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Martinho da Vila traz temas como política e racismo em 'Bandeira da fé'

No ano em que completou 80 anos, o sambista Martinho da Vila já tinha decidido que a forma de comemorar a chegada da idade seria com o lançamento do disco Alô, Vila Isabeeeel!!!, em que celebrou o repertório da escola de samba do coração. Na época, até decretou que esse seria o seu último álbum. “Mas as pessoas que me cercam ficavam falando “tem que ter um disco de 80 anos”. Peguei algumas composições que já tinha e resolvi fazer”, conta o artista em entrevista ao Correio.
 
Assim surgiu Bandeira da fé, o 48º álbum da carreira do carioca, lançado na última sexta-feira nas plataformas digitais. O disco leva o nome de um clássico samba de breque escrito por Martinho em parceria com Zé Catimba em 1983 e, até então, gravado apenas por Luiz Carlos da Vila e Agepê. “Eu nunca tinha gravado essa música, mas como esse é um disco que retrata muito o momento atual brasileiro, essa música cabia direitinho. Ela sintetiza tudo”, revela.

“Vamos nos unir que eu sei que há jeito/ E mostrar que nós temos direito/ Pelo menos a compreensão/ Senão um dia/ Por qualquer pretexto/ Nos botam cabresto e nos dão ração/ Pra lutar pelos nossos direitos/ Temos que organizar um mutirão/ E abrir o nosso peito contra a lei/ Do circo e pão”, diz a letra da canção escrita na época das Diretas já.

A música entrou no repertório assim que o disco começou a seguir esse caminho mais contemporâneo e de debate. “Às vezes, eu começo a fazer uma coisa e acaba tomando outro caminho.
Pensei em fazer um disco só de homenagens, que fossem relativas aos meus 80 anos, para falar das coisas que gosto. Mas acabou tomando esse rumo. Não dá para não ser influenciado pelo meio em que a gente vive”, explica.

Contemporaneidade - Situação política, racismo, papel da mulher e negritude estão entre os temas principais de Bandeira da fé e aparecem em canções como O sonho continua (gravada com o rapper Rappin’ Hood); Zumbi dos Palmares, Zumbi; e Ser mulher (com narração da apresentadora e jornalista Glória Maria).

Essa temática mais moderna Martinho atribui não apenas ao momento atual, mas também à presença de artistas da nova geração que trabalharam com ele anteriormente em De bem com a vida, de 2016, na concepção agora de Bandeira de fé. São eles os músicos Gabriel de Aquino (violão), Alan Monteiro (cavaco), Gabriel Policarpo (percussão), Bernardo Aguiar (percussão) e João Rafael (baixo acústico). “Peguei esses cinco rapazes novos, que já andaram comigo outras vezes, e fomos para o estúdio. As coisas foram acontecendo. Foi um disco feito coletivamente dentro do estúdio mesmo.
Então veio isso aí, a influência de outros ritmos (como o rap, o forró e o fado português) e essa fala do momento atual”, conta.

O disco também tem espaço para a contemplação do samba, ritmo que tornou Martinho da Vila famoso, que é celebrado em faixas como Ó que saudade, Depois não sei e O rei dos carnavais. Na última, Martinho presta um tributo a Moreira da Silva e Zé Ketti e, de certa forma, também faz uma autobiografia. “Meu gosto é penetrar os ouvidos/ Balançar os corpos/ Atingir os sentidos/ A voz do morro sou eu mesmo, sim, senhor!”, canta o sambista.

Como de costume, Martinho da Vila divide os vocais com convidados. Dessa vez, os filhos Martn’ália e Tunico da Vila aparecem em A tal brisa da manhã e Baixou na avenida, respectivamente. “Eu e Mart’nália já trocamos figurinhas muitas vezes. É uma música que fala do trabalho, da batalha grande por aí. O Tunico é meu outro filho com quem divido uma faixa. Acho que tá bom, né? (Risos)”, revela.

“O Rappin’ Hood, a gente tinha feito essa música para o disco dele, mas acabou que ele não tinha gravado ainda.
Falei para gravarmos e aproveitamos para atualizar a música. A gente trouxe uma contextualizada para os dias de hoje. A Glória Maria eu convidei porque é uma música que fala da mulher e se encaixa muito bem na vida dela”, completa Martinho.


Bandeira da fé
Martinho da Vila. Sony Music, 12 faixas. Disponível nas plataformas digitais.


Duas perguntas / Martinho da Vila

O senhor falou sobre a possibilidade de esse ser o último disco. Será mesmo?
O que eu acho positivo é que hoje dá para fazer uma música ou duas e lançar nas redes. Hoje está tudo mesmo digital, o físico não está muito em alta. Então, o que posso dizer é que... dá para fazer mais. (Risos).

Em O sonho continua, há uma frase que chama muita atenção pela atualidade “o que mais me preocupa é o silêncio dos bons”.
Como o senhor vê a situação atual do país?
Essa não é uma frase minha, é uma frase de Luther King, em que ele dizia “o que mais preocupa não é o grito dos maus, mas os bons se silenciarem”. Isso é muito preocupante. Eu digo que o que mais me preocupa hoje é a falta de algumas militâncias fortes. É isso.
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