Sanfoneiros se mobilizam para denunciar rejeição nas festas de São João

Músicos tradicionais estão sendo excluídos da programação nas grandes celebrações pelo Nordeste

por Alef Pontes 05/06/2017 08:00
Globo Filmes/divulgação
Chambinho do Acordeon, que interpretou Luiz Gonzaga na cinebiografia do Rei do Baião, lidera o movimento (foto: Globo Filmes/divulgação)
“Devolvam o nosso São-joão.” Com essa frase-manifesto, sanfoneiros denunciam a descaracterização das festas juninas realizadas no Nordeste – polo dessa manifestação cultural tipicamente brasileira. Nas redes sociais, cartazes de protesto são erguidos pelos músicos Targino Gondim, Chambinho do Acordeon, Joquinha Gonzaga, Waldonis e Flávio Leandro, entre outros.

Sobrinho de Luiz Gonzaga – e neto de Januário, pai e mestre do Rei do Baião –, Joquinha Gonzaga diz que os veteranos do forró foram praticamente excluídos dos festejos nas cidades onde se realizam as principais juninas do Nordeste.

O herdeiro do clã Gonzaga já perdeu a esperança de que os ritmos tradicionais reconquistem seu espaço nas festas juninas. “Daqui a alguns anos, vai estar escrito apenas o título ‘São-joão’. Quando você for para a grade (de programação), só terá cantores internacionais ou os nacionais do Sul do país. Os sanfoneiros que realmente são do são-joão não vão participar”, desabafa.

Joquinha diz que Gonzagão desistiria do ofício diante das festas juninas do século 21. “Tem muita coisa que evoluiu, mas evoluiu pro lado errado. Ele gostava de respeitar o povão, os fãs. Não admitia nem pessoas que trabalhassem errado nem empresário com segundas intenções”, lembra.

Para Joquinha, o problema se deve à falta de interesse do setor público e à ação de grandes empresas de entretenimento. “Eles é que montam o esquema. Os empresários estão manipulando tudo: chegam na prefeitura e compram o espaço todo. Botam quem eles querem, menos os sanfoneiros”.

A iniciativa da campanha Devolva nosso são-joão partiu de Nivaldo Expedito de Carvalho, mais conhecido como Chambinho do Acordeon, que fez o papel do Rei do Baião no filme Gonzaga: de pai para filho. A ideia surgiu no ano passado, enquanto ele interpretava o músico Targino dos 120 Baixos na novela Velho Chico (TV Globo). Quando saía pelo sertão para tocar, o personagem se deparava com situação muito parecida com a real.

EXCLUSÃO Na época da novela, Chambinho foi se apresentar na cidade baiana de Feira de Santana durante as festas juninas. Lá, emocionou-se ao conversar com J. Sobrinho, o sanfoneiro local. “Músico com articulação muito grande na região, ele me disse que em 30 anos ficaria pela primeira vez sem tocar no são-joão. Fiquei com isso na cabeça”, relembra. O episódio inspirou as cenas de Velho Chico que denunciavam a descaracterização dos festejos juninos.

Com agenda de 25 shows este mês, Chambinho diz que sua maior preocupação é com os “pequenos músicos”. “Nosso objetivo é lutar por leis para proteger os sanfoneiros que dependem do período junino para investir na carreira, comprando uma sanfona melhorzinha, e até investir na vida mesmo”, explica.

Artista conhecido, sobretudo depois da visibilidade proporcionada por Velho Chico, ele não escapou do “expurgo” dos sanfoneiros. “Estou fora das grades de grandes praças como Caruaru, Campina Grande e Mossoró. E não foi por falta de pedidos. O próprio Joquinha Gonzaga não está com uma agenda boa”, revela.

A alternativa é procurar oportunidades em pequenos locais, como casas de show e restaurantes. “Infelizmente, é preciso buscar outros lugares, porque não temos espaço onde se ganha dinheiro”, critica Joquinha. As festas de junho, lembra, costumam ser o 13º salário do sanfoneiro. “Há muito tempo estou vendo isso. Tenho a impressão de que não vai parar de piorar”, emenda.

Outro fator que tem reduzido a presença de músicos e ritmos tradicionais nas festas de são-joão nordestinas é a apropriação do espaço público por empreendimentos privados, a exemplo da “camarotização” dos festejos. “Este ano está ainda pior. Os prefeitos ficam aí dando desculpas – ‘está ruim, a grana tá difícil, então preferi vender o espaço’, mas quando a gente pergunta o preço, eles dizem: R$ 3 milhões... Alguém está levando vantagem com alguma coisa, né?”, provoca o sobrinho de Gonzagão. “Em Patos, no sertão da Paraíba, tem até Luan Santana”, aponta, referindo-se à festa marcada para 23 de junho. Luan costuma cobrar cachês milionários.

Chambinho do Acordeon não é contra a presença de artistas de outros estilos nos tradicionais eventos juninos. “São-joão é uma festa do povo, que cresceu muito. Mas exageraram na dose”, pondera. “O sertanejo também é música do sertão de Goiás e do Tocantins. Eu mesmo fui convidado para tocar em Barretos, mas em palco menor e dedicado a outros estilos, como MPB e samba”, conta, referindo-se à milionária festa do peão realizada na cidade paulista. “No Nordeste acontece o inverso: os artistas de fora comandam os palcos principais e, como opção, as prefeituras enxugam os cachês dos forrozeiros tradicionais, deslocados para espaços menores”, critica.

Questionado se a opção por “sertanejos do Sul” não seria uma estratégia para atrair o público jovem, Joquinha reage: “Não tem outra época para isso? Tem aniversário da cidade, festa do padroeiro, Natal... Por que não bota a gente para mostrar ao público jovem quem nós somos? Eles nem nos conhecem. Agora, eles botam Safadão, Chitãozinho e Xororó, que todo mundo está vendo na televisão. A gente não está sendo visto por ninguém”, desabafa.

VIVA DOMINGUINHOS Chambinho explica que a convocatória nas redes sociais é o início da mobilização que terá veiculação de um manifesto em vídeo e ação junto a prefeituras. “A gente viu o projeto Viva Dominguinhos receber cerca de 60 mil pessoas por noite, em iniciativa formada exclusivamente por forrozeiros. Então, está descartada a hipótese de que sanfoneiro não leva público”, argumenta. Recentemente, Chambinho participou em Londres, na Inglaterra, do projeto Brasil Junino ao lado de Alceu Valença e Elba Ramalho.

“Estou querendo ir de porta em porta, na casa dos sertanejos lá do Sul, e pedir a eles para saírem de férias em junho. Aí, sim, dá oportunidade para a gente tocar”, ironiza Joquinha. “Luiz Gonzaga batalhou muito por um movimento que se tornou mundial. As coisas têm que acontecer do Nordeste para o Sul – e não o inverso”, conclui Chambinho.

Os empresários estão manipulando tudo:chegam na prefeitura e compram o espaço todo. Botam quem eles querem, menos os sanfoneiros,
Joquinha Gonzaga, sobrinho de Gonzagão

A LUTA CONTINUA
Chambinho, Flávio Leandro, Targino Gondim e Joquinha Gonzaga (foto) levaram a campanha Devolvam o nosso são-joão na internet. “Achei até engraçado a gente com essa placa, igual a presidiário”, comenta Joquinha.  Forrozeiros nordestinos vêm aderindo à ideia. Entre as frases divulgadas por eles estão “São-joão é do Nordeste” e “São-joão só é grande quando tem forró”.

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