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Cantor retorna aos standards clássicos do jazz e consegue imprimir estilo próprio

- Foto: Divulgação
Bom gosto é questão de detalhe, dizia o slogan da Rádio Guarani FM. Bom gosto é o que não falta ao cantor João Senise. Intérprete de repertório impecável, feliz na escolha dos músicos que dividem com ele o estúdio, João vem construindo uma carreira sólida em pouco tempo. Desde a estreia, em 2013, com o jazzístico Just in time, ele fez um disco em homenagem a Sinatra, outro a Ivan Lins, um terceiro com a interseção entre jazz e bossa e, agora, volta ao jazz no quinto álbum, Love letters.

Com maturidade surpreendente aos 28 anos, ele desfila a voz grave e bem colocada por standards do jazz cantadas e relidas centenas de vezes por cantores e cantoras de várias gerações, mas soa como se não sentisse o peso das comparações. A sequência inicial é matadora: What’s new, Autumm leaves, Unforgetable, Can’t we be friends, Love letters, My funny Valentine, The way you look tonight... Mais para a suavidade Michael Bublée e Chet Baker do que para a pungência e força do ídolo Sinatra, ele vai seguindo à frente de confortáveis arranjos de Gilson Peranzzetta, apoiado por uma banda acima de qualquer suspeita, com o próprio Peranzzetta ao piano, Zeca Assumpção no baixo, Ricardo Costa na bateria, Mauro Senise nos sopros e Benson Faria e Romero Lubambo nas guitarras e violões.

Ivan Lins, que assina o texto de apresentação, recomenda “degustar com calma, em ambiente fechado” o CD de 16 faixas que ainda contém clássicos do calibre de I fall in love to easily, When I fall in love, There will be another you e Time after time. Duas faixas que João Gilberto trouxe para o universo da bossa recebem tratamentos diferentes. ‘S wonderful, dos irmãos Gershwin, soa ligeiramente apressada, e o bolero Besame mucho tem momentos um pouco caricatos, em clima de boate.

Human nature, o megahit de Michael Jackson, já havia sido apresentado ao jazz por Miles Davis.

E Senise ajuda a manter a adoção, num arranjo que remete a Ivan Lins. E Moondance, do irlandês Van Morrison, ganha suingue superior até à versão clássica do autor. Um belo encerramento do disco que confirma o acerto das escolhas do jovem cantor de jazz, um artesão no cuidado com os detalhes.

Os cantores preferidos de João Senise são, além de Sinatra, Chet Baker, Tony Bennett e Nat King Cole. “Fora do jazz, meu maior ídolo é o Michael Jackson”, confessa Senise. “Adoraria gravar um tributo a ele (o projeto está sendo maturado lentamente), mas achei que Human nature cabia perfeitamente nesse CD – além de falar de amor, foi gravada por ícones como Miles Davis. Gilson fez um arranjo pop, mas com outra pegada, colocando o baixo acústico para fazer walking bass.”

Para quem decidir ouvir o disco, o cantor tem uma sugestão: “Imaginei um CD para ser apreciado em um ambiente intimista, sozinho ou acompanhado – e, no meu caso, com um uisquinho na mão (risos). Há muitas nuances nos arranjos do Gilson e uma interpretação minha introspectiva que merecem escuta mais focada, digamos assim.”

Os temas preferidos por ele são Love letters, que dá nome ao disco, e My funny Valentine, em leitura inspirada nas gravações de Baker e Bennett.
Entre as versões que ele usou como inspiração, algumas surpresas. Moondance, por exemplo, não foi a célebre original do autor, Van Morrison, mas a leitura contemporânea de Michael Bublé. Além de João Gilberto, Diana Krall foi ouvida antes de decidir os rumos do bolero Besame mucho. E mesmo Autumn leaves, que tem centenas de versões de grandes nomes do jazz, surge na pesquisa, na voz e na guitarra de Eric Clapton, mais ligado ao rock e ao blues do que seus “concorrentes” mais tradicionais.

LOVE LETTERS
•  De João Senise
•  Fina Flor
•  16 faixas
•  R$ 29,90 ou nas plataformas digitais

FAIXA A FAIXA

Veja a seguir os comentários de João Senise sobre cada canção do disco:

»  What’s new – Gravei essa música em homenagem à minha avó paterna (era uma de suas preferidas, e na voz do Sinatra), Maria Helena. Por isso, também tem meu pai (Mauro Senise) tocando na faixa. Não sei se foi influencia dela, mas também prefiro a versão do Sinatra.
Gravação: Sinatra no álbum Sinatra sings only for the lonely.

»  Autumn leaves – Optei por um arranjo mais puxado para o blues. E o talento do Romero Lubambo foi fundamental para a ideia funcionar.
Gravação: Eric Clapton no álbum Clapton.

»  Unforgettable – Em um disco de canções românticas, não podia faltar Unforgettable. Optei pela formação clássica do jazz (piano, baixo e bateria) em vez de ir na linha do Nat, com orquestra de cordas.
Gravação: como não poderia deixar de ser, Nat King Cole.
Não sei qual o álbum.

»  Can’t we be friends – Já cantei essa música em shows (antes de gravar o CD) sozinho, cantando apenas uma parte da letra. Mas, para funcionar legal, ela pede um dueto. Por isso, resolvi convidar a cantora hondurenha Indiana Nomma para dividir a faixa comigo. Conheci-a através do Osmar Milito e gostei logo de cara.
Gravação: Ella Fitzgerald & Louis Armstrong no álbum Ella & Louis.

»  Love letters – Escolhi essa canção como faixa título por captar muito bem o clima do CD (todas as canções falam de amor). O arranjo segue na linha bossa nova até porque, como disse, a bossa nova é o jazz brasileiro e essa mistura tem tudo a ver.
Gravação: Nat King Cole no álbum
The ultimate collection.

»  My funny Valentine – Originalmente, o arranjo previa um sax-alto. Mas, na hora da gravação, Gilson esqueceu e acabou fazendo o solo que seria do meu pai. Ficou tão bom que resolvemos manter assim. Foi gravada de primeira!
Gravações: Chet Baker no álbum Chet Baker sings e Tony Bennett no álbum Tony sings for two numa versão piano e voz.

»  The way you look tonight – Outra música que optei por dar uma abrasileirada, numa batida de bossa nova.
Gravação: Tony Bennett. Não sei o álbum original, mas é a versão presente na coletânea Rarities, outtakes & other delights, vol 2.

»  Angel eyes – Arranjo meio “blueseado”, com destaque para o solo do meu pai.
Gravações: Sinatra, acho que é no álbum Sinatra at the sandsi e Ella Fitzgerald no álbum Lullabies of birdland.

»  ‘S wonderful – Apesar de ter sido composta na década de 1920 para um musical, acabou virando um grande hit da bossa nova. Para mim, o grande barato desse arranjo é que, com o violão e o baixo fazendo a pulsação, o Gilson ficou totalmente livre para fazer comentários ao longo da música, mesmo fora do solo de piano.
Gravação: João Gilberto no antológico
álbum Amoroso, um dos melhores discos da música brasileira!

»  I fall in love too easily – Balada curtinha (e linda).
Como sempre faço, dou muito espaço para os músicos improvisarem – o que é raro em disco de cantor. Nessa faixa, por exemplo, só canto metade do tempo.
Gravação: Chet Baker no álbum Chet Baker sings.

»  Human nature – Gravar Michael Jackson é sempre um risco pela inevitável comparação entre as versões. Mas a saída que Gilson arranjou foi perfeita: manter o pop, mas colocando o baixo acústico para fazer o walking bass.
Gravação: Michael Jackson no álbum Thriller.

»  Besame mucho
– No arranjo, vale destacar a guitarra “quente”, meio hispânica do Romero Lubambo e a levada de bolero.
Gravação: João Gilberto no álbum Amoroso e Diana Krall no álbum The look of love.

»  When I fall in love – Mesma opinião da música Unforgettable.
Gravação: Nat King Cole, não sei o álbum, mas é a versão com cordas.

»  There will never be another you – Gosto muito da introdução e do final criados pelo Gilson. Acho que é o diferencial desse arranjo.
Gravação: Chet Baker no álbum Chet Baker sings.

»  Time after time
– Uma das músicas de que mais gosto também. Foi uma das primeiras que escolhi para gravar neste CD.
Gravação: Chet Baker no álbum Chet Baker sings.

»  Moondance – A ideia original era um arranjo mais pancada, com um quinteto de sopros. Mas, assim como aconteceu com My funny Valentine, eu e Gilson achamos que não era necessário colocar complementos.
Gravação: Michael Bublé no álbum
Michael Bublé..