Em novo livro, Fernando Trías de Bes usa clima gótico para falar de mistério e paixão

No centro da história um conjunto de infelicidades se intercalam de acordo com os personagens

por João Paulo 11/05/2013 00:13
Há quem diga que o livro de papel e tinta está com os dias contados, vítima do ataque incontornável da tecnologia. Enquanto o futuro não se instala, o homem vai se virando com os livros que lhe caem nas mãos. A história narrada em Tinta, romance do espanhol Fernando Trías de Bes, é filha deste  objeto criado pelo homem para dar eternidade à memória. A história se passa nos primeiros anos do século 20, na Mongúcia, Alemanha, e tem todos os ingredientes de uma narrativa gótica: mistério, traições, homens enlouquecidos, erotismo perverso, segredos não revelados e morte.

No centro da história, um conjunto de infelicidades, que muda de acento de acordo com os diferentes personagens da trama. O elemento de ligação entre os atores é um livro, que vai sendo composto ao longo da narrativa. A história é aparentemente simples, encadeada por uma estrutura que tem como etapas os passos de criação de um livro: a escrita, a revisão, a impressão, a edição, a leitura. Em cada um desses momentos, surgem os elementos de que é feito materialmente o objeto livro: papel, tinta, tipos. Há algo que lembra O perfume, de Patrick Süskind, mas com menos erudição.

A trama: um livreiro, traído pela mulher, é desafiado por ela a decifrar o motivo do desatino que a leva a se entregar a um estranho. Logo o homem fica conhecendo um matemático, que também sofre uma infelicidade ligada à mulher, que depois de se prender à busca de uma equação que resolvesse seus dilemas resolve trocar os números pelas letras. Com amplo acesso à livraria do novo amigo, ele decide compor uma obra que tenha em seu interior a decifração dos mistérios da infelicidade humana. Logo o processo se amplia, é necessário contratar um impressor, um revisor e um editor. Cada um, com sua arte e sofrimento, incorpora novas dificuldades para dar cabo da tarefa de fazer o livro perfeito.

Ao empenho em descobrir o motivo da dor de cada um dos dedicados construtores do livro se soma a tarefa impossível de produzir um objeto que seja impresso com uma tinta tão sutil que se evapore à primeira leitura. A loucura dos personagens, marcada pelo registro próprio de seu sofrimento, vai sendo acrescida do tormento do outro, para dar conta de criar o livro dos livros, que leva o nome de Tinta. A lógica circular faz avançar a narrativa até a consumação final.

Fernando Trías de Bes é hábil na composição do romance, define bem os personagens, intercala momentos em primeira pessoa com a terceira, apresenta outras vozes e mantém o mistério ao longo da trama. Enxuto e intenso, Tinta é um livro sobre a paixão e os livros. Enquanto não acabam com eles.

TINTA
• De Fernando Trías de Bes, tradução de Cristina Antunes
• Editora Autêntica
• 136 páginas, R$ 35

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