Metá Metá faz show n'Autêntica, neste sábado

Um dos grupos mais instigantes da música produzida hoje no país mostra sua mistura de ritmos africanos, jazz, rock e pós-punk

por Eduardo Tristão Girão 14/05/2016 08:00
Fernando Eduardo/Divulgação
(foto: Fernando Eduardo/Divulgação)
“O público europeu é muito curioso. Ficam um pouco confusos com o nosso som. Os inícios de show são sempre engraçados. Eles não sabem muito bem como acompanhar, como dançar aquela música. No Brasil também rola isso às vezes, mas aqui, de alguma forma, a mistura de gêneros faz mais sentido. Mesmo assim, em pouco tempo o som chega até os europeus, de alguma maneira. Eles ficam impactados e dançam como podem. Isso é muito legal”, diz a cantora Juçara Marçal.

Ao lado de Kiko Dinucci (voz, violão, guitarra e percussão) e Thiago França (saxofone e flauta), ela forma o Metá Metá, grupo paulistano dos mais interessantes e inovadores da cena musical brasileira atualmente. A julgar pelo último disco que lançaram, MetaL MetaL (2012), fazem canção brasileira com forte influência africana, combinando também elementos do rock, jazz e música latina – e do pós-punk, como gosta de frisar Juçara. Só mesmo ouvindo, o que será possível hoje à noite, pois há show deles n’A Autêntica, em Belo Horizonte.

De fato, ouvir o som do Metá Metá pela primeira vez não é uma experiência qualquer. Não é um som qualquer e já começa, no caso do disco mais recente, com uma faixa – Exu – que chega soar conceitual, experimental. Voz e instrumentos não têm outro compromisso que não impactar. Na sequência, com Oya, o ouvinte entra nos trilhos com estrofes, refrão e letra em português, mas sem que isso signifique estar numa zona de conforto. Ao contrário, da metade para o fim da canção, a banda praticamente entra em transe catártico.

E prossegue demonstrando facetas distintas da própria sonoridade ao longo das outras sete faixas: São Jorge (de suingue irresistível), Man Feriman (mistura boa de guitarra e cantiga para Oxum), Rainha das cabeças (com violão a guiar “cozinha” demolidora), Cobra rasteira (outro balanço delicioso, com cavaquinho), Logun (quantos já encaixaram o cavaquinho assim?), Orunmila (flerte feliz do rock com tudo isso) e Tristeza não (fizeram rock sem guitarra, baixo ou bateria). Verdadeira sessão de descarrego – e em 40 minutos.

REDE


No palco, o trio não terá escolta da banda que o acompanhou na gravação de MetaL MetaL e fará apanhado de músicas deste disco, do anterior (Metá Metá, o de estreia; 2011) e do EP do ano passado, além de antecipar faixas do próximo trabalho, com lançamento previsto para mês que vem. “Ele também é bem pesado, mas as canções têm um outro clima. Ele é todo mais sombrio”, adianta a cantora. O repertório continuará sendo autoral, com várias parcerias entre os três.

Além disso, continua Juçara, Kiko Dinucci emplacará no próximo álbum sua primeira canção com Siba e a de Thiago França com Sergio Machado (o baterista que costuma acompanhar o trio), que terá letra de Rodrigo Campos. Este último colabora, ainda, em outra faixa com o guitarrista do Metá Metá. Essas duas aparições de Campos, cavaquinista, cantor e compositor que é outro destaque da cena paulistana contemporânea, não são mera coincidência, mas a ponta do iceberg.

Juçara, Kiko e Thiago estão conectados aos principais nomes da geração que, a partir de São Paulo, produz música brasileira da melhor qualidade. Além dos artistas já citados, é preciso falar de Rômulo Fróes, Marcelo Cabral, Guilherme Kastrup, Douglas Germano (que assina três músicas de MetaL MetaL com Dinucci), Celso Sim e Clima, entre outros. Alguns deles formam o cultuado grupo Passo Torto, outros se juntaram na banda do disco mais recente de Elza Soares, o aclamado A mulher do fim do mundo.

Juçara diz que Passo Torto e Metá Metá são “trabalhos irmãos” em função dos integrantes em comum e que essa turma toda é apelidada carinhosamente de “Clube da Encruza”. “Um participa do trabalho do outro. É uma troca intensa e incessante”, explica. É verdade: ao consultar o encarte de Rei vadio – As canções de Nelson Cavaquinho, disco que Fróes lançou há pouco, é possível encontrar os nomes de Marcelo Cabral, Rodrigo Campos, Thiago França e Kiko Dinucci.

CUSTAS


A estética moderna é a assinatura desses artistas em todos os trabalhos de que participam: a música que fazem não deixa de ser acessível, ao mesmo tempo que foge do óbvio. E isso se aplica também às letras, com o disco São Mateus não é um lugar assim tão longe (2009), de Rodrigo Campos, como um dos melhores exemplos do que essa safra de compositores é capaz. Suas crônicas da periferia paulistana são preciosas. Juçara, por sua vez, fez um disco elogiado e desconcertante, Encarnado (2014), praticamente só com guitarras e voz.

Precede este trabalho dela a pesquisa sobre música africana, iniciada há cerca de 10 anos com Kiko Dinucci e depois compartilhada com Thiago França. “Focamos em música africana contemporânea, sobretudo. Congo, Mali, Angola, as guitarras africanas, o jeito de pensar o arranjo por contraponto, frases que se intercalam, que dialogam. Tudo baseado na polifonia e na polirritmia. Nós três vivenciamos as heranças africanas que temos aqui no Brasil e pela internet”, afirma ela.

A cantora sempre foi fã da Vanguarda Paulista e enxerga semelhança na comparação com o tal Clube da Encruza, apesar de terem surgido em momentos distintos. “Tanto o pessoal da Vanguarda quanto a gente tem de se virar para fazer o som caminhar. Não tem gravadora que banque, não tem jabá, não tem empresário. É tudo ‘às próprias custas S.A.’, como já dizia Itamar Assumpção. Independência e liberdade pra fazer o que achar importante fazer do seu som. Estar à margem do tal do mercado fonográfico nos permite isso.”

Ainda este mês, o Metá Metá embarca para duas apresentações na Alemanha (Dresden e Berlim). Em junho, fará show de lançamento do próximo disco no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Três meses depois, retorna à Europa para divulgar o novo repertório por lá.


Metá Metá

SHoje, a partir das 22h, n’A Autêntica (Rua Alagoas, 1.172, Savassi). Ingresso: R$ 40 (na porta). Infomações: (31) 3654-9251 e (31) 99227-1275.

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