Em seu 20º álbum, Ringo Starr grava canção escrita por Lennon em 1980

Em 'What's my name', lançado nesta sexta (25), o ex-Beatle reúne amigos de diversas épocas e volta a apostar em mensagens positivas sobre um mundo melhor

26/10/2019 04:00
 
Angela Weiss/afp
Ringo Starr se apresenta na comemoração dos 50 anos do festival de Woodstock, em Nova York, em agosto passado (foto: Angela Weiss/afp)
No verão de 1980, John Lennon pegou, em Rhode Island, um pequeno barco rumo às Bermudas. Alugou uma casa com a intenção de passar um período preparando um álbum que marcaria seu retorno – desde o nascimento do filho Sean, cinco anos antes, ele se dedicava mais à família com Yoko Ono do que à música. O manuscrito de Grow old with me é datado de 5 de julho.
 
Inspirado pelo poema Rabbi ben Ezra, do britânico Robert Browning, e também como uma resposta à letra de Let me count the ways, que Yoko havia escrito havia pouco, Lennon criou versos como “Grow old along with me/The best is yet be” (Envelheça junto comigo/O melhor ainda está por vir). Nas Bermudas, chegou a gravar uma demo. Seu assassinato, em 8 de julho daquele ano, interrompeu o álbum. Grow old with me veio a aparecer quatro anos mais tarde, no disco póstumo Milk and honey.
 
Trinta e nove anos mais tarde, Ringo Starr, de 79 anos, recupera tal canção. Grow old with me é um dos destaques de What's my name. Lançado ontem (25), o 20º álbum do baterista dos Beatles é uma continuidade do que ele vem fazendo há três décadas, desde que criou a All Starr Band, uma espécie de jam session de luxo (vista em BH em novembro de 2011, no KM de Vantagens Hall).
 
Em seu estúdio em Roccabella West, Los Angeles, ele convidou seus amigos para tocar e gravar. Assumindo as baquetas e a produção, neste trabalho Ringo contou com as colaborações de Joe Walsh (guitarrista que integrou os Eagles, entre outras bandas), Dave Stewart (ex-Eurythmics), Colin Hay (líder do Men at Work), Steve Lukather (fundador do Toto), Edgar Winter, todos músicos que em algum momento tocaram na All Starr.
 
Universal/Reprodução
(foto: Universal/Reprodução)
 

Parede de vidro

"Não quero mais estar em um estúdio de gravação antiquado", afirmou o baterista quando houve o anúncio do lançamento de What's my name – o título foi tirado da canção que fecha o disco, música que Colin Hay, em uma das participações com o All Starr, enviou para ele. "Já tive o suficiente da grande parede de vidro e da separação”, acrescentou ele, dando preferência aos encontros próximos com velhos companheiros.
 
Desta vez, ele foi ainda atrás de Paul McCartney, que gravou o baixo de Grow old with me. Os arranjos de cordas foram de Jack Douglas, produtor que esteve envolvido em Milk and honey antes de entrar em litígio com Yoko Ono. Grow old with me, vale dizer, foi uma das demos de John Lennon que Yoko enviou aos Beatles para serem registradas nos anos 1990. Na época, os três remanescentes decidiram trabalhar em Free as a bird e Real love.
 
Ringo admitiu que não se lembrava da canção das Bermudas. “Fiz o meu melhor. Nós fizemos o nosso melhor. John está de certa forma na música. E as cordas que Jack criou, se você realmente prestar atenção, têm a mesma linha de Here comes the sun (de George Harrison). Então, de certa forma, somos nós quatro.”
 
What's my name traz ainda outro momento Beatle. Ringo gravou uma versão eletrônica (um tanto estranha e dispensável) de Money (That's what I want), canção da Motown composta por Berry Gordy e Janie Bradford que os Fab Four transformaram em hit em 1963.
 
As oito faixas restantes, de autoria de vários dos colaboradores da All Starr, têm bons e maus momentos. Canção de abertura do álbum, Gotta get up to get down (Richard Starkey/Joe Walsh) é um blues rock com letra que tenta brincar com a tecnologia. “Todo mundo está na internet/O que há com isso?”, canta Joe Walsh, de forma mais do que dispensável.
 
O lugar de coadjuvante de Ringo nos Beatles trouxe, de certa forma, conforto. "Quando era adolescente, minha mãe sempre dizia: 'Filho, você fica mais feliz quando está tocando.' E ainda é verdade até hoje”, ele afirmou recentemente. Pois ao longo de tantas décadas de atividade, sem precisar provar muita coisa para alguém, ele vem tocando com os amigos. Não deixa de impressionar também que, a cada dois anos,  ele lance um novo disco.
 
Os momentos em que Ringo não sai de sua zona de conforto são os melhores de What's my name. Magic (Richard Starkey/Steve Lukather), Better days (Sam Hollander), Life is good (Richard Starkey/Gary Burr) e Thank God for music (Richard Starkey/Sam Hollander) exploram, de diferentes maneiras, mensagens positivas. O Beatle paz e amor (não há imagem mais relevante de Ringo do que fazendo o símbolo com os dedos) espalha palavras de ordem nestas canções. São músicas que bebem na fonte do pop rock, com coros, alguns solos e um sotaque sessentista.
 
Mais elaborada, mas na mesma toada, em Send love spread peace (Richard Starkey/Gary Nicholson) Ringo pede, acompanhado de um bonito arranjo de cordas, para imaginar um mundo maravilhoso que viria por meio do amor e da paz. É utópica, por vezes anacrônica para os tempos atuais, mas funciona.
 
 
 
JIJI PRESS/AFP
Os Beatles (Paul McCartney, John Lennon, Ringo Starr e George Harrison) dão entrevista em Tóquio, durante sua viagem pelo Japão, em 1966 (foto: JIJI PRESS/AFP)

Fiz o meu melhor. Nós fizemos o nosso melhor. John está de certa forma na música.  as cordas que Jack criou, se você realmente prestar atenção, têm a mesma linha de ere comes the sun de George Harrison). Então, de certa forma, somos nós quatro”


Ringo Starr,
sobre a gravação de Grow old with me 
 

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