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Nos 30 anos de 'Brasil', Ratos de Porão acham que tudo continua igual

Capa do disco desenhada pelo quadrinista Marcatti - Foto: O Ratos de Porão celebra os 30 anos da gravação de um dos seus principais álbuns, Brasil. A gravação foi feita em junho de 1989, pela Eldorado. Para marcar a data, a banda fará uma série de shows pelo país, tocando o disco na íntegra.

Nos últimos meses, todas as tardes de quarta-feira do quarteto são dedicadas a relembrar as 18 canções do trabalho. Eles ensaiam em um pequeno estúdio na capital paulista. O vocalista João Francisco Benedan, o João Gordo; o guitarrista João Carlos Molina Esteves, o Jão; o baterista Mauricio Fernandes, o Boka; e o baixista Paulo Sangiorgio, o Juninho, revisitam algumas das músicas desse álbum histórico, que estavam fora de seu setlist. De quebra, aproveitam para iniciar o processo de composição de um futuro disco. O espaço simples na Vila Monumento, de propriedade do baixista Juninho, mantém o espírito punk dos primeiros anos do grupo, na década de 1980.
“A gente ensaiava todos os dias, o dia inteiro, nos fundos de uma casa meio abandonada, que alugamos de uma mulher lá na Vila Piauí (periferia da Zona Norte). Enchemos as paredes de bandejas de ovos, para abafar o som. Bem precário”, lembra Jão.

Anos depois desses ensaios com a acústica singular proporcionada pelas bandejas de ovos, a banda embarcou para a Alemanha para gravar um disco em estúdio no país europeu. “Foi um presente que a gravadora quis dar para nós”, diz João Gordo. Foram 25 dias morando em um apartamento ao lado do estúdio. Uma verdadeira imersão, que resultou em um álbum de sonoridade única, pioneiro no gênero crossover no Brasil, estilo que reúne elementos do punk-rock com o heavy metal.

Mirando o mercado externo, o grupo lançou duas versões, uma cantada em português e a outra em inglês.
“Se hoje em dia eu sou tosco em inglês, imagina naquela época”, diverte-se João Gordo. Foi contratado um tradutor que auxiliava o vocalista na ingrata tarefa de verter as letras para o inglês e cantá-las nesse idioma.



CAPA

O disco teve acabamento esmerado, com capa desenhada pelo quadrinista Marcatti. No centro da ilustração, a perspectiva de um campo de futebol. Nele, um rapaz de roupas rasgadas e dentes estragados segura uma bola. Nos cantos do quadrado, toda sorte de misérias é representada. Violência policial, desigualdade social, favelas e corrupção. Florestas em chamas... “A principal motivação de continuarmos a tocar as músicas desse disco é a atualidade das letras”, afirma o letrista e vocalista.
“Algumas músicas estão mais atuais agora.” Marcatti conta que, nessa época, desenhava e imprimia seus gibis em casa e conseguia vender parte deles na Galeria do Rock, no Centro de São Paulo. “Conheci todo o universo underground de bandas, como Olho Seco, muito antes de a galeria virar ‘o shopping do rock’. Certo dia, João Gordo veio me procurar, dizendo que queria fazer uma parceria comigo. Desenhar a capa, a contracapa e o encarte do álbum Brasil”, conta.

Sobre o processo de produção da capa do álbum, o quadrinista diz: “Trabalhávamos juntos no escritório da gravadora Eldorado. Passamos três ou quatro tardes inteiras fazendo esboços e nos divertindo muito. Ele trazia as ideias, e eu ia criando os desenhos. Sempre tive aversão a capas de discos com muitos elementos, sem um que se destacasse. Foi aí então que sugeri colocar o jogador de dentes podres bem no centro do quadro, com cores que remetiam à bandeira brasileira”.

Em consonância com a avaliação de João Gordo, Marcatti diz que “nada mudou em décadas” e, a respeito de Brasil, afirma: “Parafraseando Victor Hugo, ‘enquanto houver miséria, esse disco é imprescindível’”. .