Martinho da Vila revê decisão de parar de gravar e lança DVD

Aos 82, músico afirma que 'barco parado não faz viagem'. Show 'Martinho 8.0 - Bandeira da fé: Um concerto pop-clássico' ganhou registro ao vivo

Marcos Hermes/Divulgação
(foto: Marcos Hermes/Divulgação)
Por algumas vezes, o sambista Martinho da Vila anunciou que não gravaria mais. Em 2018, no ano em que completou 80 anos, ele comentou que Alô, Vila Isabeeeel!!!, disco em homenagem à sua escola de samba do coração, seria o último. Mas, depois dele, veio Bandeira da fé, que passaria ser o 48º e último álbum de sua carreira. Mas, neste 2020, ao celebrar 82 anos, cita um provérbio português para resumir a incessante vontade de transformar o pensar e o falar em fazer criativo: “Barco parado não faz viagem”.

“As coisas comigo acontecem assim. Às vezes, eu falo: 'Este ano não vou gravar'. Até falei isso, que ia parar de gravar, porque hoje a forma de divulgação das coisas é diferente, é tudo digital. O disco físico você não encontra em lugar nenhum. Falei que não gravaria um disco, gravaria uma música e colocaria nas plataformas digitais, mas eu gosto de estúdio e vejo o disco como uma obra completa, que não é só um ajuntamento de músicas. Então, tenho que fazer e continuo”, afirma o carioca.
Na véspera do dia de seu aniversário – 12 de fevereiro –, o cantor disponibilizou o projeto Martinho 8.0 – Bandeira da fé: Um concerto pop-clássico (ao vivo). O material é fruto de um show comemorativo que o sambista fez, em novembro de 2018, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Assim como o disco homônimo, o DVD leva o nome do samba de breque escrito por Martinho em parceria com Zé Catimba, em 1983. Até então, somente Luiz Carlos da Vila e Agepê haviam gravado Bandeira da fé.

Além dela, o carioca escreveu as 14 composições que integram o projeto. Situação política, racismo, papel da mulher e negritude estão entre os temas de Martinho 8.0 – Bandeira da fé: Um concerto pop-clássico (ao vivo). “Como digo, não faço disco por engajamento político. Depois que está pronto é que se vê que tem um engajamento. As minhas músicas, os grandes trabalhos artísticos, os mais importantes não foram feitos para o movimento, eles serviram para o movimento”, diz Martinho. Tendo o samba como raiz e paixão, o tributo ao gênero não poderia ficar de fora.

Por meio da música, Martinho também une no DVD o popular e o erudito com o conceito pop-clássico. Dirigido pelo produtor João Wlamir, a peça musical é dividida em dois atos. O primeiro termina com uma exibição da porta-bandeira e do mestre-sala da Vila Isabel, dançando um frevo-samba, com a participação do filho Tunico da Vila. O segundo culmina com um jongo sintonizado, homenagem a Zumbi dos Palmares.

FAMÍLIA 

“A música, de uma maneira geral, é de uma mesma família, tudo parente – a música clássica, a música popular, o folclore. Uns, que são ligados à música clássica, que aprenderam a fazer uma diferença e a abominar tudo o que é popular. Mas, com o tempo, vão aprendendo. Eu quis fazer uma mistura. Tanto que é um espetáculo pop-clássico. Voltar os olhos para a cultura popular é importante. Essas pessoas da música clássica que não gostam, na verdade, não sabem que as grandes óperas são baseadas, muitas delas, no folclore. Com o tempo, tudo vai se esclarecendo, e as cabeças vão mudando”, afirma Martinho.

No palco do Theatro Municipal da capital carioca, o sambista inicia o show com a filha pianista Maíra Freitas. Ao longo da apresentação, Mart'nália também acompanha o pai, assim como o rapper Rappin Hood, parceiro de outros projetos. “É meu amigo, gosto muito dele, tinha gravado essa música – O sonho continua – no disco De bem com a vida. Foi assim que as coisas foram surgindo e acontecendo. Juntou a fome com a vontade de comer, como se diz no popular”, brinca.

Integram o projeto os músicos Gabriel de Aquino, Alaan Monteiro, João Rafael, Gabriel Policarpo e Bernardo Arias, além da Orquestra Filarmônica do Rio, sob a regência do maestro Leonardo Bruno. Há também uma abertura na voz de Gloria Maria, convidada pelo próprio artista.

Diante de um trabalho que fala sobre questões tão contemporâneas, Martinho da Vila responde que não é muito de falar. “Gosto de fazer”, resume. “Tudo o que eu penso está, por exemplo, escrito em 2018 – Crônicas de um ano atípico”, citando seu livro lançado pela Kapulana, que traz uma crônica para cada mês do ano.

Para este 2020, além do DVD, o sambista tem outros projetos a caminho. “Gosto muito de estúdio. Ano passado, comecei a fazer umas gravações, uns registros, e isso vai sair em disco. Ainda não sabemos quando será, mas tenho um trabalho novo, de que gostei muito, ficou bem do jeito das coisas que eu queria fazer, bem voltado para o samba”, conta.

Ele também pretende lançar uma nova versão de Memórias póstumas de Teresa de Jesus. Publicado pela primeira vez em 2003, o livro conta a história da família de Martinho, tendo sua mãe como protagonista. “Como já tem um tempo e a história continua, resolvi reescrever o livro. Nasceu muita gente, morreram outras pessoas. Tem muita história para contar. Reescrevi e o livro e será lançado em maio, com o nome de Memórias póstumas de Teresa de Jesus rememoradas.”

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