Crítica: ''Paul McCartney comanda mais uma noite inesquecível no Mineirão''

Na segunda passagem por Belo Horizonte, Beatle comanda show em que conecta com passado, dialoga com o presente e acena para o futuro

Carlos Marcelo
Em um medley acústico, Paul resgatou a forma brilhante do início dos Beatles - Foto: T4F/Divulgação
A senha para a longevidade de Paul McCartney está nas imagens projetadas antes do show: trechos de vídeos e clipes de diversas décadas; ele, John, George, Ringo, Linda, todos em movimento. Para McCartney, o passado não ficou para trás. Dialoga com o presente, acena para o futuro. E assim, mesmo sem repetir a catarse da primeira visita a BH, o beatle conseguiu novamente comandar uma noite inesquecível no Mineirão. Sua dedicação para oferecer o que tem de melhor impressiona. Pelos milhares de sorrisos (e algumas lágrimas) ao final, ainda emociona.

McCartney não ganhou o jogo de cara. Depois de uma versão morna de A hard day’s night, a escolha pelo rock sem encanto de Save us como a segunda música do repertório gelou o público, que parecia reagir com menos intensidade do que o de 2013. Mesmo encorpada, Letting go, do repertório dos Wings, também não ajudou – teria sido mais fácil conquistar de cara se as opções tivessem sido Jet e Got to get you into my life, tocadas em Porto Alegre.
Os cabelos brancos nas têmporas, enfim assumidos, a postura um pouco arqueada, a voz poupada dos tons mais altos em Let me roll it indicavam que os efeitos do tempo, inexoráveis, haviam chegado. Mas, em vez de confrontá-los, aquele homem de 75 anos soube transformá-los em aliados. ''I’ve got a feeling, a feeling deep inside'', anunciou. E o sentimento se fez presente.

A garganta, talvez prejudicada pelo vento e chuva no Sul, foi poupada no início para esquentar de vez na segunda metade da apresentação, logo depois de um medley acústico que resgatou de forma brilhante o início dos Beatles. Na homenagem a George Harrison, com a interpretação tocante e grandiloquente de Something, e na poderosa Band on the run, uma das sínteses musicais da década de 1970, Paul marcou dois golaços. E pareceu mais relaxado no palco: trocou olhares cúmplices ao ler os cartazes dos fãs, brincou com a sonoridade de algumas palavras em português (''recente'', ''moços e moças'') e com os 50 anos do Sgt. Peppers.

Usou o violão como instrumento de percussão, pediu e ganhou aplausos ritmados, até rebolou. Ganhou intimidade para chamar Belo Horizonte de BH. '''Valeu, sô!''. No palco, estava em casa. O que McCartney tem a oferecer é único e intransferível: um concerto com alguns dos grandes clássicos do século 20, interpretados simultaneamente pelo compositor, maestro e eventual solista. Quem é capaz de alternar a concisão acústica de Blackbird e Yesterday (só faltou For no one) com o psicodelismo de Being for the benefit of Mr.
Kite!?
Ou passar do contrabaixo para o piano (Lady Madonna, Nineteen hundred and eighty-five) até o bis explosivo com os riffs de guitarra em Helter skelter e Birthday? Ninguém mais. E um dia ele vai voltar? ''I don’t know, I don’t know''.

Se houver uma terceira vez em BH, contudo, já imaginamos como será. Provavelmente, não seremos surpreendidos. Mas sairemos emocionados pela chance única de testemunhar – e ser cúmplices – de mais um dia na vida de um gênio da música. Get back, Paul.  Trechos de vídeos e clipes de diversas épocas foram projetados durante o show - Foto: T4F/Divulgação
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