Arnaldo Baptista rejeita 'escanteio' e defende o direito do compositor

Músico não gostou de ver Carlinhos Brown associar 'Balada do louco', composta por ele e Rita Lee, ao Secos & Molhados. Queixa chama a atenção para o desrespeito aos autores

Augusto Pio 20/01/2020 06:00
Leandro Couri/EM/D.A/Press - 4/8/2014
Arnaldo Baptista foi às redes sociais esclarecer que 'Balada do louco' é criação sua, e não da banda Secos & Molhados (foto: Leandro Couri/EM/D.A/Press - 4/8/2014)
“Para o gênio @Carlinhos Brown, Balada do louco é dos Secos & Molhados. Me jogaram para escanteio...”. O desabafo foi postado por Arnaldo Baptista no Twitter, em 13 de janeiro, um dia depois de a catarinense Hévelyn Medeiros, de 13 anos, chamar a atenção no programa The voice kids (Globo) ao interpretar essa canção. Ao elogiar a menina, aprovada por unanimidade pelos jurados, Brown afirmou: “Ney (Matogrosso), como um intérprete dessa música, feliz, encontrou na sua vida os Secos & Molhados para poder realizar a gente nesta tarde domingo”.
 
Balada do louco foi composta por Arnaldo Baptista e Rita Lee. Lançada no disco Mutantes e seus cometas no país dos Baurets (1972), a música voltou a ser gravada por Ney Matogrosso, em 1986, no LP solo Bugre. A versão do cantor, que deixara o Secos e Molhados em 1974, fez muito sucesso.
A “paternidade” de Balada do louco rendeu assunto nas redes sociais. Ao comentar a manifestação de Arnaldo Baptista, fãs de Carlinhos Brown defenderam o baiano, enquanto outros internautas apoiaram o Mutante, destacando ser injusto que autores não recebam o crédito por sua obra.
A assessoria de Baptista informou que ele não vai se pronunciar sobre a polêmica, alegando que o compositor apenas fez uma brincadeira e não quis ser indelicado com Brown. Fato é que Arnaldo postou em sua página no Facebook um clipe no qual aparece interpretando a sua própria canção.

Na verdade, o desabafo do Mutante expõe um problema enfrentado por vários autores de músicas que fazem parte do imaginário popular. Volta e meia, a romântica Nossa canção, de Luiz Ayrão, é creditada a Roberto Carlos. Fãs pensam que Na rua, na chuva, na fazenda é da banda Kid Abelha, quando, na verdade, ela foi composta pelo baiano Hyldon. Muito estranho foi criada por Dalto, e não por Nando Reis. E Você não me ensinou a te esquecer é uma composição de Fernando Mendes – e não de Caetano Veloso.
 
A confusão, aliás, é globalizada. Basta lembrar que Cocaine, sucesso de Eric Clapton, foi composta por J. J. Cale. E que Stand by me não é de John Lennon, mas do americano Ben E. King. Não se trata de mero engano, mas de um problema envolvendo os direitos do artista agravado pela mídia. O compositor e violonista mineiro Geraldo Vianna diz que as rádios, com pouquíssimas exceções, não informam quem é o autor da música executada, contribuindo para que a autoria seja equivocadamente atribuída ao intérprete. De acordo com Vianna, as plataformas de streaming, que têm dominado o mercado musical, não disponibilizam ao usuário informações sobre a autoria e os participantes de uma produção musical.
 
Geraldo Vianna diz que vários sites especializados em letras e cifras atribuem a responsabilidade da informação veiculada por eles aos usuários, permitindo, assim, que sejam repassados erros relativos à autoria das letras e melodias. “Em muitos casos, as letras e cifras vêm totalmente erradas”, adverte.
“Há uma confusão e um descompromisso absolutos”, reclama Vianna. “Desconsidera-se a importância da preservação e da justiça à memória dos criadores, começo de toda a cadeia produtiva. Talvez isso se dê por um problema de educação e cultura, que também passa pelo viés da impunidade, se considerarmos que há leis específicas que tratam do assunto.”
 
INTERNET O cantor, compositor e instrumentista Affonsinho também se preocupa com o problema. “Muitos acreditam que o intérprete é o autor e nem sempre é o caso. Já vi isso acontecer em rádios e hoje vemos muito na internet também. É um problema de desinformação, um problema cultural”, afirma.
 
Nem os Beatles escaparam, comenta Affonsinho. Ele conta que, depois de certo tempo, a parceria John Lennon/Paul McCartney passou a ser “apenas no papel”, pois cada um gravava a voz principal de sua própria composição, o que acabava caracterizando o autor. “Lennon não gostava quando era homenageado com Yesterday, cujo autor é o Paul, pois não tinha nada dele na autoria da canção. Paul chegou até a tentar mudar a ordem do crédito para McCartney/Lennon em suas composições, mas não teve sucesso”, lembra.
 
“Nesta era das redes sociais, fotógrafos também vêm sofrendo com a falta de crédito. Há muitas informações, mas poucos parecem ter tempo livre até mesmo para rápidas pesquisas”, diz Affonsinho. “A solução seria ficarmos atentos aos direitos do autor. Como ocorre com várias outras importantíssimas pautas da atualidade, é preciso falar, publicar e conversar sobre isso.”
 
Affonsinho cita erros comuns relacionados aos Beatles, banda que faz parte da história da música. “No início, John, George, Paul e Ringo gravaram muitos covers”, observa. Porém, até hoje, atribui-se ao grupo a autoria de Twist and shout, canção de Phil Medley e Bert Russell, de Till there was you, composta por Meredith Wilson, e até de Rock and roll music, de Chuck Berry, que ficou conhecido como o “Pai do Rock”.

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