Ícone do jazz brasileiro, Leny Andrade é acolhida no Retiro dos Artistas

Uma das grandes intérpretes do jazz brasileiro, a cantora Leny Andrade é acolhida no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, e não pensa em interromper carreira de shows

por Irlam Rocha Lima 15/01/2019 09:00
Nana Moraes/Divulgação
Leny Andrade, de 75 anos, fez apresentação no palco do Blue Note, para arrecadar fundos para sua transferência (foto: Nana Moraes/Divulgação)
Diva do jazz, uma das maiores intérpretes brasileiras, a carioca Leny Andrade viveu boa parte de sua trajetória artística no México, Estados Unidos e Europa. Aos 75 anos, seis décadas de carreira, com 35 discos lançados e incontáveis sucessos, mantém-se em plena atividade, fazendo shows e encantando as plateias que têm o privilégio de assisti-la.

No último dia 5, a cantora foi homenageada por Joyce, João Donato, Carlos Lyra, Ivan Lins, Marcos Valle, Gilson Peranzetta e outros nomes de destaque da MPB na casa de espetáculo Blue Note, Zona Sul do Rio de Janeiro, em noite de ingressos esgotados. No fim do show, emocionada, subiu ao palco e, com todos os que participaram da celebração, cantou Estamos aí (Durval Ferreira, Maurício Einhorn e Regina Werneck) e Garota de Ipanema (Tom e Vinicius).

Os companheiros de ofício destinaram a renda daquele encontro para Leny que, dois dias antes, passou a ocupar uma das casas do Retiro dos Artistas. A instituição centenária, criada por Leopoldo Fróes, atualmente presidida pelo ator Stepan Nercessian, está localizada no Bairro Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Até então, ela morava num apartamento alugado em Botafogo, acompanhada por uma cuidadora. A mudança foi articulada pelo grupo de amigos, intitulado LAL, formado por Gilson Peranzetta, Eliana Peranzzeta, Zé Luiz Mazziotti, Fernanda Quinderé, Hélio Vilar, Laís Pires e Cris Mascarenhas, com total concordância de Leny.

“Há ainda quem imagine que o Retiro dos Artistas seja um simples asilo, que acolhe pessoas da classe artística, de idade avançada ou com limitações físicas. Prefiro chamar de condomínio dos artistas, pois quem vai residir ali ocupa uma das 60 casas existentes. A de Leny tem sala, dois quartos, varanda e quintal. Além disso, recebe um tratamento digno, que inclui cinco refeições diárias, cuidados de médicos e fisioterapeutas e recreação”, conta a produtora Eliana Peranzetta.

Segundo ela, Leny é vizinha de Helena de Lima, cantora que fez sucesso na década de 1960, hoje com 92 anos. Outros moradores são Edir de Castro, ex-integrante do grupo Frenéticas; o compositor Sérgio Natureza e o jornalista Sérgio Noronha — um dos últimos a se instalar ali e ex-comentarista esportivo da TV Globo. Eliana diz que Leny está feliz na nova residência. “Ela morava sozinha num apartamento alugado em Botafogo, pois não tinha mais nenhum familiar em sua companhia. Não teve filho, perdeu a mãe há algum tempo, e o irmão Dudu, que era músico. Aos 75 anos, mantém a mesma disposição para fazer shows e a bela voz que a consagrou.”

FELIZ DA VIDA

“Estou recebendo um tratamento de rainha, bem instalada numa casa maravilhosa e comendo do bom e do melhor, sem pagar um tostão.” Foi assim, com seu jeito descontraído de ser, que Leny Andrade reagiu ao ser perguntada como se sentia na nova morada no Retiro dos Artistas, para onde se mudou no último dia 3. “Vim para cá a convite do meu querido amigo Sthepan Nercessian e fiquei felicíssima”, acrescentou.

Leny considerou um “presente dos deuses” a homenagem que recebeu dos seus amigos músicos, cantores e compositores no Blue Note. “Para mim, foi uma prova a mais de como sou querida pelos meus amigos da música. Tudo foi feito com muito carinho. Embora estivesse lá como espectadora, não resisti ao ouvir os primeiros acordes de Estamos aí, um clássico que ajudei a eternizar, e subi ao palco para cantar com eles”, celebra. “Depois fomos comemorar na Fiorentina – tradicional restaurante localizado no Leme –, que considero o meu escritório”, diz, em tom brincalhão.

Uma das organizadoras do show em que Leny foi homenageada, Ivone Belém, mulher e produtora de João Donato, ressalta a importância da cantora para a música popular brasileira. “O fato de ter ido morar no Retiro dos Artistas não significa que a carreira dela esteja em declínio. No próprio Blue Note, Leny se apresentou em dezembro, fazendo um tributo a Tom Jobim, de quem foi amiga.”

Diretor e produtor musical dos últimos trabalhos – no palco e em disco – de Cauby Peixoto e Ângela Maria, Thiago Marques Luiz tem se dedicado a conduzir a trajetória de veteranos artistas. Um dos seus projetos mais recentes foi o CD comemorativo dos 60 anos da bossa nova, que reuniu as cantoras Claudete Soares e Alaíde Costa.

Ele entende que a ida de Leny Andrade para o Retiro dos Artistas vai fazer muito bem à diva do jazz. “Em geral, as pessoas têm uma visão preconceituosa do Retiro dos Artistas. Seria bom que aquela instituição tivesse condições de acolher um número ainda maior de quem tanto fez pela arte e cultura brasileiras e levou alegria para muita gente. Lá eles têm acolhimento digno, convivência agradável, alimentação decente e cuidados médicos e fogem da solidão.” Thiago adianta que, a exemplo do que ocorreu no Blue Note, no Rio, no mês de março, vai produzir, em São Paulo, um show para celebrar Leny Andrade.

O produtor vê com tristeza o fato de muitos artistas da música popular brasileira que alcançaram o estrelato chegarem ao fim da carreira em situação difícil financeiramente. “Boa parte deles, mesmo fazendo muito sucesso, não conseguiu construir um patrimônio. O Cauby, por exemplo, não chegou a sequer adquirir um imóvel. Ele morava bem, num apartamento em Higienópolis, em São Paulo, mas era de aluguel. A Ângela, apesar de ter sido explorada em boa parte da carreira, conseguiu chegar ao fim da vida em situação confortável e isso se deveu, em parte, por ter o Daniel D’Ângelo ao seu lado, como marido e empresário.”

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