Guilherme Arantes lança 27º álbum: 'Sou do futuro, e ele não terá só dois lados'

Disco novo é o primeiro de inéditas após caixa retrospectiva de 40 anos de carreira; artista diz achar que "são as esquisitices que poderão acrescentar alguma coisa no mundo"

por Kiko Ferreira 09/09/2017 07:42
Vania Toledo/Divulgação
(foto: Vania Toledo/Divulgação)

No ano passado, Guilherme Arantes lançou uma caixa (Guilherme Arantes 1976-2016) com sua discografia completa, impulsionado pelo interesse das novas gerações por seu trabalho. Com o sucesso de Condição humana, álbum de 2013 que agradou crítica e público, ele voltou a ser cult, in, relevante. Não estava mais só nas festas de flashback dos anos 1970 e 1980. Voltou a ser respeitado como hitmaker que sabe unir estruturas melódicas e harmônicas bem estruturadas com um sotaque radiofônico parente de colegas de geração, como Billy Joel e Elton John.

Acompanhada de um documentário sobre as quatro décadas de carreira, a caixa provocou nele uma nostalgia que se reflete no novo trabalho, Flores e cores, seu 27º e número 21 na lista de lançamentos com canções inéditas e autorais. No longo texto que acompanha o CD, ele revela que a caixa e o documentário o fizeram “mexer em arquivos lá dos primórdios”, incluindo rever papéis amarelados, “fitas em delicada decomposição”, que precisaram ser restauradas antes de uma digitalização que permitiu a ele “prestar atenção naqueles embriões” de sua trajetória na música e “experimentar uma emoção indescritível ao tocar de novo velhas baladas que fazia aos 17, 18 anos de idade”, “densas e repletas de harmonias ambiciosas, semieruditas, com claras influências do que mais ouvia na época: Cat Stevens, Aphrodite’s Child, Procol Hamrum, Emerson, Lake & Palmer, Taiguara, Egberto Gismonti”.

Com 12 faixas, como nos LPs de sua época áurea, o álbum tem uma sonoridade retrô que inclui teclados vintage, como o piano CP 70, sintetizadores e baterias eletrônicas. O compositor, que começou a despontar como parte da banda Moto Perpétuo e foi, durante anos, um autor popular, olhado com restrições pela crítica e pela elite da chamada MPB, mudou de status depois que Elis Regina gravou Aprendendo a jogar e Bethânia deu a dramaticidade certa a Brincar de viver. E assumiu lugar ao lado de outros construtores de sucessos ao mesmo tempo cultuados e populares, como Marina Lima e Lulu Santos.

Ainda na apresentação do CD, ele confessa que “Aquele Guilherme ‘eruditoide’”, pretensioso e anti-minimalista nunca morreu: perto de 50 anos depois, parte daquele estilo, de uma mente confusa de um jovem angustiado, foi gravada em disco, e o público poderá finalmente conhecer o que é que andava fazendo antes de ser alguém”. E essa sensação de estar ouvindo canções quase adolescentes, feitas ou recicladas por um senhor experiente de 63 anos, permanece por, praticamente, o disco todo.

BALADAS Do final dos anos 1960 e início dos 1970 saíram as baladas Meu jardim do éden, Happy days e Sodoma e Babel. Com Leo Gandelman pilotando o sax, A simplicidade é feliz evoca os anos 1980, assim como a radiofônica Chama de um grande amor. Outra estrela do rock brasileiro, o guitarrista Luiz Carlini (Tutti Frutti) sola em Semente da maré, composição recente que trata do atual tema dos refugiados urbanos. Já a música que dá nome ao disco revela a admiração de Arantes pelo pop nórdico e Abba e assemelhados, com destaque para os vocais de Dani Maluzzo, Marietta Vidal e Sol Ribeiro. Com influências latinas, Mais raro tesouro, Praia linda e, principalmente, Numa onda (nada no mar) puxam o disco para cima. Elas parecem tão ensolaradas quanto a bossa pop A árvore da inocência. E a influência progressiva aparece aqui e ali, com destaque para Santiago, com delicada textura de teclados.

Guilherme soa um apaixonado sem restrições nas declarações de amor e fidelidade. “A simplicidade está lá do outro lado, lá em cima, leve e solta, e não depende de nada para tornar nossas vidas melhores”, escreve ele no encarte. Essa almejada simplicidade faz com que praticamente todas as letras soem pouco sofisticadas e diretas, sem as sutilezas das melodias, harmonias e arranjos. Contemporâneo de letristas de alto calibre como Arnaldo Antunes, Antonio Cícero e Cazuza, ele cria versos como “sou semente da maré/ que na areia cai em pé/…pra correnteza não levar”(Semente da maré), “vou te amar/ sem nenhum receio/ao desvendar teu céu”(Meu jardim do Éden) e “são intimidades/ nossos mínimos detalhes/ que nos fazem perceber/ o quanto a gente é especial” (A simplicidade é feliz) que não são exatamente alta poesia. Mas, mesmo assim, colaboram para contribuir com a fórmula fácil, extremamente fácil, de um disco que combina com a vida que ele leva atualmente, morando na Bahia, numa fase de bem consigo mesmo e com a vida.

Flores e cores

Artista: Guilherme Arantes
Gravadora: Coaxo do Sapo
Preço sugerido: R$ 24,90


Três perguntas para...
Guilherme Arantes
Cantor e compositor

Flores & cores é um recomeço?
Ninguém está garantido em cima de um pedestal. Tenho meus 40 anos de carreira, muita batalha e isso não vai mudar. Sou um operário da música e tento lidar também com as peculiaridades de cada época. A caixa comemorativa deu uma empacotada na minha carreira e me deu a sensação de que agora está se abrindo um outro tempo. Por um lado, é um tempo mais complicado, por causa da maneira como a música é utilizada pela sociedade. Mas um disco novo, autoral, é sempre um desafio, pois ele te dá uma sensação de fragilidade, te deixa vulnerável. Propor as coisas de novo é gostoso, pois isso te rejuvenesce.

Hoje, com tantos anos de carreira, você acha que ainda tem que provar alguma coisa a alguém?
A gente tem que provar sempre. O passado é confortável, deixa você ali, cristalizado. Fiz muita coisa bacana, como Amanhã, Planeta água, Coisas do Brasil. Não chego a ser uma unanimidade nacional, mas essas músicas me deram reconhecimento. Agora, depois de tantos anos de carreira, você quer sair em busca de suas utopias. A minha sempre foi a de ser um Guilherme muito denso harmonicamente, com elementos sinfônicos, algo que vem do progressivo, de Gismonti, Taiguara e, principalmente, do Clube da Esquina. Eu prezava a riqueza harmônica, mas os caras (da gravadora) olhavam e falavam que não era viável, que a música existia para um propósito, que a finalidade dela era ser comercial. Quando fui olhar as fitas antigas, descobri que tinha coisas estranhas e complexas e que ainda eram afetivas para mim. Elas falavam da minha esquisitice no mundo, algo que prezo muito, principalmente com um Brasil tão polarizado.

Num país polarizado, onde você, suas esquisitices e utopias se encaixam?

Acho que estou mais para uma esquerda ambientalista. Não consigo me ver num processo liberal de direita. Agora, não chego a ser militante de nada. E se você me perguntar esquerda ou direita, vou te dizer: sou do futuro, e ele não terá só dois lados. Fui para o Japão há dois anos e descobri um país capitalista totalmente socializado. O Japão saiu diretamente do feudalismo de direita para a era da eletrônica. É um país com uma socialização grande dos bens de serviço. E essas utopias todas estão por trás da minha música. Acho que são as esquisitices que poderão acrescentar alguma coisa no mundo de hoje. (Mariana Peixoto)

“Não chego a ser uma unanimidade nacional, mas essas músicas (Amanhã, Planeta água, Coisas do Brasil) me deram reconhecimento. Agora, depois de tantos anos de carreira, você quer sair em busca de suas utopias”

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