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Entrevista

Fernanda Abreu volta a lançar álbum de inéditas depois de 12 anos

Aos 54 anos, ''tia do pop'' expõe suas paixões, suas perdas e defende a política do afeto

Mariana Peixoto
- Foto: Gui Paganini/Giovanni Bianco/Divulgação
Nos últimos 10 anos, o mundo da música mudou um bocado. E muito rápido. Assistimos à ascensão do streaming, que abocanhou o MP3; ao ocaso das gravadoras, que tiveram que se reinventar como negócio para continuar na atividade; à perda de relevância do álbum em detrimento do single.


Fernanda Abreu acompanhou tudo isto, mas de longe. Em casa, sua vida sofria uma série de revezes. Sua mãe ficou seis anos em coma até sucumbir a um tumor na cabeça. Seu casamento de 27 anos com o designer Luiz Stein – com quem teve Sofia e Alice – também entrou em erupção, até chegar ao fim.

'Amor geral' é seu primeiro álbum de inéditas em 12 anos – seu disco anterior é Na paz, de 2004. E é o primeiro lançamento desde o CD/DVD MTV ao vivo, de 2006. Só existe como tal por causa do ocorrido com Fernanda, que, após a tormenta, acabou se reencontrando.

É seu disco mais pessoal, em que a cantora fala das dores passadas e dos prazeres presentes.

O nome do namorado, Tuto Ferraz (baterista paulista, da banda Grooveria), é o mais falado na entrevista. Pela primeira vez sozinha, Fernanda foi descobrindo uma nova turma.

Para o trabalho, dirigido e produzido pela própria cantora (as faixas tiveram diferentes produtores), atuou com velhos (Liminha, Fausto Fawcett, Memê) e novos parceiros (Qinho, Wladimir Gasper, Donatinho e o já citado Tuto). Dividiu-se ainda entre o Rio natal e a São Paulo onde vive Tuto, dono de um dos estúdios em que o trabalho foi gravado.

Fernanda admite que foi o encontro com Tuto o gatilho para voltar a se movimentar – não que tenha ficado parada no período mais negro; continuou fazendo shows e gravando participações em trabalhos de terceiros.

VÁRIOS OLHARES
Amor geral traduz esta história de maneira diversa. Outro sim (Fernanda Abreu/Jovi Joviniano/Gabriel Moura), faixa de abertura, faz uma síntese do sentimento que move atualmente a cantora. Em formato de crônica, Fernanda dispara, entre vocoders e teclados, uma série de possibilidades. ''Sempre haverá outro dia/Ensolarado e outra noite vida/Sempre haverá outra chance''.Tambor (Fernanda Abreu/Jovi Joviniano/Gabriel Moura) remonta à fase Da lata, só que de outra maneira. Utiliza ritmos afro-brasileiros para homenagear a percussão – a faixa conta com a participação mais do que luxuosa de Afrika Bambaataa, papa da música eletrônica.

Deliciosamente (Fernanda Abreu/Alexandre Vaz/Jorge Ailton) tem uma pegada pop dance, com uma letra marota. Saber chegar (Fernanda Abreu/Donatinho/Tibless/Play) continua na onda mais dançante, só que cheia de climas e teclados.

O disco se torna mais pessoal nas duas faixas seguintes. Antídoto (Fernanda Abreu) foi escrita de uma vez só (letra e música) numa madrugada. Foi a primeira vez que Fernanda conseguiu compor desta maneira. Com dificuldade para dormir, e recusando-se a tomar remédios indicados pelos médicos, pegou seu violão e, de uma vez só, criou a canção tristonha, cheia de saudade, para a mãe.

Na sequência, canta O que ficou (Fernanda Abreu/Thiago Silva/Qinho), composta para o ex-Luiz Stein. “Ele que me enfeitiçou com seu olhar/Eu jurava que o amor ia durar/Que ilusão”.

O clima se anima na primeira valsa criada por ela. Valsa do desejo, emoldurada por piano e cordas, foi composta por Fernanda para Tuto Ferraz (que também produziu a canção).
''Me beija, de língua, pra eu me sentir perdida'', canta ela, num tom mais lento, íntimo, como pede a letra. O tom amoroso continua no álbum.

Única canção que não foi composta por ela, a funkeada Double love amor em dose dupla (Fausto Fawcett/Laufer) é mais despudorada, com letra sacana, que fala das diferentes possibilidades do amor.

Já a faixa que dá título ao álbum foi escolhida para terminá-lo. Amor geral (Fernanda Abreu/Fausto Fawcett/Pedro Bernardes) é uma vinheta manifesto. Em cima de uma base eletrônica, Fernanda dispara a letra: “E sabendo que vamos morrer sentimos fome de viver/Não é essa a função do amor?”, ela questiona, deixando a pergunta no ar.


TRÊS PERGUNTAS PARA...
» Fernanda Abreu


Em Amor geral, você se expõe como nunca. Colocar-se nas letras foi complicado para você, ainda mais porque sempre foi uma cantora que fugiu da exposição pessoal?
Na verdade, só percebi isso depois que gravei o disco, não fiquei calculando o que iria acontecer. Mas, cara, não tive muita escolha, fui escolhida. Até comentei com minha analista que, normalmente, minhas músicas tinham um lado mais de crônica, e as deste disco eram superautobiográficas. Ela me disse: ‘Fernanda, você trabalha com a verdade, não tem como fugir disto’. Por outro lado, ao mesmo tempo em que vivia minhas coisas, eu sou um ser político. Então chegava em casa e conversava com minhas filhas.
Falavam-me de um cara que havia pegado no braço na night com mais força; meus amigos gays relatavam situações preconceituosas... Então, percebi que o disco tem o pano de fundo a minha vida, mas também um quê de coletividade. Por isto Amor geral.

Hoje o pop funk é dominado por Ludmilla e Anitta. Como você se vê diante delas?
Não me vejo junto delas. Acho as duas ótimas, saíram do cenário funk e estão fazendo o trabalho delas. Há uns oito anos, fui ao programa da Xuxa e a Ludmilla já estava cantando lá. Parece-me que fazem um trabalho de verdade. Mas nunca fui funkeira, meu approach é diferente. E diferente também da MPB da Zélia Duncan, da Ana Carolina. Não me coloco no funk, na MPB, no samba. Faço música pop. Só que agora o funk ficou mais pop, então talvez Anitta e Ludmilla estejam ocupando o lugar do pop. Sou então uma espécie de tia.

Você está com 54 anos. A idade te atingiu de alguma maneira?
Não me atingiu em nada. A educação que recebi é de que a idade é inexorável. A sua relação com o mundo, a sua cabeça aberta e a vontade de sempre querer aprender te deixam com mais energia, mais jovem. Isto é que acho mais importante. O corpo vai envelhecer, é chato, mas o ruim mesmo é quando isto atinge as cognições. Sou vaidosa, mas nunca fui de sair correndo atrás sabe-se lá do quê. Sou de outra geração, fiquei adolescente nos anos 1970, então tinha alguma coisa do hippie. Nunca vive esse lado do yuppie, do consumismo, de ter que estar sempre jovem, querer fazer dieta...

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