Treze anos depois de sua morte, Sabotage é lenda do hip-hop nacional. Gravou apenas um CD solo – Rap é compromisso (2000). Participou de um álbum do coletivo Instituto (2002) e da trilha sonora do filme O invasor (2002), de Beto Brant, chamando a atenção da crítica e do público. Os discos foram poucos, mas a influência é tamanha que Criolo, sensação do rap do país, não se cansa de reverenciá-lo. Em shows do Racionais MCs realizados em BH, garotos exibem camisetas onde está escrito Sabotage. Ele está em bonés, tatuagens e em simplórias cartolinas erguidas pelos fãs.
Um verdadeiro mutirão afetivo produziu o álbum póstumo Sabotage.
A sonoridade sem fronteiras – como “Sabota” gostava – tem samba, batidas características do hip-hop, rock, um quê de bossa nova, pianos, guitarras, flautas e muitos etceteras. Tudo comandado pelo inconfundível flow de Sabotage. Ainda faz história aquele jeito muito peculiar de encaixar versos e rimas no canto falado. Tudo soa contemporâneo.
As letras falam da favela do Canão, onde Sabotage foi criado; do mundo do crime, do qual se desligara até cair morto no meio da rua; do Brasil de playboys que queimam índios; da miséria e das periferias pobres e violentas. Recheada de gírias, a crônica de Sabotage tem bandido, juiz, promotor, polícia, “vermes que querem o seu voto”, desemprego e gente afundada nas drogas. “Sai da frente/ que o mar não tá pra peixe/ Quem não for do corre/ Entende”, canta ele.
País da fome... já fez muito fã chorar, conforme relatos dos próprios na internet ainda ontem de madrugada. Começa com a repórter anunciando o assassinato do rapper. Cinematograficamente, ele descreve a própria vida: “Vou vivendo pelos cantos/ Desviando dos escombros”. “Senhor, me dê mais fé”, apela.
É triste, mas o astral não cai. Rap-samba de primeira, Maloca é maré celebra a luz da alma que não se apaga. E convoca: “Tenha fé!”.
“Com paciência você consegue vencer”, canta Sabotage em O gatilho. E ele venceu mesmo: foi astro de cinema, com atuações memoráveis em O invasor (2002), de Beto Brant, e Carandiru (2003), de Hector Babenco. Lançado em 2015, o documentário Sabotage: o maestro do Canão, de Ivan 13P, traz atores, rappers, cineastas e músicos chamando a atenção para a importância dele para a cultura brasileira.
EM BH O jornalista e rapper mineiro Roger Deff diz que Sabotage foi um divisor de águas na história do rap brasileiro. “Ele não se encaixava nas classificações clássicas do gênero, como gangsta, underground, etc. A palavra que o define é liberdade: musical e lírica. Ele soube explorar isso muito bem numa época em que era difícil estabelecer parcerias sem que soasse como tentativa de ser ‘pop’ ou ‘comercial’ – termos que tinham conotação bem pejorativa, principalmente no rap. Sabotage é, até hoje, uma grande influência para os MCs”, diz Roger.
O mineiro se lembra do encontro com Sabotage em 2000, na Galeria da Praça Sete.
Um ano depois, Sabotage virou astro. E deu o “bolo” num show na capital. “As pessoas ficaram muito frustradas. Mas ele era um cara humilde, tanto que veio a BH depois só para se desculpar. Foi a um dos principais bailes da cidade e acabou vaiado lá. Achei muito nobre da parte dele, pois não tinha outro compromisso aqui. Ele veio e fez jus a Respeito é pra quem tem, título de uma de suas músicas”, relembra Deff.
TRÊS PERGUNTAS PARA:
TONI C - Autor de Um bom lugar, biografia de Sabotage
Treze anos depois de sua morte, o que Sabotage significa para o rap nacional?
Sabotage era um ícone, assassinado no auge de uma carreira meteórica e se tornou mito. Como ícone, como mito, é vanguarda, está à frente de seu tempo, parece que gravou esse disco ontem. Sabotage narra o Brasil onde a democracia, a Constituição, os direitos básicos e saneamento não chegaram quando homens saqueiam esse país por cinco séculos. Pune-se uma mulher inocente e o castelo construído por mais de uma década desmorona. Neste momento em que vemos o Judiciário anular a condenação dos responsáveis pelo massacre no Carandiru, quando a TV ameaça diariamente prender o melhor presidente que tivemos, enquanto Eduardo Cunha segue solto... Bom, só uma palavra define o ano de 2016: Sabotage. Este álbum não poderia chegar em momento mais pertinente.
O rapper ficou conhecido por não ser radical como os colegas do hip-hop nos anos 2000. Ele gostava da Sandy, do Sepultura...
Está aí a prova de como era antenado e influente. Muito do que vemos hoje é consequência do que Sabotage construiu de maneira pioneira. Essa é uma parte de seu legado. Rap é música e, como arte, deve estar junto e misturado com outras artes ao redor. É tudo nosso!
Sabotage foi ator de cinema, era multimídia. No livro, você lembra que ele vivia ligadíssimo, com pagers e telefones no bolso.
Ele foi um dos primeiros rappers a sacar que música e imagem anda juntas. Gravou o clipe Rap é compromisso e depois, postumamente, foi premiado com Respeito é pra quem tem. Fez os filmes Carandiru e O invasor, estampou história em quadrinhos, está em documentários e na biografia que tive a honra de escrever. Poucos artistas são tão influentes em tantas áreas. Treze anos depois de ser assassinado, ele segue essencial. O Maurinho do Canão foi tragicamente assassinado e deixou seus familiares, mas Sabotage é imortal.
Ouça o álbum 'Sabotage':
.