Musica

Clássicos do Clube da Esquina se revigoram à luz do fado no show de Milton Nascimento e Carminho em BH

A dupla foi ovacionada ao cantar 'Encontros e despedidas'

Ângela Faria

Carminho e Milton Nascimento cantaram clássicos da MPB e fados em dois shows no Sesc Palladium
A dupla Milton Nascimento e Carminho corre o risco de ser processada por crime de lesa-pátria caso não registre em disco o belíssimo encontro que deu origem ao show apresentado em BH, no fim de semana. Os dois encantaram a plateia que foi ao Sesc Palladium, dispondo-se a driblar a crise ao pagar de R$ 200 a R$ 240 por uma inteira. Cadeiras vazias aqui e acolá são o sinal evidente destes tempos difíceis de apagão financeiro, sobretudo para a cultura.


Clássicos do Clube da Esquina vêm merecendo releituras de toda sorte em projetos virtuais e fonográficos. Em 'Mar azul', por exemplo, brilhou a pianista e cantora Maíra Freitas, filha de Martinho da Vila, que revigorou a já celebrada 'Cravo e canela'. Em Mil tom, o rapper Rashid emprestou flow e rimas a 'Tudo o que você podia ser'. Esses jovens comprovam: “buda mineiro” da MPB, Bituca é fonte inesgotável. Mas a surpresa maior veio do “mestre dos mestres”, como Carminho o chama.

O veterano brasileiro, de 72 anos, e a faceira lisboeta, de 31, são autores de proeza rara. 'Cais', 'Encontros e despedidas', 'Nada será como antes' e até a megabatida 'Caçador de mim' se renovaram lindamente à luz do fado. O Clube da Esquina virou Clube do Tejo. Apaixonado por Portugal, o letrista Fernando Brant, que morreu em junho,  adoraria esse show. O dueto em 'Encontros e despedidas', obra-prima de Brant, ficou simplesmente arrebatador. Assim como tirou o fôlego a versão de Carminho e Milton para 'Sobre todas as coisas', de Chico Buarque e Edu Lobo (“Pelo amor de Deus/ Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem...”).

Carminho, em seu momento solo, conduz por uma viagem sonora além-mar, apresentando canções de seu repertório cheio de faceirice e drama. Foi ovacionada ao interpretar, a capela, o fado 'De mim para ninguém'. Outra joia em seu vozeirão: 'Chuva do mar' (Marisa Monte e Arnaldo Antunes). Simpática e falante, ela explicou que o oceano é o esteio do fado. Aliás, Meu amor marinheiro até parece feita para nós, mineiros. Diz assim: “Tenho ciúmes das verdes ondas do mar/ que teimam em querer beijar/ teu corpo erguido às marés”. Ok, não temos praia mesmo, mas temos Milton Nascimento, autor de 'Cais' e 'Canção do sal'... E jabuticabas, que encantaram a ilustre visitante.

DONA LÍLIA No momento dueto, Milton e Carminho brindaram a felizarda plateia com delicadezas lusitanas. Lília, mãe de Bituca, ensinou a ele o fado 'Rosinha dos limões', que a cantora portuguesa Ester de Abreu divulgou por aqui nos anos 1950. Como bom rapaz três-pontano, o educado anfitrião soltou a voz em 'As pedras da minha rua', assinada por sua convidada. Dramática e romantiquíssima, diz assim: “Não pisaste mais as pedras/ As pedras da rua/ Hoje piso-as sem saber/ Se ainda sou tua”.

Em seu momento solo, Milton remexeu o baú. Voltou com 'Cio da terra', 'Idolatrada', 'Me deixa em paz' e 'Sueño con serpientes'. A voz já não é a mesma daqueles tempos de chumbo em que censores pensaram em cortar dos discos não apenas as letras, mas os arrebatadores vocalises do filho de dona Lília. Fez escuro, mas ele cantou para nós. Assim como vem fazendo aos 72 anos, a passos lentos no palco.

Para quem acha que o moço vai se acomodar no olimpo outonal da MPB, é bom lembrar que a aposentadoria está longe. 'Dez anjos', parceria dele com o rapper Criolo, é a faixa mais bonita de 'Estratosférica', o último disco de Gal Costa. O jovem Dani Black acaba de mandar para a rede o clipe 'Maior', dueto com Milton.

Isso posto, não tem conversa: a revelação desse novo Bituca, o fadista, não pode se limitar a privilégio de quem teve a sorte de vê-lo cantar com Carminho. Se o disco desses dois não sair, aí, sim, é caso de panelaço!