabeça na solidão do mar, para ficar bem consigo mesmo? É necessário ter muita disciplina?
O ritual de navegação, como gosto de fazer, exige uma disciplina rigorosa. Sempre gostei de navegar sozinho ou com tripulações pequenas. Temos direito a poucas horas de sono, com intervalos que não ultrapassam uma hora e nunca mais que cinco ou seis vezes ao dia. É um desgaste físico e mental muito grande. A sensação de risco é imensa, pois você sabe que, se não cumprir este ritual, você morre. A velhinha da foice sempre está por perto, como para lhe dizer que, se você bobear, ela pega você, leva você rapidinho para o outro lado. O que não deixa de ser um estímulo. Assim como a ameaça da morte, há o estresse, o sofrimento, o medo, os conflitos. Tudo isso acaba fazendo crescer muito no cotidiano de um barco e, para o escritor, acaba sendo uma experiência muito rica.

Em que a experiência de passar tantos dias no mar pode ser útil quando se volta para a terra? Como aproveitá-la no cotidiano?
Antes de cada viagem, a gente vive um processo de preparação muito grande. É exaustivo, é burocrático, não tem glamour nenhum. São as mesmas dificuldades de qualquer outra atividade. Por outro lado, as viagens marítimas também trazem muitas gratificações, principalmente depois de concluídas. É uma satisfação imensa quando tudo dá certo, quando as ideias e os sonhos que as antecedem acabam virando realidade. É como acontece na própria vida. Por outro lado, o medo, a sensação do risco e a insegurança também costumam servir de estímulo para nos levar adiante. E em um barco, sobretudo quando se está em alto-mar, a gente vive estes sentimentos diariamente, além de ter de enfrentar as imprevisibilidades da natureza. Mais interessante: quando acaba tudo e a gente volta em segurança para a terra, em vez de celebrar, o que dá é um vazio muito grande, a vontade de começar logo outra aventura.

Você conseguiu transmitir este gosto pela aventura para a sua família. Sua mulher e suas filhas às vezes acompanham você nas viagens e também já estão lançando livros, contanto suas histórias. Com a família a bordo a responsabilidade aumenta muito?
Já fiz mais de 40 viagens para a Antártica e fui comandante em mais de 30. Até o dia em que levei a minha família ainda não havia sentido na carne o peso desta responsabilidade. Nunca quis induzir ninguém da minha família a se tornar viajante ou escritor, nada disso. Mas o que acontece – e não tem como escapar disso – é que todas as nossas ações acabam influenciando quem está à nossa volta, e foi o que acabou acontecendo em relação à Marina e às meninas. Sempre me viram preparando viagens, escrevendo livros, corrigindo os textos, e também tomaram gosto.
 
Você disse que é muito rígido em relação ao que escreve. Como se dá esse processo?
Gosto muito de ver um texto bem escrito, por isso me esforço muito em relação aos meus livros. Incomoda-me profundamente ver escritores brasileiros famosos que escrevem mal, que usam mal a língua portuguesa. Ver grandes advogados que não sabem redigir bem uma petição. Ver jornalistas conhecidos que não sabem usar a palavra de maneira correta. Por isso me esforço em relação aos meus escritos e procuro dar o melhor de mim quando escrevo. Acho o ato de escrever tão excitante como a vida em um barco. Não é um mundo fácil, mas fico feliz que minha mulher e filhas também tenham entrado nele.

Você é muito ligado às questões ambientais e ecológicas. Como está vendo essa realidade hoje no Brasil?

Tudo passa pela educação, que aqui no Brasil, infelizmente, é muito falha, e pela inserção das pessoas nas atividades práticas. Não adianta você tentar falar sobre meio ambiente para quem não tem condições para entender seu significado básico. Vou dar um exemplo: minhas meninas, quando nos mudamos para uma casinha em Paraty, onde às vezes faltava água, que vinha na mangueira do alto de um morro, tiveram de ver o que é não ter água para tomar banho para sentir na pele o que é. Para dar valor.

Você disse que quando termina uma viagem vem o vazio. Quanto tempo você consegue ficar em terra, já está com alguma nova viagem em vista? Tem tempo de ler quando está no mar?
Vou dar um exemplo: para a primeira viagem que fiz à Antártica, que durou um ano, levei um montão de livros e não li nenhum. Os relatórios e o diário, além do próprio barco em si, tomaram todo o meu tempo. Quanto à sensação de vazio quando se termina uma viagem, ela é real. A vontade de começar outra vem logo em seguida. Não consigo ficar parado e como meus projetos são complicados – e às vezes levam anos para serem colocados em prática – sempre estou lidando com alguma coisa nova. Agora, por exemplo, estou muito envolvido com a questão do urbanismo, que, no caso do Brasil, está completamente equivocada.

Como assim?
Atualmente não temos um urbanista de peso, para quem me levantaria para apertar a mão. Adorei assistir a uma entrevista do Paulo Mendes da Rocha outro dia, acho que ele é um dos grandes, embora ache que ele precisa viajar um pouco mais. Tenho uma relação muito crítica, por exemplo, com Oscar Niemeyer. Não gosto de nada do que ele fez. As obras dele, a meu ver, são mal-acabadas, são ineficientes. No Brasil, nós endeusamos alguns ícones, como foi o caso de Niemeyer, e ao mesmo tempo inibimos duas ou três gerações de jovens arquitetos e urbanistas, que poderiam estar pensando em soluções mais eficientes para o país. Ainda não percebemos que as cidades nascem, crescem, amadurecem e chega um momento em que têm de parar, porque senão ficam insuportáveis de se viver. No Brasil ainda não percebemos isso. Basta ver o caos das nossas grandes cidades, como São Paulo, Rio, Salvador, Belo Horizonte.

E os novos projetos?
Tenho uma ilha em Paraty, onde pretendo desenvolver um projeto voltado para a educação. Muita gente está me sugerindo fazer loteamentos ou resorts, de retorno financeiro imediato. Mas estou resistindo. Creio que posso ganhar um bom dinheiro investindo na educação, como a marítima, fazendo escolas voltadas para este segmento. A educação, quando bem direcionada, pode ser ótimo negócio.




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