História da Igreja é feita de momentos heroicos e degradantes

Brasil recebe este mês a Jornada Mundial da Juventude, maior evento católico em congregação de jovens, que terá a presença do papa Francisco.

por 13/07/2013 00:13
J. D. Vital

Tony Gentile/Reuters
(foto: Tony Gentile/Reuters)
Depois que Jesus morreu crucificado, ressuscitou e subiu aos céus, aqueles a quem Ele chamava de amigos permaneceram em Jerusalém, reunidos “na sala de cima onde costumavam ficar”, segundo os Atos dos apóstolos. Não passavam de 120 seguidores, entre eles Maria, a mãe de Jesus, os apóstolos e algumas mulheres piedosas.  

Eles tinham acompanhado o Mestre a Jerusalém para a celebração da Páscoa. Mas dera tudo errado. Membro do bando de “vagabundos” sem trabalho e endereço fixos que seguiam o Nazareno, Judas Iscariotes traiu Jesus e o entregou aos sacerdotes do templo. Esses o acusaram de blasfêmia e o colocaram nas mãos de Pôncio Pilatos, nomeado pelo imperador Tibério como o quinto governador da província romana da Judeia.

A crucificação era um espetáculo banal naqueles tempos, segundo o historiador Flávio Josefo. Três décadas antes, quando Jesus tinha entre 2 e 3 anos, o general Varo incendiou cidades da região, fez milhares de prisioneiros e crucificou 2 mil judeus que desafiaram o império de César.

Agora, os primeiros cristãos escondiam-se. Oravam, repartiam o pão e ouviam os apóstolos. Inauguraram assim a tradição de viver em assembleia permanente e daí surgiu o nome da instituição: eclésia, assembleia em grego; igreja, em português.

 Depois do episódio de Pentecostes, quando línguas como que de fogo desceram sobre eles, os discípulos perderam o medo. Pedro foi pregar em praça pública. Havia muitos judeus da diáspora em Jerusalém e, cada um em seu idioma, ouviu Pedro. Muitos aderiram à nova fé e foram os primeiros missionários do cristianismo. De volta às suas cidades, estabeleceram as primeiras comunidades cristãs em Antioquia e Alexandria, no Egito; em Damasco, na Síria; e na própria Roma.

Em Jerusalém, a igreja primitiva deu passos para recompor seu grupo dirigente depois do suicídio do traidor e para se organizar como a instituição religiosa que, 2 mil anos depois, ultrapassaria a casa de 1,214 bilhão de batizados, segundo o Anuário pontifício de 2013.

Pedro ganhou o reconhecimento de líder da comunidade. Ele tomou a iniciativa de encontrar alguém para substituir Judas no colégio dos 12 discípulos, chamados de apóstolos, “enviados” em grego. Apresentaram-se dois candidatos – José e Matias. Na dificuldade de escolher um, rezaram pedindo luz divina e, em seguida, tiraram a sorte entre os dois homens. A sorte caiu sobre Matias.

Dessa forma, ficaram sacramentadas duas tradições: o primado de Pedro, mais tarde bispo de Roma e primeiro dos 266 papas da Igreja; e a escolha dos sucessores dos apóstolos para a recomposição do colégio episcopal, atualmente com cerca de 5 mil bispos.

Logo em seu nascedouro, a Igreja foi marcada por desavenças e o convívio entre santos e pecadores. Ainda hoje, durante as missas celebradas diariamente no planeta pelos 413 mil padres (22 mil no Brasil) há uma oração no Canon, logo após a consagração eucarística, em que o mistério divino e humano da instituição é relembrado. O sacerdote convida os fiéis a rezarem pela Igreja, santa e pecadora. Pecadora como no episódio do casal Ananias e Safira, que contrariando o costume da comunidade primitiva, vendeu um terreno e escondeu para si parte do valor da venda.

Religião de sapateiros Com o reforço de Paulo de Tarso, a Igreja ganhou ares cosmopolitas. Judeu fundamentalista, Paulo considerava hereges os seguidores de Jesus. De perseguidor dos cristãos converteu-se em principal propagandista da “boa notícia” (evangelho, em grego) expandindo a nova religião até os confins do império romano.
Para isso, Paulo não temeu enfrentar o número um do cristianismo. Ele se posicionou contra o conservadorismo de Pedro que, temeroso em contrariar a comunidade de Jerusalém, hesitava se o cristão precisava seguir as normas do judaísmo – a circuncisão, por exemplo. Paulo venceu.

Na adolescência da Igreja, o cristianismo é visto como uma seita de gente humilde, de escravos e populacho. Ou, na palavra de Aulus Cornelius Celsus (25 a.C – 50 d.C), “uma religião de cardadores (ajudantes de tecelagem), sapateiros e engomadores”. Mais tarde, alastra-se entre gente do Exército e da nobreza.

O sucesso entre os romanos custou caro à jovem instituição, considerada clube de hereges. O imperador Nero, morto no ano 68, criou um instrumento jurídico para legalizar a perseguição aos cristãos. “Non licet esse christianos” (Não é lícito ser cristão), segundo relato do cartaginês Tertuliano.

O apóstolo Pedro foi crucificado nesse período, no ano 64. Não se sabe quantos cristãos foram mortos durante as perseguições romanas, talvez alguns milhares. Mas a religião de Jesus crescia e multiplicava-se porque, segundo Tertuliano, “o sangue dos mártires é semente de cristãos”.

Os cristãos refugiaram-se nas catacumbas, que ainda hoje podem ser visitadas em Roma, uma delas a de São Calisto. O imperador Valeriano (253–260) tentou extirpar o cristianismo perseguindo os cabeças da Igreja, ou seja, os bispos, sacerdotes e diáconos.

Nos períodos de caça aos cristãos, como nos dias da mais cruel perseguição desencadeada pelo imperador Diocleciano (302 a 311), a face humana do cristianismo não raras vezes ofuscou o brilho dos mártires. No livro de Hermas, de meados do século 2, há registro de casos de apostasia de cristãos, que para fugir da morte aceitam sacrificar aos deuses pagãos. Noticia-se também sobre um mal que se pensava contemporâneo: os ricos não aceitavam ficar ao lado dos pobres nas assembleias eucarísticas. A corrupção enlameava alguns diáconos encarregados da administração dos bens materiais da Igreja antiga.

Contudo, os cristãos conquistaram a admiração dos pagãos, como se pode ler em um texto de autor desconhecido, provavelmente escrito em Alexandria entre os anos 90 e 200, a “Carta a Diogneto”.

Os cristãos são apresentados como gente comum, igual a todo mundo. “Casam-se como todos e geram filhos, mas não jogam fora os bebês. Colocam em comum a mesa, mas não a cama. Estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Habitam na Terra, mas têm a sua cidadania no céu. Obedecem às leis estabelecidas e com a sua vida superam as leis. Amam todos e por todos são perseguidos. Não são conhecidos e são condenados. São mortos e retornam à vida. São pobres e a muitos fazem ricos; não têm nada e abandonam tudo. São desprezados e nos desprezos têm glória. São ultrajados e proclamados justos. São injuriados e abençoam, são maltratados e honram. Fazendo o bem e são punidos como malfeitores; condenados, se alegram como se recebessem a vida...”.

 A partir do “Edito de Milão” (313) e com a proteção do imperador Constantino, a Igreja sai da clandestinidade. Em 389, o cristianismo foi declarado religião oficial do Estado pelo imperador Teodósio I.  Um século depois, com a invasão dos bárbaros e a queda do Império Romano, a Igreja sobrevive ao caos. E substitui, de certa forma, a antiga estrutura imperial, com seus bispos elevados à condição de administradores das províncias e de príncipes.

Esse processo levou à criação dos estados pontifícios em 756, pelo papa Estevão III. Formados por territórios do centro da Itália, os estados eram governados pelo soberano da tríplice tiara, o papa. A tiara papal, um chapéu em forma de cone com três coroas, foi usada pela última vez por Paulo VI, coroado em 1963. Ela foi arrematada em 1968 pelo cardeal americano Francis Spellman, arcebispo de Nova York, e o dinheiro destinado aos assistidos pela Igreja na África.

Polêmica por natureza A Igreja enfrentou, desde seu início, crises internas, com disputas teológicas sobre questões variadas, como a natureza de Jesus. Os movimentos gnósticos foram condenados como heréticos. Naqueles tempos, conta o frade dominicano Oswaldo Resende, prior dos dominicanos em Belo Horizonte, “discutia-se teologia com a mesma paixão com que hoje se discute futebol”.

Com a tolerância religiosa dos novos tempos, a Igreja passa a enfrentar uma ameaça que deixou marcas na sua organização: a ingerência do Estado. O imperador Constantino convocou e presidiu o primeiro concílio ecumênico, realizado em Niceia, no ano de 325, com a participação de 318 bispos, para combater o arianismo. Padre de Alexandria, Ário ensinava que Jesus possuía uma divindade secundária, de segunda classe.

Mesmo sem saber que o texto tem o dedo imperial de Constantino, ainda hoje os cristãos professam o “Credo Niceno-Constantinopolitano” em dias especiais da liturgia. É um “Creio em Deus Pai” um pouco mais longo, elaborado para refutar as teses heréticas de Ário.

 Foram muitos os movimentos dissidentes, entre eles, os cátaros (puros). Pelágio não aceitava a doutrina do pecado original.  Macedônio negava a divindade do Espírito Santo. Juliano foi chamado de apóstata. Nestório, bispo de Constantinopla, negou que a Virgem Maria fosse mãe de Deus. Frei Oswaldo Resende diz que esses movimentos heréticos podem ser definidos como agrupamentos de iluminados que se proclamavam os escolhidos de Deus.

 Eles foram combatidos pelos “padres da Igreja”, como São Jerônimo, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Seus escritos, a Patrística, consolidaram os fundamentos doutrinais do cristianismo e sua opção pelos imperfeitos e os pecadores.

Segundo frei Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia nos tempos de Bento XVI, depois de superar a batalha contra o arianismo, a Igreja desenvolveu um grande esforço para levar o evangelho aos povos bárbaros da Inglaterra, Holanda, França e Alemanha. Ele conta: “Um momento decisivo nesta empreitada foi a conversão do rei merovíngio Clodoveu, que, na noite de Natal de 498, ou 499, se deixou batizar pelo bispo de Reims, São Remígio”. Então candidato a governador de Minas, Tancredo Neves apreciava citar esse episódio para fustigar o governo João Batista Figueiredo, que mudara de opinião sobre a organização partidária na primeira eleição direta para os governos estaduais. Provavelmente, Tancredo Neves diria hoje o mesmo do PT de Lula no governo.

Declamada de cor por Tancredo e relembrada por Cantalamessa, a frase famosa foi dita pelo bispo Remígio no momento de batizar Clodoveu: “Mitis depone colla, Sigamber; adora quod incendisti, incende quod adorasti”. “Inclina humildemente a nuca, Sigambro altivo; adora o que tu queimavas, queima o que tu adoravas”.

Nesse período, o italiano Benedetto da Norcia, nascido em 480, fundou a Ordem dos Beneditinos – a mais antiga ordem monástica do mundo. A Regra dos Monastérios foi inspiração para as ordens religiosas. São Bento morreu na Abadia de Monte Cassino, destruída pelo bombardeio aliado e por pracinhas brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial e posteriormente restaurada.

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