Escritor nativo de Saravejo lança livro de memórias de exílio nos EUA

Nascido na Bósnia, Aleksander Hemon fala de exílio, descobertas e paixões em 'O livro das minhas vidas', seleção de memórias escritas em tom ensaístico

por André Di Bernardi Batista Mendes 17/08/2013 08:00
Zoomzg/Divulgação
Alexander Hemon, depois de obras de ficção, mergulha no passado e em sua relação com lugares e pessoas (foto: Zoomzg/Divulgação)

Um livro sobre descobertas, um livro sobre o exílio, um livro sobre a riquezas e as misérias de uma vida; um livro sobre nostalgia e saudade, um livro sobre aventuras, belas, trágicas, cômicas, profundamente superficiais, grandemente bobas, como tudo. Aleksandar Hemom, autor de 'O projeto Lazarus, E o Bruno?' e 'Amor e obstáculos', acaba de lançar pela Editora Rocco 'O livro das minhas vidas'. Nascido na Bósnia, em 1964, e vivendo nos Estados Unidos desde 1992, o escritor relata o seu périplo, tendo o exílio como condição, como tema e berço para a literatura. Originalmente contista (ele foi descoberto pela revista New Yorker, para a qual  segue colaborador assíduo), Aleksandar volta às origens com esta seleção de memórias ensaísticas, que explora sua vida de maneira ao mesmo tempo reflexiva, leve, sem concessões e profundamente triste.

O escritor começa traçando um panorama amplo do cenário cultural de seu país antes da guerra e sua segunda vida nos Estados Unidos, onde se exilou por acaso. Ele passava férias em Chicago, em 1992, quando a guerra eclodiu. O resultado: ele não mais conseguiu voltar. Aleksandar mostra uma Sarajevo habitada não por vítimas sem rosto, mas por pessoas com planos, ideias, bichos de estimação, angústias e alegrias, pequenas alegrias.

Toda palavra é valiosa, todo verbo carrega doses de espinhos e bálsamos. Hemon sabe disso tudo, pois escreve para as pessoas. Ele, por meio das palavras, escreve sobre pessoas e sabe como poucos arquitetar o perfil de pessoas que amam, que se identificam com a arquitetura, com a alma de uma cidade, no caso, Sarajevo e Chicago. Hemon conta, com altas doses de sensibilidade, sobre as dificuldades de um aprendizado estranho, sobre sua difícil adaptação numa terra mais que estrangeira, num país frio, distante. Hemon, contudo, aprendeu, pois não tinha escolhas, a amar uma Chicago que também é feita de pessoas com rosto, pele, medos, e principalmente, alma.

Hemon, um apaixonado pelo futebol, um aficionado pelo cinema, transforma suas experiências numa alquimia propensa e aberta ao outro. Não por acaso, o escritor tem uma necessidade visceral de percorrer, como um flâneur de Baudelaire, ruas, vielas e avenidas, “como alguém que queria estar em todos os lugares e em nenhum lugar em particular da cidade, para quem perambular era o principal meio de comunicação com ela”.

Aleksandar transforma as dificuldades em desenvolvimento pessoal. Os desmandos da vida, os desencontros, as quebras, serviram bem para aguçar uma personalidade singular, mas plural nos modos de enxergar a vida. Poder escolher os próprios caminhos é uma bênção; ser escolhido por uma cidade já é outra história. Não se trata de reconciliação, mas de descoberta. De Sarajevo a Chicago, de Chicago para dentro de si mesmo, Aleksandar realiza um périplo de idas e vindas, tombos e recomeços.

Hemon revive o seu processo de aceitação ao tentar se adaptar a uma nova rotina, a um novo país, a um novo estado de alma e espírito. Chicago torna-se, assim, um lugar repleto de luzes e muitas sombras que, aos poucos, transformam-se num processo inexorável de luta e de conquista: “Pouco a pouco, as pessoas em Edgewater (Bairro de Chicago) começaram a me reconhecer; comecei a cumprimentá-las na rua. Com tempo, adquiri um barbeiro, um açougueiro, um cinema e um café com um conjunto regular de coloridos personagens – que eram, como eu aprendera em Sarajevo, os nós necessários em qualquer rede urbana pessoal”.

Duas cidades - Não deixa de ser incrível os mecanismos de salvação criados por uma pessoa quando a situação fica sinistra e complicada: “Compreendi que meu interior de imigrante havia começado a se fundir com o exterior americano. Grandes partes de Chicago haviam penetrado em mim e se instalado ali. Eu possuía essas partes agora. Eu via a cidade através dos olhos de Sarajevo e as duas cidades agora criavam um cenário interno complicado, em que histórias podias ser geradas. Quando voltei de minha primeira visita a Sarajevo, na primavera de 1997, a Chicago para a qual voltei me pertencia. Ao voltar de casa, eu voltei para casa.”

Aleksandar também aproveita brechas no seu discurso para, entre fendas de pensamento, divagar sobre questões que vão do multiculturalismo até os limites culturais das democracias ocidentais, passando, claro, pelos meandros e as sombras da memória que é, talvez, a melhor arma para um bom escritor. Ele, assim, encontra um jeito peculiar, criativo, de explicar deslocamentos, de falar sobre a nostalgia e sobre os desmandos de se encontrar num país distante, diferente de tudo, entre todos. A questão da identidade ganha cores e contornos, ganha definições – muitas vezes engraçadas – através dos filtros de um modo de olhar, através dos olhos atentos de um observador privilegiado.

A palavra diversidade, para aquele que é, ou que se sente diferente, ganha e agrega outros sabores. O mesmo vocábulo pode ter múltiplas interpretações, para o fundo, para o alto, rumo a desentendimentos ou pactos sempre provisórios. Não sem razão, o autor de O livro de minhas vidas quebra o texto com subtítulos instigantes: “Quem somos nós?”; “Este sou eu”; “Quem são eles?”; “O que você é?”. Aleksandar tem um estilo, tem um texto afiado, inteligente, lúcido, ácido de boas ideias e concepções. Ele detona, na medida, a “filosofia neoconservadora da diversidade”, a idiotice de George W. Bush, a ignorância, a burrice, mas com humor e sensibilidade. Aleksandar conta, melhor seria dizer confessa, ou revela, sem nenhum pudor, suas desventuras em série, suas mínimas conquistas, suas mazelas.

Hemon descreve suas conquistas, dentre elas, a sua capacidade de encontrar dentro de si algo parecido a um amor, um amor incondicional, tema do texto final do livro, “O aquário”, um relato extremamente delicado, triste de faltar palavras, quando ele recorda a morte de sua filha Isabel, que tinha pouco mais de 1 ano quando um tumor cerebral a vitimou. Sem sentimentalismos, Hemon encara, de olhos bem abertos, a fúria, o vazio da saudade, os mistérios – insondáveis – da vida e, de quebra, da literatura.

O LIVRO DAS MINHAS VIDAS
• De Aleksandar Hemon
• Editora Rocco
• 224 páginas, R$ 25

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