Armando Freitas Filho celebra 50 anos de carreira com lançamento de livro

Armando Freitas Filho se firma como um dos poetas mais importantes de sua geração

por André Di Bernardi Batista Mendes 31/08/2013 00:13
O poeta Armando Freitas Filho conquistou um bom lugar ao sol. Perto de suas sombras. O escritor, que fez sua estreia em 1963 com Palavra, comemora agora 50 anos de carreira. Trata-se de um dos maiores poetas em atividade no país. Dever chega para confirmar a sua militância, o seu projeto, as suas fontes. Dividido em três partes, “Suíte”, “Anexo” e “Numeral”, este belo livro merece ampla repercussão, pois serve de arremate, serve para apresentar e reapresentar um poeta em sua plena forma, dono de si, do seu destino, serve para fazer (re)surgir um poeta dono de suas palavras.
Armando mescla poemas íntimos, sobre a vida amorosa e familiar, a poemas que conversam com o noticiário contemporâneo, como o massacre da Candelária e o goleiro Bruno, e ainda dialoga com a novíssima poesia brasileira, como no poema feito a partir do último livro de Angélica Freitas, Um útero é do tamanho de um punho.

Carioca, do alto dos seus 73 anos, Armando já ganhou os mais importantes prêmios literários em lingua portuguesa. São três Jabutis, o Alphonsus Guimaraens, o Portugal Telecom de Literatura e o Moacyr Scliar. Todo poeta tem lá suas manias, revestidas, neste caso, de um certo charme. Armando Freitas ainda escreve seus poemas, descreve a sua maneira de sonhar por meio de uma velha e boa máquina de escrever, uma Olivetti Lettera 22.

O corpo, a cidade, a memória e o próprio fazer poético são temas recorrentes nos textos de Armando, como também a solidão e a vida simples, dentro de um mundo complexo, ordinário, fútil de descaminhos. Memória é consciência. O coração busca sentidos. O poeta procura, por isso, perceber os percalços, as mudanças, os trâmites, as urdiduras. Tudo tem um enredo, uma tramoia e a poesia desnuda, para revestir o novo do que existe de mais novo.
Camilla Maia/AG
Armando não abre mão de seus temas nem de sua Olivetti Lettera 22, onde datilografa seus poemas (foto: Camilla Maia/AG)


A mão livre, a cabeça do homem Armando, os seus olhos respiram poesia. A sua máquina de escrever escreve. Dever poderia ser, e é, rever. É o máximo: os poemas de Armando têm peito e plexo solar. Seus poemas sofrem, todos os poemas têm raiva.

A poesia tem essa missão, tem esse imenso dever, ela nos desperta de uma espécie de dormência. Ela nos lança, ela nos joga num buraco de luzes e abismos. Sempre no prejuízo, no vermelho, nunca fecha a conta do mês para o poeta. Mas é feito de azuis este serviço, este ofício sem préstimo, sem serventia alguma. Armando é dono de uma poesia feita de extremos, é dono de uma poesia extremamente sofisticada. Ele escreve no limite, no vai não vai, numa espécie de faz de conta que tira das coisas banais, que percebe nelas (banheiros, igrejas fechadas, um lápis de ponta grossa, em varetas e flores) significados repletos de importância. Os restos, o resto, aquilo que nunca se resolve, tem peso de ouro para Armando. Como é de um puro diamante metamorfoses, os adversos, e o outro, que é sempre fonte de encanto e perdição. Armando escreve sem falsidade e sem firulas, mas com um rebuscamento, com um requinte que se faz necessário quando o assunto é poesia e estilo.

Família e morte

O poeta tenta entender a morte: “Quem assina testamento/ assina embaixo da morte/ a endossa, e testa, tenta/ domesticá-la, para evitar/ a desordem do post mortem/ com um afago cuidadoso./ Mas o que é de fogo – fatal –/ não entende o carinho da mão/ estendida, e a queima inteira./ Não por maldade, mas porque tem/ que ser assim, no juízo final”. O poeta sabe que "a vida é vidro".

É também recorrente na poesia de Armando a presença de pai e mãe: “Puxar pela memória não tem fim.” E o poeta, dono de seus detalhes, sabe do amor, adornado, acrescido de detalhes: “Sua primeira aparição/ foi na ponte do pátio da primavera/ revelado em nítido p/b./ Só você estava tecnicolor./ A partir da sua tez, da sua roupa/ do olhar azul inquiridor/ todas as cores se concentraram/ na sua figura e no seu tênis fúcsia.”

Sempre em falta, o poeta não sabe por que, o que, e a quem deve. O poeta, bobo, paga com poemas, mas paga com juros uma dívida que, infinita, alimenta-se de ar. O poeta não deixa de ser apenas uma criança, nunca deixa de ser ingênuo, um fanfarrão que tenta, com palavras, dar jeito no mundo. O poeta tenta, com sentimentos e com palavras, preencher de cores aquele vazio feroz. O poeta perdeu o trem e o prumo. Contudo, para formular, para ver crescer paradoxos, para meras especulações, o poeta tenta a difícil travessia até o verso.

Não há melhor definição para a delicadeza. Armando deixa claro sua vontade de progredir, permanecendo: “Evito não escrever, mesmo se não há/ convite ou visita instigante da inspiração/ Escrita é treino, ginástica, rascunhografia/ momentos vários de dias em um dia único, indiviso./ Série de exercícios de repetição, a fim de alcançar/ não menos, mas mais segundos para a mão.”

Generoso, Armando distribui carinhos e poemas para os seus pares: Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira. Armando, em seu livro, fala também das agruras do cotidiano, do dia a dia familiar, com uma pitada fina e segura de uma ironia boa que, tantas vezes, torna-se perfume e bálsamo. Armando, com sua rede de pescar palavras, atinge o alto escalão e a plebe. Mas ninguém sabe. Não sei dizer, mas quem sabe? O dever de casa, para Armando Freitas, fica necessariamente incompleto. Deixar a escola não significa que aprendemos algo. O ano letivo, para o poeta, não deve acabar nunca.

Pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, Armando foi secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional e assessor no gabinete da Presidência da Funarte, cargo no qual se aposentou. Armando Freitas Filho nasceu e mora no Rio de Janeiro.

DEVER

• De Armando Freitas Filho
• Companhia das Letras, 168 páginas, R$ 36

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