O caminho de volta

por 25/05/2013 00:13
APREMAVI/DIVULGAÇÃO
APREMAVI/DIVULGAÇÃO (foto: APREMAVI/DIVULGAÇÃO)
Marcelo Freitas

Plantio de florestas nativas pode ser um negócio lucrativo que talvez ponha fim à ideia de que, no campo, a produção é incompatível com a preservação ambiental.


O que de comum poderia existir entre o técnico agrícola Fabrício Araújo, de Minas, e o banqueiro Bruno Mariani, da Bahia? Aparentemente, nada. Pois há. E muito. Os dois se dedicam a uma atividade que pode mudar a relação dos brasileiros com um de seus bens mais preciosos – as florestas. Historicamente, desde o descobrimento do Brasil, há cinco séculos, o desenvolvimento econômico do país foi feito às custas da derrubada das matas nativas. O lucro veio do desmatamento, para a extração do pau-brasil, o plantio da cana-de-açúcar e do café, a implantação de pastagens, a ampliação da fronteira agrícola em direção ao cerrado e, mais recentemente, a produção de grãos, especialmente na Amazônia. Fabrício e Bruno querem provar exatamente o contrário: que a floresta em pé também pode dar lucro.

Fabrício Araújo coordena o projeto Viveiro Amda, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), uma ONG fundada há 35 anos e que tem a proteção da biodiversidade como uma de suas prioridades. Bruno Mariani é dono da Symbiosis, uma empresa cujo produto é a floresta. Sua meta é plantar 100 mil hectares de matas nativas em quatro estados: Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ele pretende atender à demanda por produtos madeireiros sem alterar os ecossistemas locais, ou seja, sem derrubar a floresta. A técnica a ser utilizada é a do manejo florestal. Quando os plantios estiverem consolidados, ele pretende abrir o capital da empresa para investidores estrangeiros, especialmente fundos de pensão americanos.

Bruno Mariani não esconde que seu objetivo com as florestas é o lucro. Sua atividade não lucrativa é a de presidente do Fundo Brasileiro da Biodiversidade (Funbio), uma ONG que faz a captação de recursos no exterior para aplicação em projetos de proteção da biodiversidade. O maior projeto do Funbio é o de implantação de infraestutura em áreas protegidas da Amazônia, em parceria com o governo federal.

O objetivo da Amda é contribuir para o aumento do percentual de remanescentes florestais nativos do estado. Mas, tal como Bruno Mariani, a Amda quer ganhar dinheiro com o plantio de florestas. Com as cerca de 100 mil mudas que terá até o fim do ano em seu viveiro, localizado no Bairro Jardim Canadá, município de Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte, a ONG espera ter uma receita líquida de R$ 300 mil, recursos que serão destinados a financiar outras de suas atividades.

O mercado que a Amda e a Symbiosis miram é o da recomposição de áreas de preservação permanentes (APPs) e de reserva legal (RL), determinada pelo novo Código Florestal. A estimativa do Ministério do Meio Ambiente é de que cerca de 35 milhões de hectares em todo o país tenham que ser replantados ou forçados à recuperação para que atendam às normas do novo código. Considerando o custo médio de R$ 10 mil por hectare reflorestado, esse novo mercado corresponderia a uma estimativa de negócios da ordem de algumas dezenas de bilhões de reais.

O retorno para quem pretende ser um plantador de florestas pode vir de diversas formas: venda de sementes, comércio de madeiras nobres certificadas, extração de óleos e até o recebimento pela prestação de serviços ambientais, como já faz, por exemplo, a Fundação SOS mata atlântica, que remunera os proprietários rurais que fazem parte do Click Árvore. O projeto existe desde 2000 e já promoveu o plantio de 24 milhões de árvores de espécies da mata atlântica, em sua maior parte nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Por cuidar das mudas, ao final do terceiro ano, o produtor rural recebe uma bonificação que pode variar de R$ 2,5 mil a R$ 16 mil.

Com a demanda por mudas em alta, o cenário não poderia ser outro. Há falta de mudas no mercado. A própria entrada da Amda como produtora de mudas se deu em função dessa escassez. Em 2011, a entidade iniciou um projeto de recuperação de ambientes naturais no Parque Estadual da Serra do Rola Moça, ao sul de Belo Horizonte, mas esbarrou no problema do fornecimento das mudas. Daí, segundo Fabrício Araújo, o projeto de implantação de um viveiro, que vai atender às necessidades dos projetos da própria Amda, mas também de terceiros, como as empresas que precisam fazer a recuperação de APPs. "Estão faltando mudas no mercado", afirma o coordenador do Viveiro Amda.

Quem também tem problemas com o fornecimento de mudas é a SOS Mata Atlântica, que para atender pelo menos à demanda própria também está pensando em implantar um viveiro. De acordo com Rafael Fernandes, coordenador de Restauração Florestal da SOS, no Nordeste do país, a escassez de mudas é um problema mais sério que no Sul e Sudeste. Para que o Nordeste possa ter sua demanda atendida, os viveiros teriam que ser instalados lá mesmo. Por duas razões: a primeira é que o transporte das mudas do Sudeste para lá dobra o custo do hectare reflorestado; a segunda é que as mudas perdem a qualidade e ficam, em boa parte, impróprias para o uso.

As fazendas da Symbiosis estão em Trancoso, na Bahia, no meio do caminho entre o Sudeste e o Nordeste do país. Mas, por enquanto, sua produção é apenas para garantir o atendimento da demanda da própria empresa. Bruno Mariani afirma que a Symbiosis também tem problemas com o fornecimento de sementes, que são coletadas por profissionais que se embrenham pela floresta adentro à procura delas, no chão ou nas próprias árvores. Na Symbiosis, este trabalho tem uma retaguarda de alta tecnologia. As sementes vêm de árvores monitoradas por GPS.  Para cada espécie, são coletadas sementes de 60 delas. "Cada árvore que planto, sei qual é a mãe dela", afirma Bruno Mariani.

A Amda não chegou a tal nível de sofisticação tecnológica. Porém, nem por isso o controle é menos rigoroso. Lá, a coleta de sementes é feita por Geraldo Santos Adriano, o Canela. O segredo, segundo ele, é buscar o equilíbrio, pois a coleta de sementes, se feita de forma radical, também é capaz de causar um dano ambiental, na medida em que pode dificultar a reprodução da própria árvore. "O ideal é dividir entre as diversas matrizes de uma mesma espécie, não coletando as sementes de uma árvore só", explica Geraldo, para quem a maior alegria é, depois do plantio da semente, acompanhar o crescimento da muda, quase que com o sentimento de um pai que acompanha o desenvolvimento do filho. "Eu fico preocupado quando ela começa a crescer."

O sentimento de Geraldo Adriano é o mesmo de Bruno Mariani. O banqueiro afirma que o benefício de sua atividade sobre preservação das florestas brasileiras vai além do que se pode imaginar. Seu raciocínio é o seguinte: nos 5% que restam da mata atlântica, boa parte das árvores de madeira mais nobre já foram retiradas, embora a mata, nos locais preservados, esteja aparentemente intacta. Na mata atlântica original, havia um exemplar de jacarandá, a mais nobre das espécies desse bioma, por hectare. Nas florestas de Bruno Mariani, esse número é bem maior.

O processo da Symbiosis começa com a compra da terra. A primeira providência é a reconstrução das áreas de preservação permanente, como topo de morros e margens de cursos d'água. Nas áreas de produção, são utilizadas 30 espécies nativas de valor comercial e de rápido, médio e longo crescimento. Nas áreas de preservação permanente, a diversidade é maior: 120 espécies. A Amda trabalha com 79 espécies. Mas a meta, segundo Fabrício Araújo, é ter, no viveiro, uma diversidade maior, chegando a cerca de 500 variedades, cujas sementes são coletadas em uma área de 50 a 60 quilômetros de distância do viveiro.

Entre as florestas plantadas com nativas e os reflorestamentos para a produção de carvão ou celulose, que utiliza eucalipto ou pínus, principalmente, há grandes diferenças. Nestas, quando o plantio atinge a idade de corte, de uma hora para a outra, a floresta deixa de existir, já que as árvores são cortadas pelo pé. Nos reflorestamentos com nativas, o corte é seletivo. Nos cinco primeiros anos, já é possível fazer o corte para a venda de madeira de crescimento rápido, como a das árvores que são utilizadas para a produção de cabos de enxada. Quanto mais as árvores crescerem, maior será a largura de seu tronco e, consequentemente, o seu valor de mercado. A diferença é que nos plantios de nativas a floresta nunca deixa de existir, pois o corte é seletivo e as árvores retiradas são substituídas com o plantio de outras, em igual número, de tal forma que sempre se tem uma floresta em produção.

O Instituto Estadual de Floresta (IEF) de Minas trabalha em uma linha um pouco diferente, preferindo incentivar o que o instituto define como as "agroflorestas", que são plantios onde as nativas dividem o terreno com culturas como as de café ou banana, entre outras. De acordo com Adauta Oliveira Braga, diretora de Desenvolvimento e Controle Florestal do instituto, o reflorestamento só com espécies nativas é muito complicado de ser implementado junto a pequenos produtores, que, em Minas, são maioria. Ela explica que uma floresta traz retorno com um mínimo de seis a sete anos, tempo que um pequeno produtor não consegue esperar. "Floresta é poupança. E o pequeno produtor precisa do dinheirinho pingado todo mês", afirma Adauta. Justamente por isso – predominância dos pequenos proprietários – ela não é muito otimista em relação a um futuro no qual passará a predominar a ideia de que a floresta em pé é o grande achado.

A Associação de Preservação do Meio Ambiente de Itajaí (Apremavi), em Santa Catarina, também faz o plantio consorciado de matas nativas com espécies frutíferas, pois entende que a geração de renda é importante para o produtor rural manter a floresta. Mas o forte da ONG é o plantio de áreas inteiras de florestas nativas, em parceria com empresas e proprietários rurais. Desde que foi fundada, em 1987, a Apremavi já fez o plantio de 5 milhões de árvores em 3,35 mil hectares de mata atlântica, nos estados de Santa Catarina e Paraná. Maria Luiza Schmitt Francisco, coordenadora financeira e administrativa da entidade, é otimista. Ela acredita que, com o apoio de projetos como o dos plantios consorciados de florestas nativas e frutíferas, dentro de pouco tempo será possível mudar a tendência, ainda predominante, do desmatamento como condição para o uso da terra.

Fernando Feitoza, o gerente de Educação para a Sustentabilidade da Fundação Espaço Eco, de São Paulo, é menos otimista. Para ele, o modelo segundo o qual a produção agropecuária passa pelo desmatamento ainda está muito enraizado nos brasileiros. Para quebrar esse modelo, o que falta, a seu ver, é as pessoas serem informadas do contrário. "A floresta é fundamental para quem cria gado", afirma Feitoza, cuja ONG já fez a restauração florestal de 518 hectares em propriedades rurais de 75 municípios brasileiros. Embora a ideia de que a floresta em pé possa dar lucro esteja ainda pouco disseminada, já há, segundo ele mesmo reconhece, pessoas que pensam assim. "Estas é que vão se dar bem, antes das outras", destaca.

Bruno Mariani aposta no fator econômico, mais do que na informação. Por uma razão muito simples: está em curso no país uma reformulação da atividade florestal. Do ponto de vista da rentabilidade da indústria que transforma a madeira em outros produtos, como a moveleira, não tem mais sentido buscar a matéria-prima a uma distância de alguns milhares de quilômetros, como na Amazônia. O racional, segundo ele, é buscar a madeira que esteja o mais próximo possível da indústria, algo semelhante ao que já fazem as montadoras de automóveis, que procuram concentrar seus fornecedores ao seu redor. Daí sua expectativa em relação ao retorno econômico que os projetos de plantio de florestas nativas vão propiciar.  "Vamos produzir madeira de forma inteligente e perto do mercado consumidor", afirma o presidente da Symbiosis.

No outro lado, Rafael Fernandes, da SOS Mata Atlântica, não vislumbra uma mudança de paradigma a curto prazo. No tempo de duas décadas, ele acredita que o que poderá ocorrer é uma redução do desmatamento, que, porém, continuará a existir. O que os índices oficiais mostram hoje, de modo geral, é que a redução da cobertura vegetal continua a ocorrer. A diferença é que ela ocorre em um ritmo menor. Assim, em vez de se desmatar uma área equivalente, por exemplo, a mil campos de futebol, está se desmatando o equivalente a 500. Mas a perda da cobertura vegetal nativa continuará sendo, segundo Rafael Fernandes, um problema para o Brasil. Para ele, o movimento no sentido inverso virá, mas vai demorar um pouco mais, não acontecendo antes de 30 anos.

No livro O mundo sem nós, o jornalista americano Alan Weisman descreveu um cenário que lembra um pouco o que é imaginado pelos plantadores de florestas. Weisman partiu de uma realidade hipotético – a de que houve um determinado momento em que os seres humanos deixaram de existir sobre a face da Terra. Sem a nossa presença, a natureza pôde, então, finalmente, voltar a exercer a sua plenitude. Como exemplos do que isso ocorreria, o autor visitou lugares onde, hoje, a presença humana deixou de existir, como na faixa de terra que separa as duas Coreias ou na que divide a Ilha de Chipre ao meio. A faixa que separa as Coreias tem 243 quilômetros de comprimento e cinco de largura. Está desabitada desde 6 de setembro de 1953, quando um armistício pôs fim à Guerra da Coreia. Lá, a natureza conseguiu recuperar seu esplendor. No Chipre, a faixa de terra que separa turcos e gregos tem, ironicamente, o nome de Linha Verde. A ausência da presença humana a transformou em um refúgio para lebres e perdizes. Aos poucos, as construções que lá existem estão sendo envolvidas pelas  árvores que, desde 1974, quando foi selado o acordo de paz, deixaram de ser podadas.

O ceticismo de alguns em relação à possibilidade de ter um determinado momento em que a restauração florestal será maior que o desmatamento não desanima Geraldo Adriano, o coletor de sementes da Amda. Ele, que tem 50 anos de idade, não acredita que sua geração vai testemunhar essa realidade. "Mas a geração que está vindo, com certeza vai." Diferentemente do que descreveu Weisman em O mundo sem nós, os plantadores de florestas nos levam a crer que talvez seja possível imaginar um cenário futuro no qual essa conciliação venha a ser possível.

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