Fora do convencional

Áreas ligadas à tecnologia e comunicação têm mais espaço para um currículo que foge do formato tradicional, enquanto em setores tradicionais essa abertura é menor

08/05/2018 11:00
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Mercados criativos, como os de comunicação, tecnologia, publicidade, design e jogos, tendem a ter mais abertura para currículos que fogem do convencional, de acordo com especialistas. Porém, é preciso ter cuidado para não generalizar e pecar pelo excesso mesmo nesses ramos. Designer de games e programador, Gustavo Guterres, de 26 anos, conseguiu encontrar um meio-termo. Durante muito tempo, apostou em formatos tradicionais na hora de se candidatar a processos seletivos. Ele resolveu inovar quando criou um modelo simples, mas cheio de referências visuais a projetos desenvolvidos anteriormente: uma mistura de portfólio e currículo, no formato horizontal ou paisagem. Ali, o profissional apresenta quem é, qual nível de conhecimento tem na área e o que desenvolveu.


O jovem, que se identifica no currículo como alguém que adora dar ideias, sugestões e fazer piadas, aproveitou para ilustrar no documento o Planta Vida e o Chronolink DX, jogos desenvolvidos por ele. “Acho que isso deixa o currículo mais humano, mostra meu interesse e como eu sempre quis trabalhar com jogos”, conta.


A ideia ganhou forma, com ajuda da irmã, quando ele tentou uma oportunidade na empresa de desenvolvimento de jogos Glitch Factory, que exigia portfólio dos candidatos. Na época, a vaga já havia sido preenchida, mas o currículo ficou e se tornou o xodó do profissional, pronto para ser usado em novas oportunidades. Hoje, Gustavo é vice-presidente de tecnologia da informação da empresa de arquitetura A+55, onde trabalha desde 2016, e programador na Give me Five desde 2014.

 

Identificação de valores

 

Segundo recrutadores, em setores mais conservadores, como direito e contabilidade, os currículos tradicionais são os mais comuns e funcionam bem. Raquel Santana, de 24 anos, é a mais nova advogada da unidade de Brasília do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, empresa original do Rio de Janeiro que se define como empenhada na defesa dos direitos dos cidadãos. Recém-formada em direito, ela apostou num formato clássico, mas fez questão de destacar informações que extrapolam o perfil profissional. “Além de candidata, sou uma pessoa que ocupa um espaço na sociedade. A forma como me vejo no mundo e o que eu represento importam”, declara. Entre as quatro páginas do documento, a jovem citou artigos publicados, projetos e eventos organizados.


A certificação como “jovem transformadora”, concedida pela Fundação Estudar, não ficou de fora. Mestranda em direito pela Universidade de Brasília (UnB), Raquel aproveitou para elencar também um curso de línguas feito na França, oportunizado por meio de uma bolsa concedida pelo programa Brasília sem Fronteiras.


A estratégia deu certo. Monya Tavares, sócia-diretora e coordenadora do escritório, responsável pelo processo seletivo, conta que, por meio das informações adicionais no currículo de Raquel, foi possível perceber a afinidade da candidata com os valores da empresa. “Ela preenchia todas as competências que procurávamos. Já no currículo visualizávamos que ela tinha uma linha ideológica muito parecida com a do escritório”, relembra. A identificação foi mútua, pois essa foi a primeira empresa em que Raquel sentiu segurança para ir à entrevista de cabelos soltos (ela tem um corte estilo black power).
“Já trabalhei em instituições com as quais não me identificava ideologicamente, mas, com essa, me senti à vontade para me mostrar como sou. Nos demais processos, quando chegava a hora da entrevista, prendia o cabelo com bastante creme ou fazia escova”, comenta Raquel, que percebeu esse caráter da firma por meio das várias fases do processo seletivo, que envolvem análise curricular, provas de texto e conhecimentos específicos e teste psicológico.


“O candidato também precisa conhecer a empresa para ver se é aquilo que ele quer no momento. Não adianta a pessoa se encaixar exatamente no que precisamos e depois ela perceber que não é o que está procurando”, observa Monya. A psicóloga organizacional Angélica Guidoni confirma: reconhecer-se na empresa é essencial para o sucesso profissional. “Minha dica é: nunca se programe para caber em uma vaga. A vaga tem que acolher você. Senão, logo vem o desestímulo, a falta de autoestima... Quanto menos a pessoa achar que tem que se encaixar, melhor”, aconselha.


O administrador Rodrigo Henriques acrescenta que o sucesso do profissional depende da identificação com o ambiente. “Tem empresas que oferecem mais ou menos desafios. Tem gente que floresce com falta de recursos e há quem só cresce com recursos sobrando. Não se trata de um julgamento de valor sobre o quão bom você é ou não, mas de colocar a pessoa certa no lugar certo. Em determinada empresa, área e momento, o candidato pode funcionar perfeitamente. Ou não”, declara.

 

Eu, empregador

 

Dono de uma empresa de design, Thiago Ramiro, de 31 anos, acredita que o currículo é “apenas uma ferramenta básica e inicial” na hora de contratar – afinal, há muito mais a ser levado em conta, como a própria entrevista. Mas é possível usá-la como chance de se destacar, demonstrando habilidades e resultados alcançados de modo atrativo. “O currículo sempre vai ser pouco, mas é preciso aproveitar a oportunidade de mostrar quem você é e por que se conecta com aquela empresa. Use o espaço a seu favor e faça mais do que uma linha do tempo para mostrar seus feitos”, recomenda o sócio-fundador da ONI Branding & Design.


Durante seleções, o designer procura profissionais alinhados à proposta da empresa e dispostos a contribuir com a missão de posicionar marcas de forma relevante no mercado. E o currículo pode ser o primeiro indício de que alguém se encaixa ali. Nesse sentido, tanto forma quanto conteúdo importam, já que o brasiliense valoriza habilidades comportamentais e técnicas, que podem ser apresentadas no documento. Chamam a atenção dele perfis de pessoas multidisciplinares e conectadas.
“Temos o caso de uma pessoa que contratamos e, depois, se tornou sócia da empresa justamente pelo traço comportamental que apresentou no processo seletivo. Enquanto outros candidatos mandaram portfólios com muito conteúdo, ela enviou um arquivo que dizia que os projetos memoráveis ainda estavam por vir e seriam feitos na nossa empresa, mostrando que tinha vontade de fazer parte disso aqui. Essa designer foi protagonista e ousada e isso passou uma mensagem muito mais forte do que o projeto gráfico do currículo”, relata Thiago.


Só o documento, porém, é claro, não basta. “Muitas vezes, um bom currículo não reflete um bom profissional. Hoje se contrata muito pelo técnico e demite-se pelo comportamental. E se já na entrada começamos a analisar o aspecto atitudinal?”, indaga. É por isso que, nos processos seletivos da empresa, o gestor pede, além de currículo, envio de portfólio e de um relato em vídeo. Tudo isso para criar filtros extras que ajudam a perceber se o candidato tem características compatíveis com as da empresa, o que Thiago chama de “match cultural e comportamental”.

 

três perguntas para...

Denise Maia
fundadora da Digital Marketing
Solutions (DMS)

 

1 - Qual é a importância e o potencial do LinkedIn?
O poder do site está na riqueza de informações que nenhuma outra rede tem. As pessoas fornecem muitos dados sobre si mesmas. A rede comunica e conecta profissionais, empresas e clientes, como em uma teia. O LinkedIn é o currículo do presente, vários recrutadores não contratam quem não está lá.

2 - O que não pode faltar num perfil?
Primeiro, uma foto de qualidade. Perfis com foto são 21 vezes mais visualizados. Use uma imagem que o apresente como você iria para uma entrevista de emprego. Depois, a segunda coisa mais vista é a titulação do profissional; esse termo precisa demonstrar quem você é no mercado de trabalho, por isso, use uma palavra-chave que vá defini-lo. Também é preciso colocar um resumo que, em poucas palavras, diga quem você é e qual o seu objetivo. Não se esqueça de disponibilizar um contato. De resto, insira tudo que você introduziria no currículo de forma mais detalhada. Esse é um ambiente para se expor, o limite é o bom senso.

3 - Como se destacar dos demais usuários da área?
Procure competências e características que o diferenciam. Use palavras-chave importantes para não cair no lugar-comum dos outros candidatos que apostam em termos generalizados. Fique de olho no que o mercado está pedindo. Também é necessário investir em atualização constante do feed, ao compartilhar, comentar e curtir coisas relevantes. Seja um influenciador na área de atuação.

* Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa

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