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Em show em BH, Moraes Moreira toca Novos Baianos e carreira solo

Primeira parte do show desta quinta-feira no Palácio das Artes tem repertório dos Novos Baianos. A segunda parte traz sucessos da carreira solo

Walter Sebastião
Repertório inclui canções que os Novos Baianos não chegaram a gravar - Foto: TV Brasil/Divulgação

“Estou cada vez mais poeta”, avisa Moraes Moreira, aos 69 anos.“(A poesia) é uma boa linguagem para a maturidade”, garante. “Com ela podem-se revelar sentimentos, contar histórias, fazer humor, política, divertir. É uma forma tão popular que quando você ‘cordeliza’ os direitos humanos, todo mundo entende melhor”, afirma. Ele é autor de um cordel sobre o assunto, além de dois outros – um com a história dos Novos Baianos e outro dedicado a Luiz Gonzaga. Vaidoso, ele cita que é o ocupante da cadeira 38 da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Homem das melodias, tomou gosto pelos versos com os parceiros Jorge Mautner, Fausto Nilo, Antônio Risério, Paulo Leminsky e Galvão. “Agora não tem mais show sem poemas.”

A primeira parte do show que Moraes Moreira faz hoje no Palácio das Artes, com o violonista Marcos Moleta, apresenta o repertório dos Novos Baianos, incluindo canções criadas para o grupo que os Novos Baianos não chegaram a gravar, como Três letrinhas (gravada por Marisa Monte) e Sugesta geral, ainda inédita. A segunda parte traz sucessos da carreira solo.
Festa do interior, Lá vem o Brasil descendo a ladeira e Forró do ABC, entre outras. Há espaço ainda para o lado B da obra do baiano (Lenda do Pégaso e Pão e poesia) e para composições inéditas, novinhas: O samba e a língua e Evolução. “Trabalho muito. Sempre tenho coisas novas. Inspiração, para mim, é só uma faísca”, conta.

As canções dos Novos Baianos estão chegando às novas gerações, como observa Moraes Moreira. “Ver uma música nossa cantada por um menino de 18 anos dá a sensação de que fizemos algo que vai ficar. Nem sei explicar como estamos tão vivos”, diz. “Talvez por termos feito músicas que eram mesmo para tocar corações e mentes com muito amor e desejo de criar algo que fosse relevante para a cultura do Brasil”, avalia. “Por mais louco que parecêssemos, levávamos a música muito a sério”, conta. As canções traduzem a visão de mundo de um grupo que, além de tocar junto, morava junto em um sítio, dividindo tudo, “a fartura e a fome”, brinca Moraes Moreira. “Era música, futebol, conversa e muita risada.”

Recordar a vida e a música dos Novos Baianos ainda mexe com ele. Eram tempos de ditadura. Certa vez, a polícia apareceu no sítio.
“Mas acharam que nós eramos muito loucos para ser comunistas e foram embora”, recorda, com bom humor. O grupo começou ligado ao rock, tendo como ídolos Jimi Hendrix, Janis Joplim, “e os tropicalistas”, que já misturavam música brasileira e pop rock. A transformação que levou a turma para as batucadas do samba deveu-se a um encontro com João Gilberto, amigo de Galvão, “o poeta do grupo”, também nascido em Juazeiro (BA), assim como o pai da bossa nova.

JOÃO GILBERTO
O primeiro encontro foi no apartamento de João Gilberto. “Ele tocava de forma tão perfeita que senti vontade de parar de tocar”, conta. Um dia, o velho baiano retribuiu a visita dos jovens roqueiros. “João chegou de paletó e quem não conhecia achou que ele era da polícia. Muito simpático, um menino meio moleque, lá pela meia-noite pegou o violão e começou a tocar. Todo mundo ficou estupefato”, recorda. “Ninguém se atrevia a tocar junto. Foi falando que devíamos olhar mais para dentro de nós e colocando as pessoas para fazer a voz.
Quando veio o verso ‘chegou a hora desta juventude bronzeada mostrar seu valor’, entendemos tudo. Ele queria brasilidade, samba, mas tocado com energia de rock”, explica.

“Os Novos Baianos tinham um senso de família forte. Não éramos irmãos de sangue, mas de ideias e ideais. Algo tão forte que passou para nossos filhos e está passando para nossos netos”, diz Moraes Moreira. Uma música do repertório do grupo que ainda hoje mexe com ele, afetivamente, é Preta pretinha. “É como se fosse um presente nosso para todas as pessoas.” Moraes Moreira deixou o grupo em 1975. Houve algumas divergências, mas na decisão pesou sobretudo o fato de que era difícil criar os dois filhos no sítio. “Não tinha organização prática para isso”, observa. Deixou o grupo com medo da aventura da carreira solo. “Mas tinha confiança de que a minha hora era aquela. E deu certo.”

Depois de 17 anos sem tocar juntos, os Novos Baianos começam no mês que vem a turnê Acabou Chorare, Os Novos Baianos se encontram, que passa por Belo Horizonte no dia 10 de setembro.

Só discos solos Moraes Moreira gravou 20, com canções que o caracterizam como compositor pós-tropicalista. “Música para mim é quase uma terapia, faço porque preciso. Todos os meus problemas transformo em poema ou em melodia. Sempre foi assim.” Ele compõe no violão ou cantando. “Gosto de ir gravando a música na minha cabeça. Chega uma hora em que ela bate e aí está pronta”, revela.

“Recorrente é a brasilidade, mas sem babaquice e ufanismo idiota. Minha obra fala do Brasil. Carrego este país na minha música com orgulho, como algo de valor, pela maravilhosa cultura, pela mestiçagem, por mostrar coisas bonitas do ser humano. Um verso como ‘chegou a hora desta juventude bronzeada mostrar seu valor’, de Assis Valente, não tem tempo, vale para sempre”, afirma, com declarada admiração pela produção das décadas de 1930 e 1940. O mestre, aponta, foi Tom Zé, com quem inclusive teve aulas de violão. Com relação ao mundo que tem à sua volta, o sonho é “mais amor, mais ecumenismo, encurtamento das distâncias sociais”. Até como forma de combater a situação atual, “que parece o apocalipse”, diz. “Está na hora de a juventude virar este jogo.”

Moraes Moreira canta Novos Baianos
Hoje, às 21h. No Grande Teatro do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). Plateias I e II: R$ 70 e R$ 35 (meia). Balcão superior: R$ 50 e R$ 25 (meia)..