As manobras radicais de Paulo Scott

Autor trocou o escritório de advocacia pela literatura, deixou Porto Alegre pelo Rio de Janeiro e faz sucesso com seus romances. "Sou poeta", avisa o gaúcho

por Ana Clara Brant 27/07/2013 00:13
Circuito Sesc/divulgacao
"Acho lamentável o jovem autor brasileiro não ler o jovem escritor brasileiro" (foto: Circuito Sesc/divulgacao )

Depois de enfrentar verdadeira maratona de eventos, incluindo a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde lançou Ithaca road no início do mês, Paulo Scott já está de volta à vidinha normal, ou seja, “batendo cabeça e tentando escrever alguma coisa que preste”, como diz. Esse gaúcho de 46 anos, radicado no Rio de Janeiro há cinco, é um dos autores mais aclamados pela crítica brasileira.

Surpreendentemente, a carreira literária do romancista começou pela poesia. Paulo publicou quatro livros de poemas: Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros; Senhor escuridão; A timidez do monstro; e O monstro e o minotauro. “Durante um tempo, as pessoas me chamavam de monstro, até porque sempre escrevi muitos poemas sobre eles. Os livros acabaram pegando carona nisso”, conta Scott.

Apesar de ultimamente ser mais reconhecido pelos romances, ele se intitula – antes de tudo – poeta. O quinto livro de poemas, aliás, já está “amadurecendo” e deve se chamar Mesmo sem dinheiro comprei um esqueite novo.

“Escrevo poesia todos os dias. De modo geral, a memória dos jornalistas e até dos leitores é de dois ou três anos, no máximo. Assim, fica a coisa mais recente de que sou romancista”, observa o autor dos romances Voláteis e Habitante irreal (vencedor do Prêmio Fundação Biblioteca Nacional 2012) e do volume de contos Ainda orangotangos, adaptado para as telas pelo cineasta Gustavo Spolidoro.

O apreço pelos versos tem motivo. Para Scott, a poesia é mais visceral e ousada. “Ela é o grande caos da linguagem literária, o grande salto, a grande ruptura, a grande inovação. A permanência da literatura está no gênero poético. A poesia continua referência muito importante no mundo da arte e da cultura. Grandes cineastas, coreógrafos e músicos a têm como referência. Brincava com os meus alunos, dizendo a eles que, se gostam de um poema, gostam de poesia. Ela é tão única, especial e singular... Pode ser um poema popular ou mais erudito, todo mundo tem o seu preferido”, frisa.

Escritório
Ex-surfista e ex-advogado, um belo dia Paulo Scott resolveu jogar tudo para o alto e mergulhar de cabeça no mundo das letras. Antes, chegou a coordenar um dos principais escritórios de advocacia de Porto Alegre e a lecionar direito por uma década. Quando completou 40 anos, afastou-se da vida jurídica. Deixou o Rio Grande do Sul e se mudou para o Rio de Janeiro.

“Eu me joguei de cabeça mesmo. Sabe, é muito difícil avaliar essa coisa do êxito, da felicidade. Talvez seja quase impossível saber o que de fato é felicidade. Mas sei o que é infelicidade, e acho que seria forte candidato a uma vida infeliz se não fosse honesto comigo mesmo. Muita gente chamou de loucura, pois minha vida estava consolidada. Pensei: daqui a pouco, não vou ser mais feliz se não assumir que tenho de fazer essa aposta.”

Os livros começaram a ter repercussão, vieram prêmios no teatro e as coisas fluíram, relembra Scott. “Você tem que apostar mesmo! Não queria chegar ao leito de morte e ficar pensando: ‘Ah, não fiz o que tinha que fazer’”, revela. O “ex-advogado” deixou os pais e a família na capital gaúcha. Porém, o “exílio” carioca não foi processo fácil. “Ir para o Rio foi ruptura mesmo. Ruptura com a vida que tinha antes e recomeço, imersão na nova vida, na nova escolha. Embora gaúcho se dê muito bem com carioca, o Rio de Janeiro é um desafio para a gente. É muito caos, tudo muito bagunçado”, conta.

O gaúcho divide o apartamento com a namorada, a atriz e autora Morgana Kretzmann, para quem está escrevendo uma peça. Entre os projetos dele estão três encomendas para o teatro e um livro para 2016, inspirado na sua relação com o irmão, André.

Três perguntas para...
Paulo Scott
escritor
Há quem ache seu texto cruel e até violento. Você concorda? Paulo Scott pode ser rotulado?
Cada livro é um livro. Meus quatro livros de prosa são bem diferentes. Então, nem me preocupo em ser rotulado como autor disso ou daquilo. Qual é o teu estilo, qual é o teu modo de escrever, como é teu processo criativo? Isso não me importa. A cada novo livro, sou uma nova pessoa. A gente muda. Faço questão de me descontaminar do livro anterior e de recomeçar do zero.

Qual é o seu público?
Não sei, e não me preocupo com isso. Um pouco dessa história de mudar de um livro para o outro vem muito do projeto de não me acomodar dentro de um estilo, até porque todos os meus trabalhos tiveram sucesso de crítica. Só que sucesso de crítica num país como o nosso não significa nada, pois ninguém lê. O que vai fazer diferença é a educação de qualidade. Um dia a gente ter, e formar, pessoas que compreendam a importância da literatura. Isso, de modo algum, acontece no Brasil. Nenhum governo fez a revolução educacional. O Brizola e o Darcy Ribeiro tentaram.

É verdade que você guarda um museu da literatura brasileira contemporânea dentro de casa?
Não (risos). É que acompanho muito a produção contemporânea. Então, minha sala é cheia de livros de autores brasileiros contemporâneos. Gosto muito de saber o que é contemporâneo. Acho lamentável o jovem autor brasileiro não ler o jovem escritor brasileiro. Leio e conheço, às vezes chega a ser até meio demais. Como peguei a fama de leitor, principalmente de poesia e dos contemporâneos, a quantidade de jovens que me manda originais é enorme, principalmente poetas. E olha que nem sou editor nem jornalista. Não sou nada. Só leitor.

Na Austrália
Ithaca road, romance que Scott lançou este ano, integra a série Amores expressos. A Companhia das Letras levou escritores a 17 cidades de vários continentes. Sydney (foto) é o cenário do livro. A metrópole australiana tem certa mítica para esse surfista e velejador na juventude. “Sydney é uma espécie de meca, de paraíso, para quem surfa. É um lugar escandalosamente bonito, com pessoas muito educadas e alegres. A semelhança entre o jeito brasileiro e o australiano não é invenção. Como nós, eles são muito desencanados, têm o jeito easy going do brasileiro. Agora, são mais educados do que a gente, pois têm educação escolar melhor. Até abordo isso em Ithaca”, conta.

Clube Silêncio/divulgação
Cena do filme Ainda orangotangos, inspirado em livro de Paulo Scott (foto: Clube Silêncio/divulgação)
Fora, Copa

Gaúcho é bom de briga – e Paulo Scott não nega a raça. O escritor veio a público criticar a Copa da Literatura Brasileira, torneio literário on-line que usa critérios futebolísticos. Scott não concordou com a inclusão de seu livro Habitante irreal (lançado pela Alfaguara) na competição. Não há troféus ou prêmio em dinheiro. Entre os “jogadores” estão Daniel Galera, Alberto Mussa, Michel Laub e João Gilberto Noll.

A direção da Copa alegou que não substituirá Scott, argumentando que o romance foi enviado pela editora. O escritor contestou a decisão. Segundo ele, a Alfaguara negou ter feito a inscrição. Em seu perfil no Facebook, questionou os organizadores do “torneio”, acusando-os de agir “de maneira impositiva, tributária, afrontando os direitos autorais morais de um escritor”. E completou: “Sei que o direito brasileiro e os princípios do modelo de Estado democrático de direito amparam o meu pedido; ainda assim, informo que não tomarei qualquer medida legal. Deixo apenas, de maneira firme e clara, o meu posicionamento”.

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