O diferencial se dá na maneira como toca, mas também na postura artística. Descontada a absoluta tranquilidade como toca o piano, independentemente da complexidade da obra, Valentina fala com desenvoltura dos mestres eruditos na mesma medida em que recorre ao exemplo dos Beatles para descrever o que é clássico. “Música clássica não é difícil. Não é elitista. É somente sobre nós mesmos”, explica. E tem mais: a cada novo concerto lá está ela no YouTube explicando o que vai fazer e também dando uma pequena amostra. Já virou rotina.
Só na plataforma de vídeos da internet tem 84.302 inscritos. No Facebook são outros 31 mil seguidores. Este é um dos diferenciais da artista. Sem refutar a paixão pela música feita há 300 anos, ela abusa das plataformas on-line para dizer ao mundo que a música clássica não deveria ser posta em um pedestal. Pelo contrário. “É clássico porque interessa a todos. Não é só porque foi feito há séculos”, diz.
Valentina Lisitsa torce o nariz quando lembra o quão conservador ainda é o ambiente que costuma frequentar. Mesmo assim, ela joga o jogo. A cada concerto, veste seu longo e mantém a tradição. Mas ao contrário de muitos colegas, quando está afastada dos holofotes dos palcos, a atuação que tem na internet demonstra como está disposta a contribuir para, pelo menos, transformar a tradição. Para a pianista, falar com o público de hoje não é muito diferente da época de Franz Schubert. “A linguagem que usamos é a mesma”, defende.
Expressão Desde que começou a tocar, Valentina diz ter tido muito clara a ideia de que se tratava de uma forma de expressão como qualquer outra. “Sempre quis compartilhar com as pessoas porque amo a música. Você pode dizer tantas coisas por meio dela. Coisas que você tem vergonha ou medo de dizer. Você pode expressar amor e ódio”, diz. O primeiro contato com o piano foi aos 3 anos. Aos 4, realizou o primeiro recital solo.
Passou pelo Conservatório de Kiev, onde conheceu o marido Alexei Kuznetsoff, também pianista. Juntos conquistaram vários prêmios, como a competição a duas mãos da Fundação Murray Dranoff. Em paralelo, Lisitsa se apresentou com orquestras do mundo todo, entre elas a Orquestra de Câmara de Praga e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp).
Nos estúdios, gravou oito álbuns para a Audiofon Record Company e um DVD com os '24 estudos' de Chopin. Temas de Schubert e Liszt também foram registrados em vídeo, assim como a gravação de obras-primas de Ravel e Liszt.
Ainda que lá no início sonhasse ser jogadora de xadrez, o currículo mostra que pouco a pouco foi conquistada pela música e assim assumiu a missão de compartilhar emoções. “De que vale a música se não tiver alguém para ouvir? Não tem graça tocar para você mesmo. O mágico é a forma como dividimos uma experiência”, avalia. Sendo assim, ela radicaliza seus propósitos na medida em que explora as plataformas digitais.
Valentina Lisitsa está segura de que a palavra de ordem para lidar com a audiência de hoje é interação. Para ela, uma das grandes balelas do senso comum é dizer que a música clássica está morrendo porque só os velhos escutam. “Isso não é verdade, hoje em dia, com toda tecnologia existente, as pessoas escutam música de uma maneira como jamais ouviram”, assegura.
O desafio, enfatiza, está no modo como a produção clássica se transforma. Pela análise de Valentina, parte significativa da criação contemporânea tem sido absorvida pelo cinema. “Uma coisa que sempre foi importante para as pessoas é a melodia. Algo que você pode reconhecer instantaneamente. É o que marca as músicas mais conhecidas e normalmente esses momentos são muito simples. Acho que essa simplicidade está migrando para os filmes”, propõe. Ela, no entanto, em seu repertório de concertos e discos, tem preferido se dedicar aos compositores que já estão na história.
Rede erudita
O canal de Valentina Lisitsa no YouTube é considerado um dos mais populares entre os vídeos dedicados à música clássica. Além de trechos de apresentações, a artista também usa o espaço para divulgar mais sobre os compositores que interpreta e até brinca com eles. Em 1º de abril, por exemplo, em meio ao lançamento da série de CDs dedicados a Rachmaninoff, ela publicou um vídeo batizado “Eu odeio Rachmaninoff”. Óbvio que era um chiste com o dia da mentira. Desde que foi criado, o canal contabiliza mais de 30 milhões de visualizações.
Principais álbuns
» 1997 – Virtuosa Valentina!
» 2008 – Valentina
» 2011 – Charles Ives: four sonatas
» 2011 – Permit me voyage
» 2012 – Live at the Royal Albert Hall
» 2012 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 2
» 2012 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 3
» 2013 – Rachmaninoff: Paganini rhapsody
» 2013 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 1
» 2013 – Rachmaninoff: The piano concertos
» 2013 – Rachmaninoff: Moments musicaux
» 2013 – Piano recital: Valentina Lisitsa
» 2013 – Rachmaninoff: Piano concerto nº 4