Chico Chico, filho de Cássia Eller, faz show pela primeira vez em BH

Cantor, que buscou nome artístico diferente do apelido Chicão, interpreta canções próprias, o hit de sua mãe 'Coroné Antônio Bento' e deixa a plateia com gosto de quero mais

por Shirley Pacelli 23/10/2015 08:00
 MARCOS VIEIRA/EM/D.A.PRESS
(foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A.PRESS)
“Sua voz, sua vida, sua vez de cruzar

Labirintos da garganta
E alcançar fora as audições
Um outro labirinto de invasões”


É com os versos da canção Uirapuru blues, em dueto com Júlia Vargas, que o público de Belo Horizonte é introduzido à voz de Chico Chico, que se apresentou pela primeira vez na cidade na noite da última quarta.

Ao abandonar o superlativo do apelido dado pela mãe, a cantora Cássia Eller (1962-2001), ele se assume cantor e compositor sem pretensão de ser grande, mas já com sinais de que o será.

Muitos dos aproximadamente 200 espectadores foram ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-BH) movidos pela expectativa de conferir se Chico Chico herdou o talento de Cássia, a quem viram conquistar um lugar definitivo na música brasileira. Mas havia também jovens fãs. Algumas discutiam entre si por ter escolhido o “lado errado” para se sentar – contrário ao do “galã” no palco. Outros já sabiam de cor cada letra. Havia ainda alguns familiares.

De chinelos, bermuda e camisa da Seleção, Chico aparece no palco. Moças com celulares em punho miram em sua direção. O cantor não poderia estar em melhor companhia ao lado da voz potente da cabo-friense Júlia Vargas e do experiente violão de Rodrigo Garcia. O encontro é de pura sintonia.

Depois da abertura, com duas músicas gravadas pela cantora, o trio executa uma versão de Solidão, de Alceu Valença. Júlia canta a primeira parte e Chico vem em seguida. Não há quem tire os olhos da dupla.

Só na quarta música Chico traz uma canção de autoria própria, Minha voz, que faz parte do CD 2 x 0 Vargem Alta: “Feito carne envelhecida. Ultrapassada e fora de medida”.

Tocando violão e com sua interpretação rouca e rasgada, somada à aparência física e aos trejeitos, é impossível não associá-lo à mãe.

De pandeiro em mãos, Júlia apresenta Coito das araras, de Cátia de França, seguida por uma nova canção feita por Chico e amigos cariocas. A pegada mais rock da música deixa o cantor (um pouco) mais à vontade no palco. Logo ele apresenta a sua animada O garoto da soleira, seguida por um belo solo de Rodrigo Garcia. As palmas são intensas.

PADRINHO

Júlia assume novamente os vocais e canta o forrozinho Desabafo, de Cecéu. E anuncia: “Vamos fazer aqui uma canção de um grande mestre e padrinho nosso: Milton Nascimento”. Cravo e canela ganha acompanhamento de pandeiro. Em Canoa, canoa ela brinca com os graves e agudos e mostra por que é considerada uma revelação da MPB, aposta de nomes como Bituca e Ivan Lins. Sua voz se impõe.

O dueto de Chico e Júlia em Baião é outro ponto alto do show. Ele cresce no palco na levada gostosa da canção, enquanto ela dita o ritmo com um triângulo.

Júlia ainda mostra ao público sua influência afro em três canções da cantora sul-africana Miriam Makeba. Ao som das palmas, Júlia, que também é bailarina, se entrega e rodopia no palco a ponto de seu colar de sementes voar longe. O público fica em êxtase. Ela ainda surpreende em The click song, escrita no dialeto xhosa, que substitui o k e x por estalos da língua.

Chicão retorna ao palco para Notas de cem, de sua autoria. Desta vez, não há equilíbrio, sua voz se sobrepõe à da parceira. A semelhança com o timbre da mãe fica mais evidente.

Depois de anunciar o fim do show, o trio ainda canta quatro músicas. Já em pé, a galera balança no xote de Amor pra dar. Júlia brinca com tons de voz, enquanto Chico fica bem à vontade e sorri mais. Coroné Antônio Bento, de João do Vale, um dos hits de Cássia, que ela gravou em 1994, dá continuidade ao clima dançante. As luzes seguem o ritmo das batidas das canções, sob palmas. O cantor perde o tempo de um refrão, ri, mas se sai bem.

Atendendo aos pedidos insistentes, o trio finaliza com As folhas da Praça Paris, canção de Chico que chegou às rádios. Os fãs cantam junto, enquanto ele imposta a voz.

Ao fim do show não há quem ouse chamá-lo de Chicão. Aquele no palco é o Chico, jovem cantor e compositor que trilha seu próprio caminho.

Timidez fora do palco

Se Chico se sente bem no palco, do lado de fora a timidez toma conta. Em conversa com o Estado de Minas, as respostas são curtas e diretas. “Por que Chico Chico?”, pergunto. “Por que não?”, lança, enigmático.

“Maneiro” é como ele descreve o show em Belo Horizonte. E diz não se surpreender com o fato de o público já cantar suas composições recentemente gravadas. “É porque estão tocando no rádio. Eu não escuto rádio, então não tenho essa dimensão. Acho que têm que tocar em qualquer canto.”

Sobre a pressão de se lançar na carreira musical sendo filho de Cássia Eller, ele revela que não lida muito bem com isso. “Mas todo mundo passa por essa cobrança, não só quem é filho de artista. Relações pessoais passam por este tipo de coisa”, reflete.

Com influências de folk, rock e da música brasileira, suas composições falam de sua vida e dos amigos. “Tudo que a gente viveu está ali. A arte é expressão da vida.”

Júlia Vargas conta que foi por meio do violonista Rodrigo Garcia que se juntou ao projeto do selo Porangareté. O nome do selo veio de um trecho em tupi-guarani da canção Flor do sol gravada por Cássia Eller aos 19 anos.

A cantora acompanhou Milton Nascimento na turnê Travessia e na série de shows que Bituca fez com Criolo. “Nas primeiras vezes com Milton no palco, quase morri”, conta. Bituca a descobriu durante a gravação do projeto Mar Azul, de releituras contemporâneas do Clube da Esquina.

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