A Ásia tem um terço das terras continentais do planeta e três quintos de sua população de mais de 7 bilhões de pessoas. Há grandes diferenças climáticas, ambientais e culturais entre a Ásia central, o extremo Oriente, a Indochina, o Oriente Médio, a Sibéria, o subcontinente indiano, o Sudeste da Ásia.
Muitos países asiáticos atuais foram colonizados pelo Ocidente depois das grandes navegações e só vieram a tornarem-se independentes no século 20, após conflitos e tensões. A Segunda Guerra Mundial trouxe a bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki; a aplicação da não violência e dos princípios da Vedanta à luta política, por Gandhi levou à independência da Índia em 1947; ocorreram a revolução comunista de 1949 na China e as guerras da Coreia e do Vietnã. Atualmente ocorre a ascensão econômica da China e da Coreia; há conflitos no Oriente Médio, na Síria, em países árabes, no Iraque, no Irã, no Afeganistão, bem como tensões entre China e Japão, entre Índia e Paquistão.
Cada sociedade asiática desenvolveu valores e princípios próprios. Algumas foram expansionistas, como o Japão; para manter um padrão de qualidade interna razoável, precisaram recorrer à força militar ou econômica. Apropriam-se dos recursos comuns dos mares (baleias, golfinhos) e de outros países (florestas na Indonésia, por exemplo) para suprir suas demandas. Outras nunca foram expansionistas e desenvolveram formas de viver com o mínimo de pegada ecológica (Índia, por exemplo).
No presente, premidos pelo crescimento da população e das aspirações de consumo material, os países asiáticos veem esgotar-se alguns de seus recursos mais valiosos (água e terras agricultáveis na China e na Índia) e constroem infraestruturas para suprir suas demandas de energia (a energia nuclear no Japão está em crise depois do desastre de Fukushima); hidrelétricas na China e na Índia. Há tensão e estresse, pois alguns deles dependem de importar recursos naturais (alimentos, minérios, insumos para a produção) de países da América Latina e da África (a China, por exemplo, arrenda fazendas na África para produzir os alimentos que importa).
No século 21, o eixo econômico do planeta desloca-se do Atlântico para o Pacífico e o que ocorrer na Ásia terá repercussões no planeta como um todo.
Na Ásia se vivencia em muitos lugares a convivência entre a tradição e a modernidade. Adaptações sucessivas viabilizaram a sustentação daquelas antigas civilizações. No campo das tradições espirituais, na Ásia surgiram o confucionismo e o taoísmo; o ioga, o hinduísmo, o jainismo, o sikhismo, o budismo, o budismo tibetano, o zen-budismo e o xintoísmo, o islã, o judaísmo, o cristianismo, o zoroastrismo farsi monoteísta, o sufismo, os bahá’i. O cristianismo expandiu-se do Oriente Médio para a Europa e daí para as Américas, a África e a Oceania. Foi do Tibete que os lamas se espalharam pelo mundo, difundindo o budismo, a partir da invasão daquele país pela China.
As tradições espirituais originárias da Ásia expressam as quatro formas de relacionamento com Deus: o monoteísmo, o politeísmo, o panteísmo, o ateísmo. Em religiões politeístas ou panteístas os próprios deuses assumem fisionomia e aspectos animais: no hinduísmo, Ganesh, homem e elefante; Nandi, o boi sagrado de Shiva; Hanumam, o macaco; a serpente Subramanian, o pavão. A sacralização dos animais e a prática da não violência, ou ahimsa, refletem um tipo de relação homem- natureza, tradicional no Oriente. As tradições espirituais que creem na reencarnação, em geral, valorizam o ambiente natural – ambiente que, nas próximas encarnações, será palco da vida e que precisa, portanto, ser preservado, ainda que por autointeresse. Essa crença tem efeitos ambientais positivos e ajuda a preservar o ambiente onde serão vividas as vidas futuras. A crença na reencarnação e nos grandes ciclos, ou yugas, que se repetem, remete a uma macrovisão da vida.
Gaia e ecologia Religiões são fatos antropológicos que mobilizam intensa energia individual e social e que modelam comportamentos. Mas existem dúvidas sobre a sua capacidade de contribuírem positivamente no atual cenário de crise ecológica global. Assim, por exemplo, no seu livro A vingança de Gaia, James Lovelock alerta: “Os fundadores das grandes religiões do judaísmo, cristianismo, islamismo, hinduísmo e budismo viveram em épocas quando éramos bem menos numerosos e vivíamos de um modo que não sobrecarregava a Terra. Nossas religiões ainda não nos deram as regras e orientações para o nosso relacionamento com Gaia. O conceito humanista de desenvolvimento sustentável e o conceito cristão de direção são maculados por uma arrogância inconsciente”. Ele manifesta uma expectativa: “Meu desejo há muito tempo é que as religiões e os humanistas seculares se voltem para o conceito de Gaia e reconheçam que os direitos e necessidades humanos não são suficientes. Os religiosos poderiam aceitar a Terra como parte da criação de Deus, protegendo-a da profanação”.
Na mesma linha, Thomas Berry, autor de The great work, manifesta uma expectativa em relação às religiões: “A educação e a religião, especialmente, deveriam despertar nos jovens uma consciência do mundo no qual eles vivem, como ele funciona, como o humano se encaixa na comunidade mais ampla da vida, o papel que os humanos preenchem na grande história do universo, e a consequência histórica dos desenvolvimentos que moldaram nossa paisagem cultural e física”.
No passado, na Ásia se desenvolveram civilizações e tradições diversificadas, que têm um lastro de conhecimentos e de aprendizagem sobre a relação com a natureza e a terra. Esses conhecimentos podem ser valiosos no mundo do século 21 em busca de sustentabilidade. Do passado das civilizações asiáticas podem-se extrair inspirações e sabedoria utilizável na nova civilização planetária do século 21. A ecocivilização depende de mudança de padrões de consumo material para que se reduza a pressão sobre os recursos da natureza e a destruição ambiental. Para transformar esses padrões, é essencial a revisão de valores sobre os quais se assentam as noções básicas de felicidade e sucesso que impulsionam a ação individual e coletiva.
Em vários dos 49 países asiáticos há exemplos positivos e inspirações sobre o que fazer neste momento de crise ecológica. Da Índia vêm conceitos da cosmovisão da Vedanta e práticas ecologicamente amigáveis adotadas; do Japão, a sábia relação da população com a água, a floresta e o território; cosmovisões chinesas, como o taoísmo, têm forte consciência ecológica; o indicador de felicidade e bem-estar vem sendo desenvolvido no Butão; a tradição budista prevalente no Nepal tem forte componente ecológico. Há outras manifestações relevantes, a exemplo da tradição dos sufis na Pérsia, da tradição bahá’i com sua visão mundialista, e da tradição de ecologia radical jainista.
O Brasil e as civilizações asiáticas A civilização brasileira, por suas peculiaridades e identidade, é um mundo diferenciado na América Latina e pode ser considerada como uma das civilizações mundiais em florescimento. A civilização brasileira não tem relações conflituosas com nenhuma das demais. Cadinho cultural, com forte miscigenação, o Brasil tem um lugar no mundo que lhe dá a liberdade e o potencial de relacionar-se positiva e cooperativamente com as demais civilizações.
O Brasil já recebeu migrantes de vários países asiáticos, tais como a China, o Japão, a Coreia, a Síria, o Líbano. Há afinidades ecológicas e climáticas do Brasil com vários países tropicais da Ásia e essas semelhanças podem sugerir modos de relação com a natureza e de apropriação de seus recursos de modo ecologicamente amigável, como souberam fazer diversas das sociedades asiáticas.
No Brasil, existe um déficit no conhecimento, no investimento intelectual, científico, tecnológico, cultural e no intercâmbio com cada uma daquelas sociedades. Recentemente, ele vem sendo suprido por meio da intensificação das relações entre os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), os Basics (Brasil, África do Sul, Índia) e a cooperação Sul-Sul. Esses fóruns abrem novas perspectivas de intercâmbio e de cooperação. Além disso, para além das iniciativas formais e governamentais, cidadãos brasileiros tem se motivado voluntariamente para viverem, estudarem e visitarem os países asiáticos, o que é fundamental para que o intercâmbio necessário se realize.
Maurício Andrés é autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia para a civilização sustentável.
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