Fontaines D.C. surpreende em novo álbum e conta ao 'EM' segredo do sucesso da banda

Grupo irlandês surgiu como a renovação do pós-punk e lançou recentemente o disco 'A hero's death'. O guitarrista Carlos O'Connell discute detalhes da produção e fala sobre possível vinda para o Brasil

Guilherme Augusto 03/09/2020 04:00
Vinters-Pooned Ghana/Divulgação
Banda é formada por Grian Chatten (vocal), Carlos O'Connell (guitarra), Conor Curley (guitarra), Conor Deegan III (baixo) e Tom Coll (bateria). (foto: Vinters-Pooned Ghana/Divulgação)
Quando uma banda surge e faz sucesso logo de cara, com o  disco de estreia, a expectativa para o trabalho seguinte cresce exponencialmente. Na tentativa de permanecerem relevantes, algumas tantas caem na chamada “síndrome do segundo disco”, enquanto outras conseguem se reinventar de tal maneira que sustentam o vigor criativo inaugural, como é o caso da irlandesa Fontaines D.C.

Formada em 2017, em Dublin, a banda lançou no ano passado seu disco de estreia, Dogrel (Partisan Records), que conquistou público e crítica. O trabalho figurou em listas de melhores do ano em publicações especializadas, foi indicado a prêmios importantes, como o Mercury, e levou o grupo a uma extensa turnê por Europa e Estados Unidos, incluindo passagens pelos principais festivais de música do Hemisfério Norte.

Foi na estrada que o Fontaines D.C. começou a criar seu segundo disco de estúdio, A hero's death, lançado no último dia de julho passado, pela mesma Partisan Records.

“Muitas das ideias para o segundo álbum nasceram entre um show e outro, já que a gente entrou numa rotina de turnê”, diz o guitarrista Carlos O'Connell, em entrevista ao Estado de Minas via Zoom. “Nós tentamos, de certa forma, manter uma ponte entre os dois álbuns, até mesmo para a banda saber como trabalhar nesse segundo. Quando as músicas começaram a ganhar corpo, avisamos à nossa gravadora que precisaríamos de alguns dias na semana para começar de fato a construir o disco'', conta.  

Sempre que tinham uma folga na agenda de shows, Carlos, Grian Chatten (vocal), Conor Curley (guitarra), Conor Deegan III (baixo) e Tom Coll (bateria) desembarcavam em Dublin e iam direto para um apartamento alugado, com o propósito exclusivo de fazer música.

“Nós precisávamos disso para recarregar as energias. Não poderíamos continuar fazendo os shows se não estivéssemos fazendo isso em paralelo”, afirma.

Para o guitarrista, compor músicas é um propósito de vida, principalmente ao lado dos colegas de banda. “Quando estamos todos juntos, algo mágico acontece. Antes do primeiro disco, passamos alguns anos apenas escrevendo. Muitas dessas canções infelizmente se perderam, porque não entraram em nenhum dos nossos trabalhos.”

Com o grupo baseado em Dublin naquela época, as canções do primeiro disco se referem muito à capital da Irlanda. Em Big, por exemplo, música que fez bastante sucesso antes da chegada de Dogrel, eles descrevem a cidade como uma “grávida de mente católica”. Com os horizontes expandidos, A hero's deathtraz letras sobre temas universais, como o amor, a solidão e a inadequação social.

Em Dogrel, Grian Chatten berra “Dublin” em várias faixas. No novo trabalho, apenas uma vez, em Televised mind. Mas as raízes continuam importantes para eles, que incorporaram a sigla da cidade (D.C. – Dublin City) ao próprio nome da banda.

A capa do novo álbum carrega um grande significado relacionado à cidade: a escultura em bronze The death of Cúchulainn, de Oliver Sheppard, fica exposta no prédio dos correios de Dublin e foi feita como uma homenagem aos 20 anos da Revolta da Páscoa (1916).
 
HEROÍSMO A peça é um símbolo de patriotismo e orgulho irlandês e começou a ganhar forma em 1912, inspirada na obra de célebres escritores irlandeses, como W. B. Yeats, cuja poesia reverencia a mitologia celta. No poema The statues, Yeats aborda a Revolta da Páscoa e sustenta que o líder da ação, Patrick Pearse, teria invocado a presença de Cúchulainn (o herói que se sacrifica pelos seus) ao seu lado na batalha.

Chatten é grande fã de Yeats. O vocalista descobriu a literatura ainda criança, quando seu pai firmou com ele o trato de que só lhe compraria figurinhas de futebol caso Chatten recitasse poemas. O hábito levou-o a desenvolver uma forte conexão com a escrita e a literatura.

Carlos conta que a rapidez com que a banda chegou ao segundo álbum se deve, em parte, ao receio que os músicos têm de, no futuro, não ter tempo para se concentrar na escrita dos discos. 

“Temos medo de entrar numa fase da carreira em que ficaremos ocupados demais com turnês. Isso inevitavelmente acontece com as bandas, então decidimos focar em construir um novo trabalho o quanto antes.”

De certa forma, A hero's death promove exatamente o que seu título enuncia: a morte de um herói. Quando estourou, a banda foi classificada como a salvação do pós-punk, por haver resgatado, de forma criativa, esse gênero já tão explorado. Agora, as músicas dos Fontaines soam mais expandidas, menos classificáveis, mas, ainda assim, com qualidade inquestionável.

GARAGEM “Quando começamos, éramos obcecados com a música de garagem dos anos 1960. Depois, fomos muito influenciados pelo punk, por isso muitas das músicas do primeiro disco são bastante diretas. Depois dessa fase, mergulhamos em músicas mais sombrias. Uma das nossas maiores influências para o novo disco foi a banda The Birthday Party”, conta Carlos.

Liderada por Nick Cave, a banda formada em 1977 durou até 1983 e lançou três discos de estúdio. Sua sonoridade pode ser classificada com rótulos como gótico, art punk e noise rock.

“Com o reconhecimento, fomos classificados como pós-punk, mas até hoje não sabemos o que isso significa, ainda que isso esteja a nosso favor”, diverte-se Carlos.

“Nunca escrevemos do ponto de vista de um gênero, e isso é o que amo em nossa banda. Nós fazemos música independentemente de estilo e gênero. O segundo disco é diferente, e sabíamos que muita gente ficaria decepcionada. Mas, ao fazer isso, nos permitimos continuar a crescer como artistas e músicos. Nós estamos apenas tentando escrever com o coração.”

Mesmo assim, ainda é possível etiquetar A hero's death como um disco pós-punk, pelos riffs de guitarra e as linhas de baixo. Faixas como I don't belongYou said e Oh such a spring soam mais polidas, de fato, mas a melancolia e a introspecção continuam lá.

Em outros momentos, como em Love is the main thing, A lucid dream e Living in America, a bateria de Tom Coll ganha um espaço de destaque. Frenética, ela dá o ritmo de uma narrativa cheia de angústia, ainda que as letras possam até provar o contrário.

É interessante também poder ouvir a voz de Grian Chatten de uma forma diferente, em canções mais melódicas, como as derradeiras Sunny e No.

ROMANCE Mas há espaço para ir direto ao ponto, em I was not born, na já citada Televised mind e na música que dá nome ao disco, cuja letra soa como um recado da banda para si mesma, em frases como “Não fique preso ao passado” e “Quando você falar, seja sincero/ Acredite em mim, amigo, todo mundo vai ouvir”.

Passando a quarentena na casa dos pais, na Espanha, Carlos O'Connell conta que cada membro da banda está em um país diferente na Europa. Ainda que separados, eles já trabalham em novas canções, mas não têm planos de lançar material inédito até o fim do ano. “Um novo disco no ano que vem, quem sabe. Mas isso é uma ambição, não um plano”, diz.

Sobre uma possível vinda da banda ao Brasil, ele afirma que isso depende mais dos produtores locais do que do próprio grupo.“É muito difícil planejar qualquer coisa agora. Anunciamos algumas datas por aqui, mas até as datas dos Estados Unidos estamos segurando, porque é impossível saber o que vai acontecer nos próximos meses. Além disso, fazer uma turnê pela América do Sul é bastante caro. Então, a gente depende de alguns fatores, como o convite de um grande festival. Mas ficamos na torcida para que um dia a gente possa tocar por aí.” 

A HERO'S DEATH
Fontaines D.C.
Partisan Records
Disponível nas plataformas digitais

MAIS SOBRE MUSICA