Saída de integrantes de bandas de rock representa mudanças no resultado sonoro

Em vários grupos há histórias de superação e transição bem-sucedida entre o velho e o novo

por Samir Mendes 24/07/2016 11:58

Arquivo EM
Barão Vermelho, ainda com Cazuza como vocalista (foto: Arquivo EM)

Reconhecida como uma das maiores bandas do rock brasileiro, os Titãs foram formados em 1982, quando a maior parte dos seus integrantes se conheceu no Colégio Equipe, em São Paulo. No primeiro show do grupo, ainda chamado de Titãs do Iê-Iê, a formação contava com nove integrantes: Arnaldo Antunes, Branco Mello, Marcelo Fromer, Nando Reis, Paulo Miklos, Sérgio Britto, Tony Belloto, Ciro Pessoa e André Jung. Eventualmente, os Titãs se “estabilizariam” com oito integrantes, com a entrada de Charles Gavin, formação clássica que gravou o clássico Cabeça dinossauro e inúmeros outros hits. Depois de 34 anos, com a saída de Paulo Miklos, anunciada na semana passada, apenas Branco Mello, Sérgio Britto e Tony Belloto permanecemMudanças na formação das bandas ocorrem desde o começo da história da música e se dão por diferentes motivos: ambição, brigas internas, dinheiro ou o famigerado “diferenças musicais irreconciliáveis”. Alguns grupos conseguem fazer a transição entre velhos e novos integrantes sem maiores prejuízos, dando bem-sucedida continuidade a suas carreiras. Outras não superam a perda de talento e, inevitavelmente, começam a lançar trabalhos repetitivos e procuram se reinventar sob diferentes formatos, como acústicos ou turnês em que promovem os velhos sucessos.

Os Titãs, por exemplo, começaram a perder integrantes em 1991, com a saída de Arnaldo Antunes. Anos depois, seguiram o guitarrista Marcelo Fromer (morto em um acidente de moto) e o baixista Nando Reis, que deixou a banda em 2002. Apesar de o grupo ter, naturalmente, sentido a ausência de compositores da qualidade de Antunes e Reis em seus novos trabalhos, os Titãs continuaram a gozar de imensa popularidade em diversos momentos, como quando lançaram o Acústico MTV, em 1995, com os lançamentos do CD e DVD Paralamas e Titãs juntos ao vivo, em 2008, e com o documentário A vida até parece uma festa, em 2009.

Contemporâneos do grupo paulista, os cariocas do Barão Vermelho também tiveram que superar uma grande perda. Enquanto ensaiavam para gravar o quarto álbum, em julho de 1985, ninguém menos que Cazuza, a voz do grupo, e a esta altura já considerado um dos grandes jovens compositores do país, decidiu partir para a carreira solo. Embora os primeiros discos com Frejat nos vocais não tenham sido bem-aceitos por fãs e crítica, o grupo voltou a emplacar sucessos com Carnaval, de 1988, tendência que continuou nos anos 1990, com Amor, meu grande amor, Puro êxtase e Cuidado, entre outras.

“A questão de bandas que perdem integrantes e decidem continuar é algo que precisa ser analisado caso a caso. Os Titãs, por exemplo, apesar de ter perdido Paulo Micklos, integrante essencial para a identidade da banda, vem perdendo integrantes há muito tempo e, mesmo assim, gravaram um dos melhores discos da banda em 2014. Não sei o que vai acontecer com eles daqui para frente, e questiono quando artistas gravam novos álbuns usando o nome clássico, porque aí, está oferecendo para os fãs um produto descaracterizado. Mas enfim, é uma escolha pessoal”, analisa o apresentador e crítico musical Guilherme Guedes.

Guilherme comentou, também, o fato de o músico Sérgio Dias continuar fazendo shows com o nome Mutantes, mesmo sendo o único integrante da formação original. “Ele fundou o grupo com o Arnaldo Baptista e a Rita Lee, mas é parte essencial da história da banda. Se os outros integrantes não querem mais fazer parte disso, ele tem todo direito de continuar esse legado”, opinou.


Arquivo EM
Titãs com a formação original. Banda atualmente conta com apenas três integrantes dos primeiros tempos (foto: Arquivo EM)

Na gringa

Não são apenas os brasileiros que sofrem com dramas em suas bandas. Queen, Iron Maiden, The Rolling Stones, Kiss e diversos outros grandes dinossauros do rock tiveram trocas de integrantes bastante traumáticas e bem documentadas ao longo da história.

A recente união entre Axl Rose e AC/DC é um exemplo simbólico de duas bandas lendárias que passaram, ao longo de suas histórias, por intensas reconstruções. Apesar de hoje o Guns n’ Roses na turnê Not in this lifetime, na qual reuniu Slash e o baixista Duff MacKagan com Axl Rose, até alguns meses atrás a banda americana só contava com o vocalista da formação original. A utilização de dezenas de músicos na última década rendeu não só o famigerado disco Chinese democracy, como diversas acusações de que o Guns n’ Roses teria virado um cover de si mesmo.

Apesar da onda de críticas, Axl Rose e Cia. continuaram fazendo turnês pelo mundo e, além de se comprometer com a reunião do Guns n’ Roses, o vocalista também emprestou seus talentos para o AC/DC em breve turnê europeia. Axl substituiu Brian Johnson, que teve que deixar o grupo às pressas devido a graves problemas de audição. O próprio Johnson já era um substituto ao entrar na banda em 1980, no lugar de Bon Scott, morto devido ao abuso de álcool. Além da dança de vocalistas, a banda australiana já perdeu o guitarrista Malcom Young e o baterista Phil Rudd, e o baixista Cliff Williams avisou que se aposentará após a atual turnê, só restando Angus Young da formação original.

“O que ocorre com o AC/DC me incomoda mais do que ocorreu com o Guns n’ Roses. Querendo ou não, o vocalista é grande parte da identidade da banda e, apesar de o Angus Young ser um guitarrista icônico, se eles continuarem, será muito mais complicado do que o grupo já foi”, afirmou Guilherme Guedes.

Entre os motivos que levam uma banda a seguir na estrada e produzir trabalhos novos, estão o ganho financeiro e dar a possibilidade de fãs mais jovens assistir às bandas clássicas ao vivo, mesmo em suas versões, digamos, reformadas. No entanto, há grupos que dão prioridade a manter o legado do passado vivo na cabeça dos admiradores. O exemplo mais óbvio é o Led Zeppelin, que desde a morte do baterista John Bonham, vem recebendo ofertas milionárias para se reunir, mas resistem à ideia, principalmente o vocalista Robert Plant. Embora os saudosos e os jovens fãs de rock lamentem a oportunidade perdida, e embora os deuses do rock de outrora envelheçam e, consequentemente, têm suas habilidades diminuídas, fica o consolo de que a música vive para sempre.

Há males...

Há ocasiões em que a saída de membros icônicos acabam funcionando como uma bem-vinda renovação e fonte de inspiração para uma banda. Foi o que ocorreu no começo da década de 1970 com o Deep Purple. O vocalista Ian Gillan e o baixista Roger Glover alegaram cansaço e problemas com Ritchie Blackmore para deixar a banda, apesar de o grupo estar no auge da popularidade. Com David Coverdale e Glenn Hughes, que adicionaram harmonias e elementos de funk e blues, o Deep Purple lançou Burn e Stormbringer, dois dos mais aclamados discos da discografia da banda. “Embora tenha balançado o núcleo da banda, a saída de Gillan e Glover serviu para rejuvenescer o Deep Purple para o lançamento do disco Burn, de 1973, o qual representou melhoria inquestionável em relação aos esforços não inspirados de Who do we think we are”, escreveu o site All Music em sua crítica ao trabalho.

MAIS SOBRE MÚSICA