Galpão Cine Horto completa 15 anos incentivando as discussões e projetos criativos em torno do teatro contemporâneo no Brasil

Jovens grupos nasceram ou se consolidaram como desdobramento de experiências vividas no Cine Horto

por 27/04/2013 00:13
Guto Muiniz/Divulgação
(foto: Guto Muiniz/Divulgação)
Soraya Belusi

Em 1982, a passagem de uma dupla de diretores alemães por Belo Horizonte marcaria para sempre a vida de cinco atores. Mas não atingiria diretamente apenas a eles. Este encontro inaugural serviria também de referência para um projeto posterior, muito maior, pautado no trabalho coletivo, na pesquisa e na experimentação cênica. Foi sobre esses pilares que se iniciou a trajetória do Grupo Galpão e que, há 15 anos, norteou também as colunas fundamentais do Cine Horto, uma extensão pedagógica da prática da trupe.

Mas o Galpão nunca teve como proposta replicar um modelo “que deu certo”. Sabe que seu percurso é único na cena teatral brasileira, mas também tem consciência do impacto das mais diversificadas colaborações artísticas que integrou ao seu trabalho ao longo de três décadas. O Cine Horto traz implícito em suas origens esse mesmo espírito, a crença no poder transformador do encontro, ideia que serve ao mesmo tempo de princípio para o próprio fazer teatral à medida que é diante (e com) do outro o que esta arte se realiza.

São 15 anos de Galpão Cine Horto e incontáveis experiências bem-sucedidas, outras nem tanto, o que também faz parte do aprendizado. Os números, por mais impressionantes e significativos que possam ser (mais de 150 mil espectadores e mais de 100 edições de projetos variados), dão conta apenas de uma visão quantitativa sobre a atuação do Cine Horto e sua relação com a cidade. E não é neste lugar que residem as principais competências desse polo multiplicador.

Em sua página na internet, o Cine Horto divulga aquelas que seriam suas “missões”. A primeira delas, segundo o site, é “desenvolver, de forma continuada, ações de fomento, formação, pesquisa, criação, compartilhamento de conhecimento e difusão teatral”. Ao longo desses 15 anos, o Cine Horto atuou de maneira ininterrupta. Poucos foram os projetos que, por falta ou de incentivo financeiro ou demanda, tenham sido abandonados ao longo do caminho.

E a quantidade e relevância dos diferentes criadores e pesquisadores que cruzaram sua história com a do Cine Horto garantiram um fluxo permanente de troca de conhecimento, por meio de residências (como o Cena 3x4); de oficinas, como as de dramaturgia e direção; conversas; palestras e bate-papos, como no Sabadão; mostras de repertório, como as que acontecem no Galpão Convida; de fomento à criação, tanto voltado para o trabalho do ator, como, no Oficinão, quanto focando a linguagem, caso do Festival de Cenas Curtas; e do acesso mais democrático ao teatro, como o Pé na Rua.

Teria ainda que considerar, ao falar da atuação exercida pelo centro cultural, a área sociopedagógica, de pesquisa e memória (CPMT), e, ainda em fase de implantação, a central de serviços, em que a equipe do Cine Horto pretende prestar uma assessoria em gestão para outros grupos e espaços culturais.

Pensar e fazer Se nos ativermos apenas aos projetos na área do fomento à criação – uma fatia considerável da atuação do Cine Horto –, é possível constatar um dado interessante. Durante todos esses anos, o Cine Horto sempre esteve na dianteira das discussões e proposições acerca do teatro contemporâneo em Belo Horizonte. Atentos com as questões que vinham (e continuam) tendo dimensão relevante na cena teatral, seus gestores introduziram artistas e público a um ambiente propício para se investigar outras formas de pensar, de fazer e de fruir teatro.

Tomemos o Cena 3X4 como exemplo, um dos projetos que mais reverberou na forma como vemos o fazer teatral hoje em BH (junto, é claro, com ações realizadas por outros eventos e espaços, entre os mais significativos o FIT-BH e o Ecum). Termos, jargões e práticas que até então não faziam parte da agenda teatral mineira, hoje habitam cotidianamente o linguajar de jovens criadores. Este projeto reunia o dramaturgo Luis Alberto de Abreu e o diretor Antonio Araújo como supervisores do “processo colaborativo” que foi experimentado por algumas companhias locais, entre elas, a Cia. Luna Lunera, Teatro Invertido e Maldita Cia. de Teatro.

Essa experiência na forma de fazer, na organização do processo criativo em grupo, marcaria para sempre os trabalhos desses coletivos. O mesmo pode-se dizer da oficina de dramaturgia, ministrada pelo mesmo Luis Alberto de Abreu, que também foi uma das responsáveis por reforçar ainda mais na cidade a ideia da construção de uma dramaturgia própria, em processo, contemporânea, também criada com a participação do ator-criador, noção que faz parte do cotidiano artístico da grande maioria dos jovens grupos belo-horizontinos.

Aliás, muitos desses jovens grupos nasceram ou se consolidaram como desdobramento de experiências vividas no próprio Cine Horto. Além das já citadas Luna Lunera e Maldita, outro projeto seria determinante nesse sentido: o Festival de Cenas Curtas, no qual foi apresentado pela primeira vez a cena Por Elise, do Grupo Espanca!, posteriormente transformada em espetáculo e se tornou um dos maiores sucessos da última década. Esse “milagre do teatro” continua a ser perseguido por dezenas de outros jovens que, a cada ano, inscrevem seus projetos de esquetes de 15 minutos a fim de investigar a linguagem teatral em suas nuances.

Milagres não acontecem todo dia, diriam os mais realistas. E tendo a concordar. Mas a multiplicação, esta sim, é possível de ser feita, haja vista a quantidade de coletivos que hoje estão sólidos e com relevância no mercado: só para citar mais alguns, que, de uma forma ou de outra se relacionam com esse evento, Primeira Campainha, Cinco Cabeças, Quatroloscinco – Teatro do Comum, Preqaria Cia. de Teatro, dentre outras.

Outro fato curioso, mas que me parece ser também reflexo da convivência propiciada por essas experiências, é a troca e o diálogo constante entre esses grupos, com muitos deles compartilhando seus profissionais, que trafegam de uma criação para a outra, criando um trânsito potencialmente rico de informações.

Ampliação O volume de produção realizada nesse período não “cabe” mais no Cine Horto. Em algum tempo, talvez não tão longo assim, ele terá uma nova casa e, assim se espera, poderá ampliar ainda mais suas ações. Um desafio que se coloca é conseguir que essa produção – cada vez mais volumosa, mas nem por isso mais instigante em suas propostas – mantenha-se com a capacidade de extrapolar suas paredes e de ganhar autonomia artística e, não menos importante, financeira.

Nos últimos anos, de maneira mais direta, o Cine Horto passou também a promover a cena local fora de nossas fronteiras. Se antes cabia ao espaço trazer o teatro que estava sendo feito e pensado no Brasil para BH, agora, atua também na outra via, gerando visibilidade às nossas produções em eventos de alcance nacional, como o Festival de Curitiba.

Olhar retrospectivamente para os desdobramentos das ações promovidas pelo espaço permite-nos constatar que estes formam juntos um painel que pode ser enxergado como uma síntese da principais “tendências” do que está sendo feito e pensado na linguagem teatral na contemporaneidade. E isto não é pouco e, a priori, nem estava nos “objetivos conscientes” quando o espaço foi criado. Mas, assim como os encontros que vem promovendo ao longo desses tempos, o Cine Horto parece também viver um momento de transformação; e não digo isso apenas pela simbologia dos 15 anos. Até porque reinventar-se sempre foi uma das formas de sobrevivência e de afirmação do teatro.

* Soraya Belusi é jornalista, crítica e pesquisadora de teatro.

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