'Poesia (im)popular brasileira' reúne uma seleção de poetas

De Pagu a Torquato Neto, Julio Mendonça reúne em antologia trabalhos de poetas que desafiaram a literatura convencional

por 18/05/2013 00:13
André di Bernardi Batista Mendes


Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Maria Tereza Correia/EM/D.A Press (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Organizada pelo poeta e doutor em comunicação e semiótica Julio Mendonça, o livro Poesia (im)popular brasileira reúne uma seleção de escritores, reúne um rol de poetas “estranhos”, reúne um conjunto de artistas, de escritores “indigestos”, difíceis de apreender ou de assimilar. Como ressaltou Julio na introdução: “Toda literatura – de qualquer país ou comunidade linguística do mundo – tem seus autores deslocados, não canônicos (como se diz no jargão literário). Deslocamento autoconsciente (programático), decorrente de opções estéticas, temáticas, ou por razões geopolíticas. Este livro reúne uma seleção de poemas importantes de alguns poetas brasileiros do passado e do presente que tiveram ou têm sua poesia marcada por algum dos modos de deslocamento apontados acima. Produções poéticas singulares, insubmissas, difíceis de classificar e pouco afeitas aos padrões vigentes na época de sua criação”.


Fazem parte desta lista Aldo Fortes, Edgard Braga, Gregório de Matos, Joaquim Cardozo, Max Martins, Omar Khouri, Pagu, Qorpo Sant, Sapateiro Silva, Sebastião Nunes, Sebastião Uchoa Leite, Sousândrade, Stela do Patrocínio e Torquato Neto. E os textos ganham em estatura e sabor: cada um dos poetas é apresentado por um escritor convidado, que selecionou uma pequena antologia de poemas. Os autores são Omar Khouri (Aldo Fortes), Reynaldo Damázio (Edgard Braga), Carlos Felipe Moisés (Gregório de Matos), Manoel Ricardo de Lima (Joaquim Cardozo), Tarso de Melo (Max Martins), Julio Mendonça (Omar Khouri e Qorpo-Santo), Carolina Serra-Azul (Pagu), Júlia Studart (Sapateiro Silva), Fabrício Marques (Sebastião Nunes), Renan Nuernberger (Sebastião Uchoa Leite), Guilherme Gontijo Flores (Sousândrade), Carlos Augusto de Lima (Stela do Patrocínio) e Paulo Ferraz (Torquato Neto).


A palavra acerbo (que é irmã de acerto?) serve para designar, serve bem para definir o teor de cada texto. É simples, pode ser popular, mas passa longe do elementar. Diferentes, cada texto, cada poeta, do seu jeito, é refinado ao extremo. Como adivinhou o poeta mineiro Sebastião Nunes: a verdadeira poesia – como a arte – surge porque a poesia nasce quando “os deuses desolados fecham a porta”. Poesia é um atropelo feito de fogo: “Cadê o futuro que estava aqui? Fodeu-se”. Sem mais.


Deslocados, como uma tropa de bêbados, todos os poetas do livro deram de inventar algum tipo de fuga. Cada poema é um tombo, um cair derramado. Cada poeta tentou, do seu modo, arejar, sacudir o marasmo cultural de nossa época, o marasmo de qualquer aldeia. Tudo que é macambúzio, taciturno, tudo que nubla é propício. Propício a mais de um tom cinza de silêncios. O melhor antídoto para o ríspido, para o cinismo, é o humor, presente em todos os textos do livro. Experimentar é o mesmo que brincar, é colocar a mão num vespeiro de delícias. Tudo é vivo e evidente, tudo é vivência. Cada poeta, assim, mostra (monta) sua face com palavras distraídas.


Todo poeta não tem estação. Como adivinhou Sebastião Uchoa Leite: é que "algumas coisas têm linha desigual". É que "o xadrez é a lógica/as cores/são a antilógica". A desigualdade pode ser fascinante. Em cada texto, em cada poema, mora um tipo de agressividade (desprovida de espinhos), um tapa que dispensa a presença do rosto, uma espécie de sombra que recusa o breu. Pode não parecer, mas é amor.


Poesia é chegar chegando para dizer de um instante que sintetiza. Estes poetas impróprios aproveitam para gritar, cuspir, escarrar, eles aproveitam para problematizar o contexto, qualquer contexto. Sem mais, estes poetas descrevem, contrariando e contrariados, eles viajam para o cerne dos contrários. A mira desajustada mais acerta quanto mais faz desandar o fluxo do vento favorável. Certos poetas descobrem pedras, durezas que nada significariam, não fosse a poesia.


Como adivinhou Torquato Neto: “Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelos menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada no bolso e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso”.


Certos artistas produziram versos improdutivos. Malogro, desdita, dano, baldo são palavras quase gregas, de um outro naipe, de cordas que muito desafinam. Poesia é isto: ela garante o necessário para itinerários. Não cabe recurso; para cada poema uma sentença de vida.


POESIA (IM) POPULAR BRASILEIRA
Organização Julio Mendonça
Editora Lamparina Luminosa, 304 páginas, R$ 25


Três perguntas para...
SEBASTIÃO NUNES
POETA

1) Você reúne num mesmo espaço, em sua poesia, o texto tradicional, fotografias, ilustrações, colagens, etc. Como funciona este caldeirão de ideias?
Sempre gostei de fotografia, desenho, pintura e literatura. Nunca consegui separar uma da outra, de modo que certo dia, num estalo, percebi que a única maneira de sair da sinuca era juntar tudo. Foi o que fiz desde então, inventando minha própria maneira de criar, que não é apenas poesia, mas também artes gráficas. É claro que, para assumir tal postura, tive de abandonar qualquer veleidade de sucesso, já que experimentação não dá camisa a ninguém. Depois, ao longo dos anos, descobri que tinha parceiros de alto nível, aqui mesmo no Brasil: Glauco Mattoso, Valêncio Xavier, Omar Khouri e o que é certamente o maior de nós todos: Millôr Fernandes. Sem contar muita gente boa lá fora, todos um tanto marginalizados.

2) Você chegou a decretar o fim de sua produção poética e passou a considerar-se um “ex-poeta”. É possível resistir às tentações da inspiração?

Não acredito em inspiração, como Drummond nunca acreditou. Rimbaud produziu poesia durante três, quatro anos. Eu o fiz durante 20 longos, tensos e confusos anos, divertindo-me em sacanear a poesia bem posta, a literatura de grupinhos e a briga feroz pelo primeiro lugar nas listas dos mais vendidos. Quando abandonei a poesia, ao publicar o segundo e último volume da Antologia mamaluca, passei a escrever (e a diagramar) apenas prosa satírica.

3) A pergunta não é original. Existe espaço para a utopia no mundo moderno?

A utopia está mais viva do que nunca. Ela faz parte do genoma humano, de modo que é tão imortal quanto nós. É a utopia que faz as revoluções, em todas as áreas. Costuma-se dizer que todos os jovens são poetas e aventureiros apenas enquanto jovens. Mas essa afirmação falseia bastante a realidade. Aqueles que não têm força intelectual (e que constituem 95% da humanidade) não aguentam o tranco e desistem logo. Um revolucionário é posto à prova durante décadas de esforço contínuo, às vezes 20, 30, 50 anos. Sem tocar nos mortos, lembro facilmente alguns dos vivos, dois deles brasileiros: Nelson Mandela e Antonio Candido (94 anos), Fidel Castro (86), Noam Chomsky (84) e Lula (67). Um revolucionário utópico não se revela sempre pelo que fez, mas também pelo que sonhou e continua a sonhar, pela lição de vida e de rebeldia aos padrões comuns do comportamento de carneiros, que é o de quase toda a humanidade.

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