O romancista Paulo Scott lança 'Ithaca road', ambientado na Austrália

Livro fala sobre as desventuras de personagens que se perdem pelas ruas de Sidney

por André Di Bernardi Batista Mendes 06/07/2013 00:13
Renato Parada/Divulgação
(foto: Renato Parada/Divulgação)
Acaba de chegar às livrarias Ithaca Road, mais um exemplar do projeto Amores Expressos, que levou 17 escritores para 17 grandes cidades do mundo, com o objetivo de escrever um romance. Coube a Paulo Scott divagar sobre Sydney, na Austrália. O escritor gaúcho conseguiu com sua empreitada chaves para desarmar, para desamarrar alguns dilemas da juventude. A história parece simples, mas é cheia de surpresas e armadilhas. Chamada às pressas pelo irmão mais velho para tomar o seu lugar na condução do Paddington Sour, um bar-restaurante situado numa das mais badaladas ruas de Sydney, Narelle chega da Irlanda, sendo imediatamente absorvida por uma realidade familiar e desafiadora.

Para essa neozelandesa mestiça de maori com europeu, o retorno inusitado à cidade forçará um inevitável acerto de contas com o passado. A começar pelo irmão, que parece ter fugido do país para evitar as consequências de um complicado processo de falência. Enquanto cruza o tortuoso mundo dos burocratas e advogados, Narelle tenta acalmar os ânimos de funcionários e fornecedores do bar, de modo a evitar que o seu funcionamento seja interrompido. Seu namorado, um jornalista investigativo idealista, está no Brasil cobrindo uma história de crimes relacionados à extração de minério de ferro. Conforme procura dar conta de um impasse no relacionamento cada vez mais à distância, Narelle também precisa negociar com antigos afetos que ressurgem, como até então nunca havia ocorrido.

É nesse cenário conturbado que ela conhece Anna, uma garota misteriosa que passa os dias desenhando no parque. Narelle sofre de psoríase, e a aspereza e a sensibilidade extrema de sua pele parecem por vezes reproduzir sua relação com o mundo. Nesse encontro inesperado com a menina, que parece nunca sair de seu próprio mundo, a protagonista descobrirá um novo universo de possibilidades. A partir da relação tênue e frágil desses dois personagens, Paulo Scott constrói uma delicada história de amor e companheirismo, de escolhas definitivas e coragem.

Dentro do simples surge o imprevisível. Dentro das distâncias mora o início de descobertas inusitadas. Por isso, outra chave principal de projeto Amores Expressos: é preciso sair, é preciso viajar, sumir de si, sumir de todos, distanciar-se para melhor enxergar, para melhor voltar a ver-se no espelho. O mundo é grande demais e nele cabem pessoas e versos. O mundo – e a terra, principalmente a terra – foi feito para tudo que é passo e correria. Se a imobilidade tem lá suas regras e seus benefícios, o mistério de tudo que se movimenta gera atritos e faz despertar sementes que precisam, acima de tudo, da desordem dos sentidos. Se permanecer é deixar estar, partir significa ter a coragem de dizer palavras que servem para inaugurar. Quando os olhos ganham outras e maiores proporções. Viajar é inventar, é ver um incêndio, é entrar em labirintos. Para não nos perdermos, inventamos uma espécie de rastro de pólvora, que tanto orienta quanto mais fulmina as pedras do passado. É preciso construir um futuro feito de nuvens e azuis.

Viajar é descobrir um país estranho. Paulo Scott, por meio de seus personagens, encontrou uma cidade peculiar: Sydney é “este lugar de resistência, de geografia insular, onde flores nativas não têm perfume, onde a dedicação europeia saturou paraísos litorâneos, um posto avançado da Terra do Nunca, empresa do império, ódio contra as consuetudinárias inglesas, corridas do ouro, febre do ouro, a tolerância acuada em relação aos asiáticos, um deserto que matou aventureiros de todas as épocas, lã de ovelhas, carvão, minério de ferro, o pragmatismo que fez surgir e aprimorou o nado crawl.” Sydney, com um abraço paradoxal, é um lugar que acolhe, mas não liberta.

Sem ideologia Paulo Scott fala sobre o universo feminino, mas sem levantar esta ou aquela bandeira inútil. Não existe uma causa, uma ideologia específica. Paulo Scott fala, principalmente, sobre relacionamentos. Este belo escritor entra e leva os seus leitores até os corações de personagens irrequietos, limitados, mas cheios de vitalidade – e dúvida. Paulo Scott aborda a questão do amor, o amor entre pessoas, pouco importa a questão do gênero. As águas, quando inventam um rio, percorrem caminhos tortuosos. Qual é o nosso lugar no mundo? Existe um lugar, para cada alma? O nosso lugar fica, apesar de tudo, no mundo. Não por acaso, viajar é perder-se, eis um dos maiores sentidos de qualquer estrada. Eis o maior desafio que se apresenta para aqueles que, cheios de coragem, encaram as primeiras curvas de qualquer vereda. Os personagens de Ithaca Road, inquietos, deixam inquietos os leitores.

Ithaca, assim, é, além de ser uma referência à rua onde se localiza o apartamento da protagonista, alude à mitológica ilha natal de Ulisses. Narelle, a personagem principal, não deixa de ser uma espécie de Penélope contemporânea. Se a Austrália é uma ilha, todo homem é um universo. Cada lugar esconde cores e sombras únicas. Cada lugar pode ser bom. Cada lugar é e cada curva é cheia de sobras, de espinhos, de perfumes, de prosa e poesia, como são todas as pessoas, de qualquer lugar, de qualquer distância. Em cada esquina espera um tigre prestes. O livro de Paulo Scott não traz nada de extraordinário, mas só a perspectiva daquela longa mordida já vale arriscarmos a aventura, para cruzarmos todas as linhas e todas as ruas possíveis.
Paulo Scott nasceu em Porto Alegre, mas mora no Rio de Janeiro. É autor dos romances Voláteis e Habitante irreal, livro ganhador do Prêmio Fundação Biblioteca Nacional 2012, do volume de contos Ainda orangotangos e do livro de poemas A timidez do monstro.

ITHACA ROAD
• De Paulo Scott
• Editora Companhia das Letras, 110 páginas, R$ 32


Outros amores


Também participaram do projeto Amores Expressos os escritores Daniel Galera (Cordilheira); Daniel Pellizzari (Digam a satã que o recado foi entendido); Joca Reiners Terron (Do fundo do poço se vê a lua); Luiz Ruffato (Estive em Lisboa e lembrei de você); Bernardo Carvalho (O filho da mãe); Sérgio Sant’Anna (O livro de Praga – Narrativas de amor e arte) e Chico Mattoso (Nunca vai embora).

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