Julião Pinheiro lança álbum com 15 sambas compostos em parceria com seu pai, Paulo César Pinheiro

O cantor e violonista começou as gravações no ano passado, que terminaram este ano em setembro

por Eduardo Tristão Girão 26/12/2015 08:50
Gabi Lopes/Divulgação
Julião conta com a parceria também de sua mãe, a cavaquinista Luciana Rabello, que toca e assina a produção executiva do disco (foto: Gabi Lopes/Divulgação )
O carioca Paulo César Pinheiro tornou-se conhecido pela criatividade, escrevendo sem parar livros, textos para teatro, contos e, com dezenas de parceiros simultâneos, letras de música. Compôs com Pixinguinha, que nasceu em 1897, e também com o filho do violonista Maurício Carrilho, Joaquim, de apenas 17 anos. Mais de um século de MPB, feito ao qual se acrescenta um álbum notável, o recém-lançado Pulsação, do cantor e violonista Julião Pinheiro, com quem divide 15 sambas. Não por ser seu filho, mas porque o trabalho é mesmo bom.

“Eu e meu pai começamos a compor há uns oito anos, mas sem intenção de disco. Até porque nunca tive pretensão de cantar. Sou, acima de tudo, violonista, formado na escola do choro. Temos feito muita música juntos, são mais de 50 canções, entre sambas, marcha-rancho e outros estilos. Vimos que o negócio estava se acumulando. A ideia partiu de dentro de casa mesmo e resisti a gravar essas composições e a cantá-las”, conta Julião, cujo violão é de sete cordas. Aliás, ele é sobrinho de Raphael Rabello, ás do instrumento, morto em 1995.

O artista carioca, de 28 anos, nunca fez aula de canto e está terminando curso de música na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. “Foi tudo por observação. Inclusive, minha mãe canta bem”, elogia. Ele se refere a Luciana Rabello, cavaquinista e compositora que assina a produção executiva do disco e comanda, ao lado de Maurício Carrilho, a gravadora Acari Records, pela qual foi lançado. Aliás, Carrilho marca presença em quase todas as faixas como arranjador e violonista.

O pai participa cantando em O samba é bom, e Julião contou com dois cavaquinhos da família no estúdio, o da mãe e o da irmã, Ana. “Estamos acostumados a trabalhar juntos. Considero minha mãe das maiores cavaquinistas que já ouvi e já lancei dois discos com o grupo de choro Regional Carioca, que tenho com minha irmã e toca numa das faixas deste disco”, diz. Também participaram o grupo MPB4 (vozes), Cristóvão Bastos (piano), a tia Amélia Rabello (voz) e Wilson das Neves (tamborim).

As gravações, no Rio de Janeiro, começaram ano passado e terminaram em setembro. As composições abrangem desde canções recentes, como a faixa de abertura O morro e o samba, até Samba da estrela cadente, feita na época em que começou a compor, cerca de oito anos atrás. A intenção, esclarece Julião, foi gravar só sambas, mas contemplando certa variedade. “Eles tinham de ter diferenças entre si. Tem mais sincopado, samba-choro, de breque, de bloco antigo, para frente, para trás”, afirma.

BICICLETA Ele compõe principalmente ao violão e, não raro, as ideias lhe vêm à cabeça sem que tenha o instrumento em mãos. Nesse caso, é preciso recorrer ao telefone, conta: “Vou para a faculdade de bicicleta e, no caminho, sem pensar em nada, de vez em quando vem a melodia. Aí, pego o celular e gravo. Esplendor, fiz assim”. Quando isso acontece, continua, o trabalho acaba dobrado, pois é preciso lidar com melodias que, apesar de terem sido assoviadas, nem sempre são fáceis de harmonizar ao violão. “Na hora de botar no dedo é que se vê”, resume.

Já as letras do pai, revela, são fáceis de musicar. Julião não sabe explicar o porquê, mas acredita que tenha a ver com métrica. Na opinião dele, há grandes poetas cuja obra é nada musical, como João Cabral de Melo Neto, e outros cujo encaixe nos acordes é natural, como Vinicius de Moraes e, claro, o pai. Além disso, vê na figura paterna um exímio sintetizador da música popular brasileira. “Vai do samba ao maracatu, passando pelo choro, frevo, chamamé e um ritmo indígena que nem sabia que existia, o toré. É como se ele morasse nesses lugares.”

Apreciador de Cartola, Nelson Cavaquinho (que foi amigo do pai) e Elton Medeiros (que é seu amigo), Julião também gosta de ouvir as músicas de gente da sua geração, como o poeta Roberto Didio, o cavaquinista Bernardo Diniz e os cantores Gabriel Cavalcante, Iara Ferreira, João Camarero e Nina Wirtti. Sem previsão de shows por enquanto, Julião segue tocando quinzenalmente na esquina das ruas do Ouvidor e do Mercado, no centro do Rio.

Longe do CD e do MP3

Engana-se quem pensa que compositor não tem rotina, dada a natureza imprevisível da inspiração. Todos os dias, Paulo César Pinheiro acorda, toma café da manhã e vai para o escritório, em sua casa, de onde só sai às 17h. “A partir daí, quero tomar um chope e relaxar. Mas é o dia inteiro com a cabeça funcionando”, conta o veterano da MPB, de 66 anos. Ele não usa computador nem máquina de escrever: faz questão de escrever tudo à mão e só ouve as músicas que recebe num gravador de fita cassete.

“Sou da antiga. Meus parceiros mandam o MP3, minha mulher passa para CD e do CD passo para fita. Dá um trabalho danado, mas é assim que me sinto à vontade. É mais prazeroso e faço exatamente pela facilidade de voltar os trechos que quero ouvir de novo”, explica. As fitas, conta ele, só encontra para vender pela internet e mantém nada menos que cinco gravadores para ouvi-las em casa. Seu maior receio: todos estragarem e não encontrar quem os conserte.

Algumas canções ele já fez em meia hora, mas essa é uma tarefa que pode demorar bem mais. Caso de Santa voz, que assina com o violonista Baden Powell. “Faltavam as duas frases finais e completei a contragosto, porque ele queria gravar logo. Eu nunca mais tinha cantado nem escutado essa música, porque essa história me aborrecia. Aí, um dia, sonhei com as duas frases, acordei de madrugada e corri para o escritório para anotá-las, 20 anos depois. A Amélia Rabello gravou recentemente essa nova versão e finalmente pude sossegar”, conta.

Apesar da fama de escrever com muita gente, ele garante ter “peneira”. “Só faço o que tenho certeza de que é bom e estou sempre com a mesa cheia”, acrescenta. Além disso, observa que o fato de escrever músicas, livros e textos teatrais ajuda a animá-lo como compositor. “Minha música é sempre fresquinha. Cada vez que volto a escrever canções depois de ter passado por outras áreas, me sinto renovado.” Sobre o que sente por escrever com os filhos (ele também compõe com Ana), resume: “É uma continuação de vida, um processo de imortalidade”.

A propósito, sentimento parecido com o de atravessar décadas fazendo novas parcerias, como a com Joaquim Carrilho, iniciada quando tinha apenas 14 anos. “Tenho vários parceiros de 18, 20 anos. Também comecei cedo. Aos 13, já era compositor e aos 16 escrevi com Baden. Sempre estive próximo dos jovens e nunca me encastelei por ser conhecido. Pelo contrário. Busco estar perto deles e dou força aos que vejo que têm talento. Quero que se destaquem, pois comigo aconteceu dessa forma. Quando comecei, o Baden já era conhecido”, diz.

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