Eduardo Dussek fala sobre os 45 anos de carreira e sua 'previsão' do fim do mundo

Músico ensaiou na capital mineira seu próximo espetáculo, cuja turnê começou em Salvador e termina em BH

por Helvécio Carlos 21/04/2019 11:15
Fabiana Pinheiro /Divulgação
"É musical no sentido de termos uma banda maravilhosa (MG Big Band). É um exercício de música. Um show para músicos cantarem" - Eduardo Dussek,cantor e compositor, sobre 'Olé! É sempre tempo de música' (foto: Fabiana Pinheiro /Divulgação)

Naquela manhã, Eduardo Dussek não se lembra se acordou tarde. Muito menos se estava de bode. Mas quem passou dos 50 anos dificilmente esquece os versos que narravam de forma debochada o fim do mundo. Nostradamus, a canção que colocou Eduardo Dussek no topo da parada está completando 40 anos. Composta em 1979, estourou no ano seguinte, no Festival MPB, da Rede Globo, onde chegou à finalíssima. Com ela, o cantor deixou definitivamente o underground paulista e conquistou o mainstream.

“(A música) Continua atual, infelizmente”, observou, na semana passada, após o último ensaio da turnê Olé! É sempre tempo de música, que estreou em Salvador (13 de abril), chega a Goiânia no próximo sábado, passa pelo Rio de Janeiro (4 de maio), São Paulo (11 de maio) e termina em Belo Horizonte (25 de maio, na Praça de Santa Tereza). “Naquela época, eu previa o fim do mundo. Tenho uma coisa aquariana de premonição, mas, infelizmente, não prevejo os resultados da loteria”, brinca.

Dussek fica sério, no entanto, quando critica o rumo da humanidade, que enxerga como um crash de um iceberg com o Titanic. “Essa coisa da Venezuela traz o ímpeto de guerra dos Estados Unidos, Rússia e China, que é perigosíssimo para a gente”, opina. O compositor não é pessimista, mas acredita que nós, no Brasil, vamos penar ainda. “A inflação começando a deslanchar, visões fechadas em relação à cultura e a inteligência merecedora do povo brasileiro que não será valorizada por alguns anos”, enumera.

“Mas sou otimista”, diz, cantarolando os versos de Roberto Carlos “a fé que me faz otimista demais”, da música Emoções. “Vamos esperar que essa vontade do governo de limpar o país (da corrupção) não deslanche em um aguaceiro como as chuvas no Rio de Janeiro, que desmancham tudo. O povo não aguenta mais”, afirma.

BREGA


O mundo ainda não acabou como prevê a letra de Nostradamus, mas, em sua bola de cristal, Dussek tem mais acertos do que erros. “Previ o sucesso do brega e lancei o disco Brega e chique (no Mercado Livre, o vinil, de 1984, pode ser adquirido por R$ 30). A gravadora ficou p... comigo, um cantor de rock que resolveu se juntar com uma turma que tinha essa coisa da cultura brega, mas foi um sucesso”, recorda, citando nessa turma, Júlio Barros, fundador da Gang 90 e as Absurdettes.

Além dos 40 anos de Nostradamus, Dussek também festeja 45 anos de carreira, desde aquela participação como pianista na peça Desgraça de uma criança, de Martins Pena, em montagem estrelada por Marieta Severo e Marco Nanini. Mas, quando olha para trás e faz um balanço dos melhores momentos da carreira, Nostradamus é citada sem pestanejar. “As apresentações, tanto na seletiva como na semifinal do festival, representam uma sensação de contentamento. Especialmente com a reação da plateia. Naquela época estava meio apagadão. Tinha feito sucesso em 1975, no underground, algumas coisas meio bestinhas para quem estava começando.”

Dussek entrou no festival meio no susto. Na época, pensava em se mudar para a França ou os Estados Unidos, até surgir o MPB. “No Maracanãzinho, local da finalíssima, foi uma espécie de lançamento coast to coast”. O Rock da cachorra, de Leo Jaime, também é lembrado como sucesso desses 45 anos de carreira. “A música de Leo Jaime, que eu fiz questão de gravar, acabou dando suporte para eu participar de uma série de trabalhos com a extinta Febem. Foi muito bacana”, diz, citando o trecho da letra que convida: “Troque seu cachorro por uma criança pobre/sem parentes, sem carinho, sem rango e sem cobre/Deixe na história da sua vida uma notícia nobre...”

Do teatro, Dussek tem boas recordações de Sassaricando - E o Rio inventou a marchinha, musical que rodou o país e ficou 10 anos em cartaz. Ele lembra que, por pouco, não aceitou o contrato. Foi convencido, acreditando que a temporada seria de apenas dois meses. “Daí eu ia embora. Mas, quando entrei em cena pela primeira vez e vi a reação da plateia, pensei: isso vai durar muitos anos. As pessoas ficavam fascinadas”, comenta, citando como uma das qualidades do espetáculo o fato de recuperar partes preciosas da cultura brasileira. “Hoje ninguém sabe quem foi Noel Rosa, Pixinguinha... Ninguém sabe nada.”

Sobre o show que chega a Belo Horizonte em maio, Dussek diz que Olé! É sempre tempo de música “é musical no sentido de termos uma banda maravilhosa (MG Big Band). É um exercício de música. Um show para músicos cantarem”. O Caffeine Trio; a cantora Mylena Jardim, vencedora do The voice Brasil 2016; Adrianna, Marcelo Veronez e O DJ Barulhista completam as atrações do musical. No repertório, uma geral dos grandes sucessos dos anos 1960, 1970, 1980 e 1990.

RELEMBRE O FIM

Nostradamus
(Eduardo Dussek)


Naquela manhã
Eu acordei tarde, de bode
Com tudo que sei
Acendi uma vela
Abri a janela
E pasmei
Alguns edifícios explodiam
Pessoas corriam
Eu disse bom dia
E ignorei
Telefonei
Pr'um toque tenha qualquer
E não tinha
Ninguém respondeu
Eu disse: "Deus, Nostradamus
Forças do bem e da maldade
Vudoo, calamidade, juízo final
Então és tu?"
De repente na minha frente
A esquadria de alumínio caiu
Junto com vidro fumê
O que fazer?
Tudo ruiu
Começou tudo a carcomer
Gritei, ninguém ouviu
E olha que eu ainda fiz psiu!
O dia ficou noite
O sol foi pro além
Eu preciso de alguém
Vou até a cozinha
Encontro Carlota, a cozinheira, morta
Diante do meu pé, Zé
Eu falei, eu gritei, eu implorei:
"Levanta e serve um café
Que o mundo acabou!"

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