Novo disco de Marcos Valle arrisca até na onda do rap

Em Cinzento, artista retoma velhas parcerias, mas convida também letristas improváveis

Augusto Pio 26/01/2020 04:00
Jorge Bispo/Divulgação
Previsão do tempo, de 1973, serviu de espelho para a nova produção de Valle, que reúne parceiros tradicionais e algumas surpresas (foto: Jorge Bispo/Divulgação)

Foi de uma espécie de provocação de Rafael Ramos que nasceu Cinzento. Enquanto Marcos Valle produzia com Roberto Menescal um disco de Fernanda Takai, o dono da Deck, sem rodeios, sugeriu que ele gravasse pelo selo. Ao ponderar que já estava lançando Sempre por uma gravadora europeia, ouviu de volta que não haveria problema. “Espero o tempo que for necessário, mas quero que você pense no assunto”, sugeriu Ramos. Assim surgia o novo disco do cantor, compositor e tecladista carioca, que estreou nos palcos em 1963. São 12 faixas. Duas autorais e as outras em parceria com Bem Gil, Moreno Veloso, Alexandre Kassin, Zélia Duncan, Jorge Vercillo, Paulo Sérgio Valle, Ronaldo Bastos, Domenico Lancelotti e o rapper Emicida, que entrou com duas letras. Valle, aos 76 anos, admite já ter perdido a conta de sua discografia, mas imagina que tenha alcançado cerca de 40 títulos.

“Naquela época, Rafael estava relançando em vinil alguns discos meus mais antigos, entre eles, Previsão do tempo, de 1973. Mencionou a possibilidade de usá-lo como modelo: 'Na verdade, quero que você faça o que quiser'. Quando falou aquilo, não tive nenhuma dúvida”. Previsão do tempo é uma obra com poucos instrumentos. “Comecei, então, a pensar que poderia muito bem gravar um nos moldes do outro, mas que não o imitasse. E, simultaneamente, as melodias foram aparecendo em minha mente”.

Era março de 2018. De imediato,  fez quatro melodias e pediu aos convidados que mergulhassem um pouco no Previsão. “Pensei no Moreno Veloso, Bem Gil, Kassin e Domênico e mandei logo uma para cada um. Moreno fez Redescobrir, uma letra de amor, sutil, interessante e que casou perfeitamente com a melodia”. Valle entendeu que aquele era o caminho a seguir. “O Bem Gil fez Se proteja. Tem muito balanço, por isso coloquei uns metais em cima. Ele acertou perfeitamente. O Domênico fez a letra de Pelo sim, pelo não, na qual vê a vida passando através da janela do carro. É mais agitada, com um outro ritmo que fiz ali na hora”.

Alexandre Kassin contribuiu com a letra de Lugares distantes. “Continuei a criar e me veio uma ideia que foi de gravar o 7/8, um ritmo meio jazzístico. Me lembrei que já tinha feito algo parecido com o Jorge Vercillo, Numa corrente de verão. Vercillo adorou a ideia e daí surgiu Só penso em jazz, que ficou um tema delicioso”.

Valle lembra que já tinha feito uma música com a parceria de Zélia Duncan, ainda não gravada, e a dobradinha agora reaparece em Rastros raros. “A melodia se encaixava perfeitamente na minha ideia, a trouxe para o disco”.

Da criação revisitada a
letristas improváveis

O irmão Paulo Sérgio não poderia ficar de fora deste trabalho. “Na verdade, já fizemos muitas músicas juntos, porém, já tem um tempo que não damos continuidade com a parceria. Mandei-lhe uma valsa pop e ele me devolveu com uma belíssima letra. Eu havia dito: 'Paulo, faça algo mais espiritual, mais etéreo'. E Nada existe se encaixou lindamente na melodia”.

Posto 9, a nona faixa, Valle havia gravado no disco Jet-samba (2005), da Dubas, de Ronaldo Bastos, que desta vez cuidou da letra. “Ficou ótimo, descrevendo exatamente o Posto 9, uma Ipanema mais antiga, com Tom Jobim... Enfim, todo aquele clima dos anos 60 e 70. Ficou superatual”.

Valle conta que o produtor musical Marcus Preto, quando soube que ele estava gravando um disco na Deck, imaginou uma parceria com Emicida. “Preto achava que funcionaria muito bem e falou com o rapper, que gostou muito da ideia. Adorei a possibilidade, pois gosto muito do que já ouvi dele. Mandei uma melodia. Reciclo, ao mesmo tempo que tem balanço, tem também uma poesia muito forte”.

Em parceria com o rapper paulista veio uma segunda música. “Mandei uma outra melodia para Emicida, mas tinha uma parte em que eu só colocava a harmonia. Ele não fez somente um rap, mas também um rap cantado e nós acabamos dividindo a faixa”.

Como gosta de sempre ter algo instrumental em seus trabalhos, Valle colocou Lamento no rhodes. “É uma canção que, embora bem balançada, é meio melancólica. E como gravei no rhodes (teclados), resolvi botar esse nome. Fechei o disco com outra instrumental, Sem palavras. Para fazer uma crítica ao que está acontecendo neste momento com alguns artistas, com a arte, com essa possibilidade de censura outra vez. O disco, aliás, levou o nome de Cinzento (também com Emicida). “É pelo momento estranho pelo qual estamos passando”, pontua.

Jorge Bispo/Divulgação
(foto: Jorge Bispo/Divulgação)
CINZENTO
. CD e vinil
. Deck
. 12 faixas
. Preço a definir
. Disponível nas plataformas digitais

Repertório

1 – Reciclo (Marcos Valle/Emicida)
2 – Se proteja (Marcos Valle/Bem Gil)
3 – Redescobrir 
(Marcos Valle/Moreno Veloso)
4 – Rastros raros 
(Marcos Valle/Zélia Duncan)
5 – Pelo sim, pelo não (Marcos Valle/Domênico Lancelotti)
6 – Lamento no rhodes 
(Marcos Valle)
7 – Cinzento (Marcos Valle/Emicida)
8 – Nada existe 
(Marcos Valle/Paulo Sergio Valle)
9 – Posto 9 
(Marcos Valle/Ronaldo Bastos)
10 – Só penso em jazz 
(Marcos Valle/Jorge Vercillo)
11 – Lugares distantes 
(Marcos Valle/Kassin)
12 – Sem palavras (Marcos Valle)











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