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Ladrão, novo disco de Djonga, chega às plataformas nesta sexta-feira

Nome de ponta da cena contemporânea da música brasileira – há muito deixou de ser apenas “artista revelação” –, o belo-horizontino Djonga, de 24 anos, faz de seu hip-hop um contundente espelho da juventude negra neste século 21. Ladrão, terceiro disco do mineiro, denuncia o implacável apartheid social imposto pela escravidão, mas também se orgulha de ostentar conquistas e vitórias.

Quando canta que “fez Minas deixar de ser a terra do pão de queijo/ e virar terra do Djonga”, não se trata de um surto narcisista, mas da crônica de vitórias reais – dele e da moçada orgulhosa de sua negritude que vem conquistando espaço na arte, nas universidades, no mercado de trabalho e na sociedade brasileira.

“Eu sigo naquela fé/ que talvez não mova montanhas/ mas arrasta multidões/ esvazia camburões/ preenche salas de aula e corações vazios”, rima Djonga em Falcão, a última faixa do disco, lindamente encerrada pelo verso de Romaria na voz de Elis Regina. Quase prece, “meus irmãos perderam-se na vida a custa de aventuras” diz muito sobre o Brasil, onde, segundo a ONU, a cada 23 minutos um jovem preto é assassinado.

“Olho corpos negros no chão/ me sinto olhando espelho/ Corpos negros no trono/ me sinto olhando espelho/ Que corpos negros nunca mais/ se manchem de vermelho”, rima Djonga num dos melhores momentos do disco. E tome pedrada: “Eu tiro onda/ porque mudo paradigmas/ Meu melhor verso/ Só serve se mudar vidas/ Pois construí um castelo, vindo dos destroços/ Resumindo/ Eu tiro onda porque eu posso!”. Neste século 21, Djonga é a voz dos jovens pretos – assim como foi o Racionais, nos anos 1990/2000. À sua maneira, resgata o célebre refrão de Mano Brown: “A fúria negra ressuscita outra vez”.

Disponibilizadas no canal do rapper no YouTube na quarta-feira, as 10 faixas inéditas chegam nesta sexta às plataformas digitais via ONErpm.

Djonga constrói sua carreira – a partir de BH – nos palcos e na internet. Seu Ladrão é autobiográfico, expõe angústias e orgulhos.
“O que adianta eu/ Preto rico em Belo Horizonte/ Se meus iguais não podem ter acesso à fonte?”, admite ele. “Meritocracia pra pobre/ É só se a frase for:/ Morreu porque mereceu!”. E avisa, na faixa-título: “Eu vou roubar o patrimônio do seu pai/ Dar fuga no Chevette e distribuir na favela/ Não vão mais empurrar sujeira pra debaixo do tapete/ e nem pra baixo da minha goela!”

“Ladrão busca de volta de quem pegou o que era da gente. Fomos nós que construímos este país”, resume o rapper, referindo-se, antes de tudo, aos negros. “Quem tem de mais é porque os outros têm de menos”, reforça. “Ganharam as eleições, mas não estamos mortos. Quero que todo mundo saiba que estamos aqui”, afirma, referindo-se ao governo Bolsonaro.

Esse “Robin Hood” do rap diz que rouba para “devolver a autoestima, o sentimento de dignidade e a alegria” a quem de direito.
E não deixa barato. Filipe Ret, o convidado em Deus e o diabo na terra do sol, dispara: “É Brumadinho/ E Mariana na lama/ Indecência da grana/ Quem pensa apanha/ Fodam-se o capitão e o general/ O amor é o mais alto grau/ da inteligência humana”.

Ao comentar as duas tragédias em minas da Vale, Djonga afirma que sua enorme tristeza supera até a revolta. “Tristeza de ver até onde chega a miséria do ser humano, disposto a sempre ganhar a todo custo”.

“Este disco é sobre resgate”, diz Djonga. Ele conta que seu propósito é resgatar tudo o que aprendeu dentro de casa, na rua e na vida. E adverte para as armadilhas, como o distanciamento das raízes e a hipervalorização de futilidades, tão estimuladas nesta era digital. “Falo em resgate porque a gente deve ter consciência da história, árvore não existe sem raiz”, afirma. “O próprio hip-hop está crescendo, conquistando, mas às vezes se esquece de certas coisas, do compromisso com a arte.”

CINEMA Artista atento ao poder da imagem – ano passado, bombou na internet o clipe em que ele, negro, aparece aplicando uma “voadora” em um garoto branco –, Djonga prefere não “explicar” a provocativa capa de seu novo trabalho. Na foto, ele toca o terror: ensanguentado, segura a cabeça decapitada de um adepto da Ku Klux Klan, a organização norte-americana que se vangloria de executar negros.

Falando nisso, ele ainda não viu Infiltrado na Klan, filme de Spike Lee, o diretor de obras-primas antirracistas.
A performática capa de Ladrão, aliás, tem tudo a ver com cinema. Não é à toa que ele “resgata” o diretor Jordan Peele, do longa Corra!, em uma de suas letras. Em 2018, ele foi o primeiro roteirista negro a ganhar o Oscar – em fevereiro deste ano, Spike Lee levou a mesma estatueta.

Hoje, o mineiro é rapper bem-sucedido e premiado, bomba na internet, ganha dinheiro, tem agenda cheia de shows. Empreendedor, investe em talentos de BH –  a banda Rosa Neon e o MC Doug Now. Garante, entusiasmado, que a rapaziada do Rosa está prestes a estourar. Djonga abriu um espaço de arte e tatuagem na Zona Leste, sua quebrada. Garoto, trabalhou como pedreiro e vendeu brigadeiros.

Ex-estudante de história da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Djonga põe Canudos, Lampião e o cangaço em seu rap. Critica a hipocrisia da classe média (“Cagando potes pra classe média culpada/ que agora quer colar com nois/ Tem que ter muito sangue-frio/ E eu não tenho/ Pra apertar a mão do seu próprio algoz”), o hip-hop de fachada (“Desculpe aí/ Mas não compro seu processo de embranquecimento de MC/ Sigo falando o que vejo/ Tem irmão que tá falando o que essa mídia quer ouvir!”), o elitismo (“Dei uma voadora na cultura branca/ corda no pescoço/ Eles passam/ Eu rasgo o pano/ Não sou querido entre a nata de apropriadores culturais”).

VOVÓ O terceiro disco de Djonga foi, literalmente, gravado “na casa da vó”. Ou melhor, no estúdio montado pelo coprodutor Thiago Braga (músico do Pato Fu) no imóvel da Rua Tenente Garro onde morou dona Maria Eni, avó do rapper. Costureira, foi ali que ela criou as três filhas, com muita luta.

A comovente Bença é uma das melhores faixas do disco.
Termina com dona Maria Eni, devota de Iemanjá e de Jesus Cristo, abençoando o neto, seu trabalho e os fãs. O rapper agradece à família que o formou: à avó (“Você não costurou só roupa, né?/ Teve que costurar o mundo de traumas”) e ao pai (“Não tive Max Steel/ Meu herói era ele/ Meu jogador de futebol preferido/ Era ele/ E tudo que hoje faço pro meu filho/ É pra que Jorge olhe pra mim/ como eu olho pra ele/ Meu herói ainda é ele”). Jorge, o xodó de 2 anos de Djonga, é quem abre a faixa.

Homenagem a Jorge Aragão, autor de Moleque atrevido, a faixa MLK 4TR3V1DO traz o Djonga sambista, cantando a capela. Conta que eliminou todos os instrumentos e decidiu soltar o gogó para criar surpresa e impacto. Há tempos, cuida da voz, seguindo os exercícios passados pela fonoaudióloga.

Produzido pelo respeitado Coyote Beatz, coproduzido por Thiago Braga e masterizado em São Paulo por Arthur Luna,  Ladrão conta com as participações de MC Kaio, Doug Now e Chris, além do rapper carioca Filipe Ret.


ISTO É DJONGA

“Olho corpos negros no chão
Me sinto olhando espelho
Corpos negros no trono
Me sinto olhando espelho
Que corpos negros nunca mais
Se manchem de vermelho”


“Eu sigo naquela fé
Que talvez não mova montanhas
Mas arrasta multidões
Esvazia camburões
Preenche salas de aula
E corações vazios”





Faixas

• Hat-Trick
• Bené
• Leal
• Deus e o diabo na terra do sol Com Filipe Ret
• Tipo. Com MC Kaio
• Ladrão
• Bença
• Voz. Com Doug Now e Chris
• MLK 4TR3V1D0
• Falcão

. Disponível no canal de
Djonga no YouTube e nas plataformas digitais.