Para vencer o vício da desinformação

Almanaque das drogas foge dos tabus e dos preconceitos rasos para apresentar dados bem trabalhados e propor debate sério sobre problema que aflige o país

por 25/05/2013 00:13
Yasuyoshi Chiba/AFP
Yasuyoshi Chiba/AFP (foto: Yasuyoshi Chiba/AFP)
Ângela Faria

•  “Menor de 16 anos foi apreendido pela terceira vez por tráfico de drogas. O adolescente disse que trafica por não querer trabalhar nem estudar e que a apreensão não vai dar em nada.”


•  “Especialistas e ativistas que defendem a descriminalização das drogas no Brasil vão entregar uma carta à presidente Dilma Rousseff, ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF) cobrando a elaboração de uma nova política antidrogas que não seja baseada em medidas proibicionistas. A principal crítica do grupo é ao Projeto de Lei 7.663/2010, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que altera a Lei Antidrogas para aumentar a pena mínima para traficantes e prevê a internação compulsória de dependentes. Segundo os signatários do documento, o projeto é um retrocesso no debate sobre drogas no Brasil e fere direitos constitucionais.”


•  “O Uruguai defendeu perante a Comissão de Drogas da Organização das Nações Unidas (ONU) seu projeto de legalização da maconha por considerar que as políticas proibicionistas aplicadas nos últimos 50 anos não foram eficazes e, por consequência, acabaram fracassando.”


•  “A violência ataca a educação. Pesquisa feita em São Paulo mostra que quatro entre 10 professores já sofreram algum tipo de agressão. Quase um terço deles já presenciou tráfico de drogas no ambiente escolar.”




Diariamente, o cidadão brasileiro é bombardeado por notícias como essas. Angustiadas e desnorteadas, famílias temem pelo futuro de seus adolescentes, cujo acesso às drogas é cada vez mais fácil. Problema de saúde pública, de polícia e – sobretudo – de política, o debate sobre substâncias psicoativas vem carregado de tabus, histeria e mitos que só fazem deixar ainda mais atordoados pais, professores e os próprios jovens.

Lançado no ano passado, o Almanaque das drogas (Leya), escrito pelo jornalista Tarso Araujo, oferece amplo painel sobre o tema. De maneira didática, aborda-se a questão de forma abrangente. O autor explica como as drogas acompanham o ser humano ao longo de sua história – desde o Paleolítico Superior, há 40 mil anos, passando pelo movimento flower power dos anos 1970 e guerras envolvendo essa preciosa mercadoria. Mostra como cocaína, ecstasy e opiáceos e afins se transformaram em “commodities” da economia globalizada, ancoradas na sofisticada lavagem de dinheiro do tráfico. Esclarece os impactos da droga sobre a saúde. São quase 400 páginas, com 200 fotos e dezenas de ilustrações.

O robusto almanaque é bem-vindo neste momento em que o Brasil assiste a acirradas discussões sobre descriminalização das drogas, proibição rigorosa de seu consumo, política de redução de danos, internação compulsória de dependentes e redução da maioridade penal para 16 anos.

O autor lembra, oportunamente, que álcool, tabaco e cafeína raramente levam a pecha de droga, mas o são – aliás, drogas legalizadas e para lá de rentáveis para o Estado. Habilmente, ele consegue se desvencilhar do cipoal de tabus para jogar luz tanto sobre questões espinhosas quanto mitos e preconceitos.

É fato: o sistema de controle de drogas estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) na década de 1960 chega ao século 21 amargando retumbante fracasso. De um lado, especialistas de renome e políticos respeitados defendem a legalização – como o brasileiro Fernando Henrique Cardoso e o americano Bill Clinton. De outro, pesos pesados consideram essa medida temerária, sobretudo para os adolescentes. O método de redução de danos não é consenso entre especialistas em saúde pública. Há quem só admita abstinência.

Formular novos paradigmas para abordar a toxicomania desafia o homem contemporâneo. O almanaque de Tarso Araujo organiza informações de forma eficaz para o leitor, desnorteado entre argumentos e contra-argumentos de gente de peso. Legalização, explica Tarso, não é “liberar geral”, mas criar mercados regulados para diferentes substâncias. O livro ajuda a compreender políticas – muitas vezes divergentes – implantadas em países como Suécia, Holanda, Portugal, Estados Unidos e Espanha.

Tráfico Como não poderia deixar de ser, Almanaque das drogas analisa com especial atenção o tráfico no chamado Terceiro Mundo. Estão lá o México, o Brasil e a corrupção como peça da engrenagem da força econômica que contamina o sistema político de países pobres.

Melhor de tudo: nossa vontade de saber mais não se encerra quando chegamos à página 382. Tarso Araujo desenvolve uma espécie de obra aberta: mantém atualizado blog em www.almanaquedasdrogas.com, com notícias e posts. Um deles, por exemplo, convidava a votar na enquete promovida pelo Congresso Nacional a respeito da descriminalização das drogas. Notas informam sobre leis e experiências adotadas por outros países.

Ex-repórter da Folha de S. Paulo e colaborador de várias revistas, como a Superinteressante e a Galileu (da qual é editor), o autor não se acanha em contestar matéria de capa da Veja sobre a maconha. Pode-se discordar dele, mas é ponto pacífico: o homem tem argumento. Não joga conversa fora. Honra seu ofício, injetando bom senso onde mitos e histeria costumam se transformar em “fatos”.

ALMANAQUE DAS DROGAS
• De Tarso Araujo
• Leya, 382 páginas, R$ 89,90

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