BH recebe show do ex-vocalista do Talking Heads David Byrne

Depois de se apresentar no Lollapalooza, músico vem a Minas acompanhado por 11 músicos, em performance que mistura antigos sucessos e novas canções, mas exclui principal hit

por Mariana Peixoto 28/03/2018 08:00
GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP
Byrne durante apresentação no Lollapalooza, em São Paulo, no último fim de semana (foto: GETTY IMAGES NORTH AMERICA/AFP)
Difícil imaginar alguém tão cool quanto David Byrne, o líder dos Talking Heads (1975-1991), banda que definiu a new wave, estilo que dominou a música pop entre as décadas de 1970 e 1980.

O escocês que vive desde sempre em Nova York abandonou o carro e adotou a bicicleta como meio de transporte desde os anos 1980, muito antes de a moda tomar os grandes centros – escreveu até um livro sobre isso, Diários de bicicleta (2011).

Fala uma ou outra palavra em português, mas seu escritório exibe o (inclusivo) nome de Todomundo. É rato de sebo desde sempre. Foi, inclusive, num deles que descobriu um antigo LP de Tom Zé (Estudando o samba, de 1976), resolveu lançá-lo por seu selo, Luaka Bop, e tirou o baiano do ostracismo em que se encontrava no final dos anos 1980.

Participou de performances em teatro e dança; compôs ópera com o mais comercial dos produtores, Norman Cook, o Fatboy Slim; dirigiu seus próprios filmes e protagonizou o mais importante filme-concerto da história, título que Stop making sense, lançado por Jonathan Demme em 1984, carrega há décadas. Ganhou até um Oscar – dividido com Ryuichi Sakamoto e Cong Su em 1988, pela trilha de O último imperador, de Bernardo Bertolucci.

Nada disso será mostrado nesta quinta-feira (29) à noite, quando Byrne subir ao palco do KM de Vantagens Hall. Mas tudo isso estará nas entrelinhas do show em Belo Horizonte, que encerra a temporada sul-americana da recém-estreada turnê American utopia – título de seu novo álbum, lançado no início deste mês.

Pelo que a TV mostrou durante a transmissão do festival Lollapalooza, em São Paulo, Byrne, aos 65 anos, continua fazendo muito sentido. Nada de shows requentados de velhos ídolos. O que ele está fazendo em cena é música do mundo (ele odeia o rótulo world music), performática, atual, que dialoga com o passado – estão lá hits dos Talking Heads Burning down the house e Once in a lifetime –, mas sem nenhuma nostalgia.

Ao lado de 11 músicos – incluindo seis percussionistas, três deles os brasileiros Gustavo Leite, Mauro Refosco e Davi Vieira –, todos de terno cinza, Byrne se mostra com pleno domínio de cena, que inclui até um cérebro de plástico.

Na entrevista a seguir, concedida ao EM por telefone, Byrne fala principalmente do prazer com a nova turnê. E explica, antes que um desavisado vá ao show esperando entoar o refrão “fa fa fa fa fa fa fa”, porque não está tocando Psycho killer.


DAVID BYRNE
Show da turnê American utopia. Hoje, às 21h, no KM de Vantagens Hall (Av. Nossa Senhora do Carmo, 230, São Pedro, (31) 3209-8989). Abertura às 20h, com Karina Zeviani. Ingressos: 2º lote: R$ 240 e R$ 120 (meia); 3º lote: R$ 280 e R$ 140 (meia); 4º lote: R$ 320 e R$ 160 (meia). À venda na bilheteria e pelo site www.ticketsforfun.com.br.


Em 40 anos de música, o início de uma turnê ainda é algo singular?
Tem sido bem interessante. Sei que o começo de uma turnê é sempre um pouco arriscado, pois uma parte do público não está familiarizada com o material novo. Mas esse show é tão incomum, que acho que as pessoas, mesmo não conhecendo tudo, vão aproveitar. E elas conhecem os hits dos Talking Heads e também algumas outras músicas. Os arranjos (as canções antigas) são novos, mas próximos dos originais. E com seis percussionistas no palco é um show bem vivo, com muito ritmo.

American utopia é seu primeiro álbum solo em 14 anos. Mas nesse período você gravou trabalhos com St Vincent, Fatboy Slim. Um trabalho solo é sempre diferente?

Muito. Sempre trabalhei com muitos músicos, gosto de ter colaboradores. Agora, num disco solo, a decisão final é sempre minha. Então, há muita responsabilidade aqui. Por outro lado, posso correr os riscos que quiser, não preciso esperar o OK de mais ninguém. Então, o que posso dizer é que estou aproveitando e muito.

A América, nos dias de hoje, só pode ser pensada como uma utopia? Dar o título de American utopia ao novo álbum foi uma maneira de não pensar na América de Trump?
Sim. Tento fazer justamente o oposto. Acho que hoje existe um desejo entre as pessoas de encontrar alguma coisa melhor porque o que está acontecendo não é só nos EUA, como também no Brasil e em vários outros lugares. E a despeito de tudo o que está se passando, as pessoas ainda têm a vontade de encontrar novas possibilidades, diferentes maneiras de viver em sociedade. Ainda há esperança.

Então você é um otimista.
De certa maneira, apesar de ter que ser realista em boa parte do tempo.

Você compõe trilha para cinema, já fez filmes, participou de performances artísticas, escreveu livro. Mas a música é seu principal meio de expressão, não?
Psicologicamente, é o mais catártico e o de que gosto mais. Por outro lado, há certas questões que acho bem difíceis de lidar na música. Se quero falar sobre política, por exemplo, para mim vai ser impossível compor tratando do tema. É melhor então escrever um artigo para um jornal ou para um site.

Fazer música hoje em dia é mais fácil do que nos anos 1980?
A tecnologia deixou tudo mais fácil e barato. Hoje, não se gasta tanto tempo nem dinheiro num estúdio. Agora, fazer com que a música chegue lá, seja ouvida, e conseguir dinheiro com ela é muito mais difícil. Este ano, por exemplo, vou fazer quase 90 shows. É muita coisa. Fico pensando como jovens artistas vão ganhar dinheiro, sobreviver. Essa parte é difícil para todos, mesmo que a música seja incrível.

Você é um crítico dos serviços de streaming. Eles são um mal necessário?
Acho que eles têm que sofrer ajustes. O YouTube é ridículo, eles não pagam praticamente nada, é quase como pirataria. Os outros serviços pagam melhor, mas têm que ser melhorados. Na minha opinião, o Spotify teria que limitar o acesso gratuito. A Apple já faz isso, dando alguns meses de graça até que a pessoa decida se vai assinar ou não. Ao chamar mais assinantes, os serviços funcionariam muito melhor tanto para músicos quanto para as gravadoras.

Psycho killer é seu maior hit e não está na nova turnê. Por que não a incluiu?
Não tenho nenhum problema com essa música, só achei que ela não combina com o que estamos fazendo no novo show. E temos tantas outras músicas que as pessoas gostam e que combinam mais que, para mim, está OK.


Playlist feminina

Caetano Veloso, Margareth Menezes, Olodum, Marisa Monte, Tiê, Forró in the Dark. A lista de brasileiros que já gravaram com David Byrne é extensa. E ela poderá aumentar, já que o músico se mantém informado sobre o que é produzido no Brasil. A pedido do EM, Byrne deu uma rápida geral em sua playlist. De lá, saíram nomes como Céu (“Já a vi em vários shows”); Luísa Maita (“Eu a vi recentemente numa apresentação em Nova York”); Karina Zeviani (“É claro, ainda mais porque está fazendo meus shows de abertura”) e Alessandra Leão (cantora e compositora pernambucana, uma das fundadoras do grupo Comadre Fulozinha). O único grupo citado por Byrne, a banda carioca Tono (“O Mauro Refosco que me recomendou”), é um quarteto com a vocalista Ana Cláudia Lomelino.

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