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Pela primeira vez, Zezé Motta faz disco dedicado completamente ao samba

Nas manifestações pelas Diretas Já, ainda sob a Ditadura Militar, uma das músicas mais ouvidas era Senhora Liberdade, de Wilson Moreira e Nei Lopes, na voz de Zezé Motta. Quase 40 anos depois, no show que tem feito para lançar o álbum O samba mandou me chamar, quando interpreta esse clássico da MPB, a cantora pede ao público para fazer coro, em forma de oração.

O samba mandou me chamar é o 8º título da discografia de Zezé, iniciada em 1978, com o lançamento de LP que leva o seu nome. Antes, havia gravado um bolachão com Gerson Conrad (ex-Secos & Molhados), marco na sua carreira musical. À época, ela já fazia sucesso como atriz de teatro, tendo participado de peças, como Roda viva (Chico Buarque de Holanda) e Arena canta Zumbi (Gian Francesco Guarnieri e Augusto Boal). Tempos depois, daria vida a Xica da Silva, seu personagem mais emblemático.

Embora seja intérprete de outros estilos, a intimidade de Zezé com o samba vem de muito tempo. Em 2000, por exemplo, gravou Divina saudade, CD com diversos sambas-canção do legado de Elizeth Cardoso. Mas esse projeto de agora é o primeiro totalmente dedicado ao nosso gênero musical mais representativo.

Zezé estava há sete anos longe dos estúdios. O último disco dela havia sido Negra melodia, com o qual homenageou Luiz Melodia e Jards Macalé.
Lançamento da Coqueiro Verde Records, O samba mandou me chamar tem produção de Celso Santhana, que criou arranjos populares, buscando valorizar ainda mais os sambas —  a maioria deles inéditos —  compostos por jovens compositores e alguns bambas.

Tom romântico

Nas 13 faixas predomina o tom romântico, a começar por Ficar ao seu lado (Christiano Moreno e Flavinho Silva), escancarada declaração de amor, cheio de sensualidade, ouvida na abertura do repertório. Já Batuque de Angola (André Karta Markada e Juninho Mangueira), é um cadenciado samba de terreiro. Ambos foram incluídos na trilha sonora da novela Ouro verde, exibida pela TVI de Portugal, em 2017, que teve Zezé como uma das protagonistas.

São destaques no CD Nós dois, de Arlindo Cruz (em parceria com Maurição), que gravou o samba com Zezé, antes da internação hospitalar por conta de um acidente vascular cerebral; e a também romântica Alma gêmea, criação de Xande de Pilares. Ambas inéditas, assim como o samba-dor-de-cotovelo Poeira varrida (Carlinhos da Ceasa e Darcy Maravilha), Vou te provar (Marquinhos PQD e André Renato), A primavera se despede (Serginho Procópio e Ferreira Meu Bem), Na hora de partir (Serginho Meriti e Claudinho Guimarães) e Samba da amizade (Flávio Lima).

De Lourenço (autor de Sorte grande, sucesso de Ivete Sangalo), morto há um ano, Zezé ganhou Missão, uma espécie de ode ao ato de cantar, que num trecho da letra diz: “Vou pelos palcos da vida,vou/ Fazer o povo brilhar/ Coisa de bamba/ Vou vendo o povo aplaudir/ O show continuar/ Cantar meu samba”. Há duas regravações: Mais um na multidão (Erasmo Carlos, Marisa Monte e Carlinhos Brown); e Louco, samba clássico de Wilson Batista e Henrique de Almeida.

Em ritmo de empolgação o CD chega ao fim com um pot pourri que reúne as inéditas Já pode chegar (Christiano Moreno, Paulinho Carvalho e Fábio Siri) e Vem (Ciraninho, Leandro Fregonesi e Rafael dos Santos) com a consagrada Caciqueando, o hino do bloco Cacique de Ramos, criação de Noca da Portela, Valmir e Amauri. Nesta autêntica roda de samba, Zezé tem em sua companhia Christiano Moreno e os grupos Bom Gosto e Fundo de Quintal, representado por Ronaldinho e Sereno.

 
Entrevista / Zezé Motta

Como surgiu a possibilidade de gravar o Samba mandou me chamar?
Como nos últimos tempos me envolvi com outros projetos ligados a cinema e televisão, estava sem gravar um disco há sete anos. O último havia sido Negra melodia, só com músicas de Luiz Melodia e Jards Macalé.
Aí, surgiu a possibilidade de fazer O samba mandou me chamar. Numa conversa com meu empresário, Marcos Montenegro, disse que queria gravar um disco em que viesse a cantar sambas de jovens compositores e nomes consagrados. Recebi vários sambas e fui formando o repertório. A maioria das músicas é de gente nova, mas tem também as compostas por Wilson Batista, Arlindo Cruz, Xande de Pilares, Erasmo Carlos, Marisa Monte e Carlinhos Brown.

Mais um na multidão, de Erasmo, Marisa e Brown não é inédita, nem é samba. Por que quis gravá-la?
É uma música bonita, originalmente uma canção, para a qual foi criada uma nova versão, em ritmo de samba soul.

E Louco, um clássico da obra de Wilson Batista, foi outra escolha sua?
Quis resgatar esse samba lindo e fazer um tributo a esse compositor que faz parte da história do gênero.

Foi sua a ideia da empolgante roda de samba no final?
Era algo que eu queria , mas tomou uma proporção ainda maior com a participação dos grupos Bom Gosto e Fundo de Quintal, representado por Ronaldinho e Sereno. O Chris (Christiano Moreno, jovem compositor coautor de Já pode chegar, um dos sambas do medley e um dos produtores do CD), também tem a ver com isso.

Como você homenageou Luis Melodia no CD anterior, optou por não prestar um tributo a ele no disco de agora?
Fiquei tentada, mas acabei não o regravando. No show de lançamento de O samba mandou me chamar o homenageio com Dores e amores. Conheci o Luiz em 1978, quando gravei Dores e amores e Magrelinha, no meu segundo LP, o Prazer, Zezé, em 1978.
Mas só viemos a nos tornar amigos no ano seguinte, quando participamos do Projeto Pixinguinha, tendo Marina Lima como convidada. Fizemos shows em várias capitais inclusive Brasília, onde nos apresentamos no Teatro da Escola Parque.

Vai ter turnê de O samba mandou me chamar?
Fiz o lançamento no Rio, no Theatro Net. No show homenageio Luiz Melodia e Dona Ivone Lara. Devemos fazer turnê, sim, e queremos levar o show a Brasília, onde sempre tenho ótima acolhida. A última vez que estive aí, cumpri curta temporada na Caixa Cultural.
 

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