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MÚSICA

Saiba como era a carreira dos Barões da Pisadinha antes do sucesso

 Apresentar-se ao vivo para a massiva audiência do Big brother Brasil (o programa é visto por estimados 60 milhões de espectadores) é um privilégio raro para artistas da música em tempos de pandemia, quando os shows com a presença de plateia estão suspensos. 


Para o duo baiano Barões da Pisadinha, primeira atração a se apresentar ao vivo numa festa no programa, há pouco mais de uma semana, esse foi apenas mais um passo na escalada de sucesso que levou Rodrigo e Felipe Barão ao topo das paradas no Brasil e a ter um lugar entre os nomes mais ouvidos da música mundial no momento.



Ao longo dos últimos 11 meses, como se sabe, não foi possível lotar shows e festivais para se ter a medida da popularidade de artistas. Contudo, nos indicadores de consumo virtual de música, Os Barões estão mais para reis. 

No Spotify, o álbum mais ouvido no Brasil na primeira semana de fevereiro é o Novo DVD Barões da Pisadinha – Ao Vivo. Em janeiro, eles emplacaram cinco músicas no Top 200 Global da plataforma. Recairei apareceu em 28º, Basta você me ligar em 50º, enquanto Tá rocheda, Amor da despedida e Ele é ele, eu sou eu figuraram da posição 90 em diante. Contando o YouTube e outros serviços virtuais, são mais de 1,7 bilhão de execuções em vídeos e faixas no total. 



Fora dos ambientes digitais, as letras na voz de Rodrigo, acompanhada pelo teclado de Felipe, também viralizaram pelos bares, rádios e escutas 'off-line' em diversos locais do Brasil. O tempo, que é de crise para tanta gente na indústria fonográfica, foi de muito sucesso para a dupla, que colocou a pisadinha na prateleira dos ritmos mais ouvidos em todo o país, promovendo ainda outros cantores do estilo. 



INÍCIO 


Porém, essa história começou há pelo menos cinco anos, no interior da Bahia, quando a dupla ainda usava os modestos cachês das apresentações locais para pagar o aluguel.

Antes de assumir o atual sobrenome artístico, Felipe Santana e Rodrigo Araújo tocavam na noite, no município de Heliópolis, que tem 13 mil habitantes e fica na divisa com Sergipe, a 329 quilômetros de Salvador. 

Eles integravam um grupo chamado Tops da Balada. Em 2015, decidiram montar um duo próprio, inicialmente chamado Barões do Forró. Contudo, como a proposta era voltada para a versão mais elementar do chamado forró eletrônico, dispondo apenas de voz e teclado, sem a potência de outros instrumentos, o baronato logo se transferiu para a pisadinha, nome dado ao ritmo dançante praticado por tantos artistas do interior nordestino. 



A simplicidade do formato musical é parte da explicação do sucesso grandioso alcançado pela dupla, no entendimento do especialista GG Albuquerque. Fundador e redator do Portal Embrazado, dedicado aos ritmos periféricos, e doutorando em estéticas e culturas da imagem e do som pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele entende que o momento atual da dupla baiana é uma espécie de resposta aos grandes nomes do forró eletrônico, como Xand Avião e sua ex-banda Aviões do Forró, e também Wesley Safadão, que “tinham se voltado para uma produção mais pop, com shows enormes, de custos muito mais elevados”. 
 

CHÃO DE TERRA 


Segundo Albuquerque, “a pisadinha vai pela lógica inversa. É um cara com teclado, cantando no chão de terra com o público dançando e a poeira subindo. Claro que isso se transportou para o mainstream, mas surgiu nesse sentido, como um forró ‘lo-fi’, que traz esse aspecto mais popular, mais caseiro e espontâneo do forró”. 

O pesquisador lembra ainda que a vertente musical já apareceu com sucesso anteriormente, com outro artista baiano chamado Nelson Nascimento, e que a difusão musical pelo interior já era grande, sobretudo pela facilidade de se contratar um show, dado o tamanho diminuto da equipe.



Se a sonoridade mais simples conquistou o público, outros fatores alavancaram os Barrões da Pisadinha para além do nicho nesses quase cinco anos. Um deles foi o jogador de futebol Neymar. Em setembro de 2019, o atacante publicou vídeo no Instagram em que aparecia cantando e dançando a música Tá rocheda, principal hit da dupla. Uma projeção bombástica para quem já crescia sua base de fãs por diversas regiões. 



Em novembro daquele mesmo ano, o duo assinou contrato com a gravadora Sony Music, o que também elevou de vez sua projeção. No começo de 2020, Os Barões lançaram o CD e DVD ao vivo Conquistas, que teve boa parte das faixas entre as mais ouvidas no país nas plataformas digitais. 

GG Albuquerque diz que é difícil precisar com exatidão os fatores responsáveis por tamanho sucesso. Porém, menciona que a simplicidade dos arranjos dialoga “com momentos e anseios do público”. 



CARISMA 


“Acho que tem a ver também com uma consciência histórica, isso bate na porta das pessoas há um tempo, inclusive em São Paulo e em outras regiões do país. E também tem a ver com o carisma e a carreira individual dos artistas. Chegavam a fazer 30 shows por mês, no Brasil inteiro”, aponta. 

Para outro especialista, o sucesso também pode ter a ver com a linguagem utilizada pela dupla. “É preciso entender o contexto em que essa música aparece, inclusive o da pandemia. Cada música tem um contexto histórico social de uma forma. Mas esse tipo de música, por mais que seja diferente dos estilos que lideravam as paradas antes deles, o sertanejo e o funk, tem muito em comum com eles. Há essa coisa hedonista, da música que fala sobre festa, bebida, algo que ajuda a explicar essa continuidade”, afirma Rafael Andrade, pesquisador de fenômenos musicais na comunicação e doutorando em textualidades midiáticas pela UFMG.

Outro aspecto citado por ele é a ligação com as raízes do interior. “Há também algo sobre sair do interior do Nordeste, do chão da vaquejada, e ir para a cidade. Talvez isso remeta a um pensamento sobre uma vida mais simples diante da saturação da cidade”, analisa. Na apresentação feita no BBB21, dia 6/2 último, Os Barões da Pisadinha lançaram um novo single chamado A roça ou a cidade.



Se a batida nada sofisticada do teclado é a marca registrada nas melodias, as letras sobre temas populares também são recorrentes. Recairei, que só no Spotify foi ouvida 135 milhões de vezes, diz na primeira estrofe: “Já tem uma semana que eu 'tô limpo’ de você iê iê, iê iê/ E de olhar os seus stories não sinto saudades / Zero curtidas, zero vontade de te ver/ De beijar sua boca e dormir de conchinha sem roupa/ E fazer um love um love com você”, enquanto refrão repete: “Eu já te superei, certeza eu superei / Mas não manda mensagem outra vez / Senão recairei”.
 

LÍNGUA PORTUGUESA 


Tá rocheda, por sua vez, marcou ainda mais por conta da expressão que dá nome à música. Embora tenha seu apelo regional, o termo é reconhecido pelo Museu da Língua Portuguesa, que em 30 de janeiro último usou seu perfil oficial do Instagram para falar sobre a expressão. 

E a instituição ainda brincou: "Leu a frase e já começou a cantar, não é mesmo?”, ela “é muito falada no Nordeste do país, sobretudo em estados como Ceará e Pernambuco, e quer dizer ‘beleza’, ‘muito bom’, ‘ótimo’”. 



No hit, a expressão é usada com ironia no refrão para se referir a um desacerto amoroso com uma mulher que sumiu em meio a um encontro. 

Se a subida ao estrelato foi rápida, a tendência no momento é que a pisadinha continue na moda. O single divulgado no BBB faz parte de novo projeto audiovisual lançado pela Sony Music, chamado Da roça pra cidade, que incluirá outros candidatos ao sucesso até agosto de 2021. 

O ritmo está em alta não só com eles, que sonham em um dia em tocar juntos com o cantor Roberto Carlos, conforme declararam ao portal GShow. Na esteira da dupla baiana, outros expoentes da pisadinha, ou piseiro, figuram entre os mais ouvidos do momento nas plataformas digitais. É o caso do cearense Tarcísio do Acordeom, que terminou a última semana na liderança da parada Top 50 do Spotify com Esquema preferido, gravada com DJ Ivis.

GG Albuquerque avalia que a pisadinha, em suas variações, ganhou força nas plataformas digitais. “Esse sucesso do Barões pautou essa sonoridade no Sudeste, para um público mais amplo, que consome nesse mercado fonográfico formal”, diz ele. 



O pesquisador lembra que artistas consagrados em outras vertentes começaram a gravar piseiro recentemente, citando Wesley Safadão e Xand Avião, que inclusive lançaram colaborações com Os Barões da Pisadinha e ainda com outros artistas do gênero, como Eric Land e Zé Vaqueiro, também ranqueados entre as 50 mais ouvidas do momento no Spotify.

MISTURA 


No mesmo movimento de popularidade, artistas da pisadinha arriscam lançamentos que incluem misturas com outros ritmos. “Têm surgido vários remix de pisadinha com funk, por exemplo. O forró vive um momento especial, sempre foi muito popular, mas hoje outros nomes vão surgindo em território nacional”, observa Albuquerque.

Para o pesquisador, “a pisadinha reflete como a música periférica se atualiza a todo momento. As novidades musicais vêm de todos os lugares, não só dos grandes centros do Sudeste, mas dos interiores, do sertão nordestino. Tudo isso vai se conectando e fazendo uma grande rede musical. A pisadinha também tem influência do funk. É uma troca reflexiva”.