Do Bemol ao Minério de Ferro: conheça estúdios de gravação de BH

Mercado se mantém em forma com casas de médio e pequeno portes e locais exclusivos, como o estúdio do Jota Quest

JAIR AMARAL/EM/D.A.PRESS
Dirceu e Ricardo Cheib, do Bemol (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A.PRESS)
Belo Horizonte tinha 70 anos quando ganhou o seu primeiro estúdio, o Bemol. A primeira gravação foi do LP Noite de lua, do violonista José Vicente, de Cruzília, no Sul de Minas. Aliás, a empreitada dos advogados e sócios Dirceu Cheib e Célio Gonzaga foi pioneira não só em Minas, mas no Brasil. “Havia poucos estúdios profissionais no país. Em 1962, meu pai e o Célio foram para São Paulo e conheceram o maestro Edmundo Peruzzi. Eles se encantaram com essa questão da produção musical. Quando voltaram, decidiram criar um selo, o MGL. Foi assim que tudo começou”, conta o músico e engenheiro de som Ricardo Cheib, que comanda o estúdio, ao lado de Dirceu, de 81 anos.

A grande maioria dos músicos mineiros estreou ou passou por ali. Seja na primeira sede, no Caiçara, na segunda, em Lourdes, ou na atual, na Serra. Milton Nascimento, Uakti, Marcus Viana e Sagrado Coração da Terra, Esdra Ferreira, o Neném, Fernanda Takai e o pessoal do Pato Fu, Clara Nunes, Toninho Horta e até o presidente Juscelino Kubitschek, que gravou um disco de serestas. Foi lá também que foram registradas trilhas de cinema – Lavoura arcaica (Marco Antônio Guimarães), Cabaré mineiro (Tavinho Moura) e A dança dos bonecos (Nivaldo Ornelas) – e de espetáculos do Grupo Corpo, como Bach (Marco Antônio Guimarães), 21 (Uakti), e Maria Maria (Milton Nascimento/Fernando Brant).

“O Bemol está no mercado há 50 anos e não é fácil. Muitas mudanças ocorreram ao longo do tempo. Gravadoras e grandes estúdios fecharam as portas e muita gente passou a ter o chamado estúdio caseiro. Sempre abrimos as portas para todos os artistas, sem exceção. E continuamos a investir em tecnologia, em infraestrutura. Apesar da concorrência e de toda essa revolução digital, nossa produção continua a todo vapor e com qualidade”, diz Ricardo Cheib.

Se há meio século o Bemol imperava, hoje BH tem de 12 a 15 estúdios de médio e grande portes. Alguns até passaram a receber artistas de fora, como o Minério de Ferro, da banda Jota Quest, que funciona desde 2007 no Belvedere. O baterista Paulinho Fonseca conta que, já nos seus primórdios, a banda tinha os seus “embriões de estúdio” – a garagem da casa de alguém ou até uma boate em um casarão na Pampulha. O Jota cresceu, e os músicos sentiram a necessidade de criar algo maior.

Bruno Paraguai/Divulgação
Jota Quest e o produtor Liminha no Minério de Ferro (foto: Bruno Paraguai/Divulgação)
“A gente sempre gravava aqui, mas mixava fora. Mas queríamos começar e finalizar o processo em BH. Daí a ideia de fazer Minério de Ferro, que virou uma referência. Tem toda uma estrutura de ponta mesmo. Ele não tem foco comercial, mas a gente abre de vez em quando para projetos de amigos. Samuel Rosa já fez coisas aqui, Paula Fernandes, Tianastácia, 14 Bis, e algumas bandas de fora do estado”, conta.

Paulinho ressalta a importância de o Jota Quest ter seu próprio estúdio e as facilidades que isso trouxe. “Ele não se tornou só o lugar para gravar, mas para fazer vinhetas, chamadas de show, ensaiar. Se não tivéssemos o estúdio, a gente não ia produzir como produz. O estúdio é um ponto de união. Quando os cinco entram lá, as coisas acontecem”, afirma.

 

Muitos artistas e bandas passaram a investir no próprio estúdio. O cantor e compositor Flávio Venturini mantém o seu dentro de casa, no Retiro das Pedras. “Gravo lá e também no Rio. Ele funciona eventualmente, mas, de vez em quando, abro para projetos de outras pessoas, como aconteceu com a gravação da trilha do filme As mães de Chico Xavier. Virou também um lugar para ensaiar, tocar, reunir os amigos”, diz. Flávio celebra o fato de a cidade ter cada vez mais estúdios de qualidade. “Quando comecei, só havia o Bemol. Hoje, temos vários que são referência não só no Brasil, mas até fora. Isso é muito bacana.”

STATUS
Sobretudo a partir do ano 2000, muita gente começou a investir nesse ramo e percebeu que o negócio poderia até ser rentável. “Estúdio não é para aventureiro. A gente tem que focar em alguma coisa, definir o público e trabalhar muito. Aí você consegue um trabalho satisfatório”, diz o músico e jornalista Dandan Gallagher, um dos proprietários do Peregrino Studio Music, no São Pedro. No caso dele, a empreitada uniu o útil ao agradável, já que ele sempre quis trabalhar com música.

“O Peregrino recebe muitos artistas, virou lugar para ensaios, para preparação de turnê. Mas, pela minha formação em comunicação, decidi focar mais em trabalhos voltados para a publicidade”, diz. Dandan observa que a cidade tem até atraído gente de fora para gravar aqui, mas lamenta que alguns artistas mineiros ainda prefiram gravar longe das Gerais, em sua opinião por uma questão de status. “Tem quem ache bacana falar que gravou no Rio ou em São Paulo. Acha bonito para a imagem. Mas temos estúdios do mesmo nível e com um custo/benefício bem menor”, comenta.

Mesmo quem não tem uma megaestrutura consegue desenvolver produções interessantes. Fabrício Galvani, do Casa Antiga, comenta sobre como a revolução tecnológica afetou os estúdios tradicionais. Ele acredita que os equipamentos modernos permitiram a democratização do setor, possibilitando que pessoas sem tanto poder aquisitivo conseguissem montar o próprio estúdio. “Isso criou um mercado, uma nova categoria e não é algo que ocorreu só no Brasil. É uma tendência mundial. O chamado ‘estúdio do produtor’, que é o meu caso, vem conquistando cada vez mais espaço”, afirma.

Para Fabrício, esses estúdios de pequeno e médio portes colaboram bastante no mercado e na cadeia produtiva. “Em BH, a gente tem muito disso. São estúdios com qualidade de ponta, com equipamentos modernos para mixar, montar e uma excelente acústica, mas com uma estrutura mais enxuta e acessível.”

Apesar da concorrência, o produtor faz questão de manter contato e parcerias com os colegas da área. Galvani acredita que isso fortalece o mercado. “Tem aquele estúdio que é mais voltado para um determinado estilo musical ou etapa de processo. Se sei que tem um que é melhor em heavy metal de hip-hop, por exemplo, indico. Existe concorrência, mas um ajuda o outro, até porque há um mercado desleal que é o chamado estúdio caseiro, que joga o preço lá embaixo. Tem que haver essa colaboração”, defende.

Um dos parceiros de Fabrício é Sérgio Giffoni, do Estúdio Giffoni, que, inclusive, fica localizado próximo ao Casa Antiga. “Até isso facilita. Nós dois, que já fomos sócios, estamos no São Lucas. Mesmo com estúdios separados, continuamos trabalhando juntos. A masterização dos discos que gravo aqui faço lá no Fabrício. Quando vou comprar algum material, microfone, sempre me lembro dele”, diz Giffoni.

Apesar de o espaço ser aberto a todos os gêneros musicais, ele acabou ficando conhecido como produtor de rap e hip-hop. Em seu estúdio foram gravados os discos do coletivo Família de Rua e o do grupo Julgamento. Este último será lançado no fim do mês, dentro da programação do Verão Arte Contemporânea (VAC). “Fiz muito trabalho nessa área, que é uma cena forte em BH, mas a gente grava de tudo. A agenda é intensa. Ralamos de segunda a sexta e, se bobear, fim de semana. Mesmo com esses tempos de crise, damos um jeito. Faz uma adequação do orçamento, uma permuta. O importante é continuar produzindo e agradando ao cliente.”

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