Nesta sexta, Duelo de MCs troca Viaduto Santa Tereza pelo YouTube

Pandemia muda radicalmente o maior evento de rap realizado no Brasil. Batalha de rimas estreia hoje, às 21h, no canal do coletivo Família de Rua, com 16 artistas de 10 estados

Pedro Galvão 05/06/2020 07:18
Túlio Santos/EM/D.A Press - 25/8/13



Com concorridas batalhas de rimas, o Viaduto Santa Tereza, no Centro de BH, se transformou em celeiro de talentos do rap nacional
Com concorridas batalhas de rimas, o Viaduto Santa Tereza, no Centro de BH, se transformou em celeiro de talentos do rap nacional (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press - 25/8/13 Com concorridas batalhas de rimas, o Viaduto Santa Tereza, no Centro de BH, se transformou em celeiro de talentos do rap nacional )
Há 12 anos, o espaço debaixo do Viaduto Santa Tereza, na Região Central de BH, abriga uma das aglomerações mais representativas da cultura brasileira. Nestes tempos de confinamento social, sem a possibilidade de ocupar seu grande palco – a rua –, o Duelo de MCs vai reverberar suas rimas na internet. Nesta sexta-feira (5), estreia o Duelo de Telas, no YouTube. Apesar da distância física, a proposta é manter a força das mensagens de artistas de várias partes do país neste evento que transformou a capital mineira em destaque da cena do rap nacional.

Dezesseis artistas participarão da batalha de rimas. A primeira etapa começa hoje e se estende pelas duas próximas sextas-feiras. Tradicionalmente, o duelo tem formato semelhante ao de competições esportivas, com eliminatórias sucessivas até se chegar ao campeão. Ou campeã, pois a presença feminina é forte. MCs disputam entre si, com menos de um minuto para rimar, improvisando no ritmo da batida do DJ. A escolha se dá pelos gritos da multidão e o vencedor se classifica para a rodada seguinte, quando enfrentará um novo oponente.

ENQUETE

No Duelo de Tela, os gritos da plateia serão substituídos por uma enquete virtual. A transmissão ao vivo ocorrerá no canal no YouTube do coletivo Família de Rua, que criou e organiza o evento.

Na plataforma digital, o espectador poderá interagir comentando a disputa. Um desafio e tanto para quem se acostumou a batalhar presencialmente, diante de grandes plateias. “Acho mais difícil. Era acostumada a duelar de frente para o outro MC, com uma galera enorme gritando. Quanto mais a galera grita, mais vontade de rimar a gente sente. De frente para a câmera não tem essa emoção, mas o público que acompanhará a gente deve ser ainda maior que o do viaduto. Gente de todo o Brasil vai assistir”, afirma a belo-horizontina MC Colombiana, que participa das batalhas desde 2017. Rimar sozinha pode trazer certo nervosismo até pelo contato com os comentários do público, diz ela.

O brasiliense MC Sid, campeão do Duelo Nacional em 2016, considera a experiência válida. “Claro que não é a mesma coisa. Ver a galera ali gritando faz toda a diferença. Mesmo assim, vai ser um bagulho maneiro, bom para MCs que estão sem batalhar, bom para o público que está vendo apenas batalhas antigas (exibidas no YouTube). A expectativa é boa”, diz o rapper, que considera sua missão no freestyle “encerrada”. “Hoje, gosto só pela experiência, pela diversão. Nem busco mais a vitória, só o crescimento pessoal e o entretenimento.”

Dezesseis artistas participarão da primeira eliminatória: Winnit (SP), Noventa (ES), MCharles (CE), Drizzy (MG), Zuluzão (SP), Nicolas Walter (RS), Chris (MG), Monna Brutal (SP), Tai (PE), Japa (BA), Salvador (SP), Kamila (SP), Neo (RJ) e Menor (AM), além de Sid e Colombiana.

“O mais legal é chamar todo mundo para compartilhar essa experiência. Apesar de ficar cada um na sua casa, a presença do público é fundamental. Não será debaixo do viaduto, mas terá torcida, críticas, comentários, votação. É tudo muito novo para todo mundo – para os artistas e para nós, que estamos aprendendo. Vamos somar forças e construir juntos”, afirma Pedro Valentim, o PDR, integrante do coletivo Família de Rua e um dos fundadores do Duelo.

A transmissão ao vivo será um desafio e tanto. Afinal de contas, são MCs de várias partes do país, em casa, cada um com sua câmera. “Desde que entramos na quarentena, as manifestações artísticas foram transferidas para o ambiente digital. Porém, a batalha de MCs tem características muito específicas, não apenas em relação à importância da aglomeração, mas à performance, à reação do adversário. É muita gente envolvida”, explica PDR.

As dificuldades impostas pelo novo coronavírus e a angústia causada pela incerteza sobre a retomada das atividades se somam ao contexto de forte mobilização mundial contra o racismo – luta da qual o rap sempre foi porta-voz.

“A cultura hip-hop ocupa esse lugar de posicionamento político desde sempre, a partir da defesa das pessoas contra as opressões. É um exercício cotidiano nosso. Vivemos um momento de nervos à flor da pele por tudo isso que vai se acumulando. Então, é hora de entender da melhor forma esse espaço e esse ambiente da rede. É momento de transformar a realidade, lutar contra as opressões, falar para as pessoas que elas precisam se cuidar e cuidar de quem está perto delas”, argumenta PDR.

As tensões atuais, certamente, vão se refletir nas rimas dos MCs “Estamos mais à flor da pele do que o normal por tudo o que vivemos neste momento. No duelo, o tradicional é a rima com ataque e resposta. Mas na rua o nosso povo já está sendo atacado. Então, ataco meu oponente ou ataco o sistema? Com tudo isso que estamos vendo agora, a vontade é de atacar o sistema”, afirma MC Colombiana.

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press )


GENOCÍDIO A inquietação da rapper não se limita às rimas. “Como mina preta e mãe solteira, sei bem como funciona pra gente. Ou saio para a rua para protestar e corro riscos por causa da pandemia, ou fico em casa compactuando com esse genocídio, que não é de hoje”, diz Colombiana, endossando os protestos em Belo Horizonte contra o assassinato de negros pela polícia – tanto do americano George Floyd quanto do adolescente João Pedro Mattos, numa favela carioca –, manifestações que contaram com a presença de nomes importantes do hip-hop, como o mineiro Djonga.

MC Sid diz que o Duelo de Tela pode servir também como “alento” nestes tempos de pandemia. “Ao que tudo indica, poderemos ficar mais de um ano sem eventos com aglomeração de pessoas. Claro que esse contexto pode virar tema de rima, mas não dá pra se prender só a isso. O público já é bombardeado sobre o coronavírus 24 horas por dia. A parte educativa é necessária, mas também é preciso tirar da cabeça das pessoas um pouco disso”, argumenta o rapper.

DUELO DE TELA
. Nesta sexta-feira (5), a partir das 21h
. Canal da Família de Rua (www.youtube.com/familiaderua)
. Às terças-feiras, no mesmo horário, o canal transmite o Flow da Rodada, com comentários sobre o evento da sexta anterior e participação de convidados.

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