Luto no samba: baiano Riachão sai de cena

Um dos principais nomes do estilo no Brasil morreu no último domingo

Augusto Pio 31/03/2020 07:18
Nana Leme/Divulgação
Dudu Nicácio com Riachão, em 2011, quando o baiano se apresentou no Parque Municipal, em BH (foto: Nana Leme/Divulgação)
Dizem que o samba nasceu lá na Bahia e, com certeza, Clementino Rodrigues (1921-2020), o Riachão, estava presente naquele dia. Porém, o samba ficou de luto na madrugada da última segunda (30), quando o músico baiano morreu, em Salvador. De acordo com a família de Riachão, ele sentiu dores no abdômen no domingo (29) e recebeu atendimento médico, mas acabou morrendo enquanto dormia. O enterro estava previsto para ser realizado ainda ontem, no Cemitério Campo Santo, no Bairro da Federação, na capital baiana.

Um dos maiores sambistas brasileiros, Riachão nasceu em 1921, no Bairro do Garcia, em Salvador e compôs a primeira canção aos 12 anos. Ele estava com 98 anos e morreu de causas naturais. Responsável por canções que se eternizaram nas vozes de Cássia Eller (1962-2001), como Vá morar com o diabo, e de Caetano Veloso e Gilberto Gil, Cada macaco no seu galho, lançada em 1972, marcando o retorno dos dois ao Brasil, após o exílio. No cinema, atuou em alguns filmes, entre eles A grande feira (1961), de Roberto Gomes, e Pastores da noite (1972), de Marcel Camus.

Riachão chegou a lançar seis discos e também teve algumas de suas músicas gravadas pelo músico paraibano Jackson do Pandeiro (1919-1982). Para o cantor e compositor mineiro Dudu Nicácio, que já apresentou ao lado de Riachão, o baiano era uma pessoa peculiar e cheia de energia.

Segundo Nicácio, Riachão não conseguia ficar quieto de tanta energia. “Também era engraçado o tempo inteiro, num astral lá em cima, parecia um cara de outro tempo. Uma figura dessas assim de filme. Desde que o vi pela primeira vez e mesmo depois, quando fomos fazer shows juntos, era essa coisa. Daquelas figuras que viraram uma personagem viva, igual aconteceu com Adorinan Barbosa. Aquela coisa de assumir um personagem que fica.”

Nicácio conta que, além de compor muito bem, Riachão adorava usar anéis. “Cada dedo tinha um e não podia esquecê-los de jeito algum. Um dos filhos dele, que o acompanhava sempre, dizia que se ele esquecesse de levar algum anel do pai, era bronca na certa. Era uma figura muito querida, cuja energia era daquele samba de roda que todo mundo conhece, aquelas músicas que parece que ninguém criou e que já nasceram prontas.”

Quando cantou com ele em 2011, no projeto Samba do Compositor, realizado em 2011, no Parque Municipal, Nicácio lembra que foi uma festa no camarim. “Uma folia só e ele curtindo a moçada e mostrando músicas novas. Depois, o acompanhei em outras apresentações em São Paulo. Já cantava várias músicas dele em meus shows e tenho alguns discos dele. Lembro-me que fomos à Cantina do Lucas e ele já entrou saudando todos os presentes e foi uma alegria enorme. Ele era assim. Sem dúvida, uma grande perda para o samba e para todos nós.”

ENERGIA GIGANTE 

O cantor e compositor baiano Geo Cardoso, vocalista do grupo Baianas Ozadas conta que não conheceu Riachão pessoalmente. “Cheguei a ver a apresentação dele em BH, quando esteve aqui. Ele era de um tipo de samba, de uma vertente do samba da malandragem baiana, que ficou um pouquinho órfão agora com a passagem dele, embora tenha seguidores que fazem um samba mais debochado, mais da vida cotidiana, do povo da periferia, do Terreiro de Jesus, da Cantina da Lua.”

Cardoso acredita que Riachão era mais conhecido por aqueles que são do metiê do samba. “Aqueles acompanham muito essa coisa do Partido Alto, diferente do samba carioca. E Riachão era um grande ícone deste samba. É uma perda lamentável”. A cantora Aline Calixto lembra que foi apresentada a Riachão pelo músico Dudu Nicácio. “Isto foi em 2011, quando ele esteve em BH, a convite do próprio Nicácio. Eu ainda estava no início da minha carreira. O que me chamou a atenção nele foi porque ele já era um senhor com cerca de 90 anos e tinha uma energia que muito me impressionou. Tão pequenino, mas com uma energia gigante, que não fazia jus ao tamanho dele.”

DISCOGRAFIA

» Umbigada da baleia (por volta da década de 1960)
» Sonho de malandro (Desembanco, 1973)
» Samba da Bahia (Fontana, 1975)
» Humanenochum (caravelas, 2000)
» Riachão (caravelas, 2001)
» Mundão de ouro (Comando Discos, 2013)

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