Musica

Minas deixou a sua marca na Jovem Guarda, movimento que marcou a cultura brasileira

Os mineiros Wanderléa, Márcio Greyck, Martinha e Eduardo Araújo fazem parte dessa história

Ana Clara Brant

Em 1968, a mineira Wanderléa formava com Roberto e Erasmo Carlos o trio de jovens que revolucionou a música brasileira

“O futuro pertence à jovem guarda, porque a velha está ultrapassada.” Reza a lenda que, dessa frase, de um discurso do líder revolucionário russo Lênin, surgiu o nome do programa de TV apresentado por Wanderléa, Roberto e Erasmo Carlos que batizou o movimento musical e comportamental surgido há 50 anos no Brasil. Além da Ternurinha, nascida em Governador Valadares, no Vale do Rio de Doce, quatro mineiros participaram ou tiveram influência na Jovem Guarda: o casal Eduardo e Sylvinha Araújo (nascidos, respectivamente, em Joaíma, no Vale do Jequitinhonha, e em Mariana, na Região Central), além dos belo-horizontinos Martinha e Márcio Greyck.


“Dizem que mineiro é calado, come-quieto, mas a gente faz e acontece. A mineirada deu uma grande contribuição a esse movimento. Sabe que você até me deu uma ótima ideia? Quem sabe reúno os artistas de Minas Gerais que participaram da Jovem Guarda e gravamos um disco?”, sugere Wanderléa.


Valadarense criada em Lavras, no Sul do estado, a cantora diz que o movimento foi tão avassalador que exigia dos jovens artistas “muito pé no chão” para dar conta de tudo aquilo. Para Wandeca, como ela é chamada até hoje, nunca houve nada parecido na música brasileira. “Foi um fenômeno, algo inovador. Existia a música tradicional, aí viemos com algo novo, guitarras e tudo mais. Trouxemos modernidade para a cultura jovem no jeito de cantar, de falar e de vestir. Foi muito forte e o legado está aí até hoje. Cada um deixou a sua contribuição”, opina.

A belo-horizontina Martinha posa, em 1967, com o queijo que lhe rendeu o apelido criado pelo Rei
Outro destaque da Jovem Guarda foi Martinha, O Queijinho de Minas, apelido dado por Roberto Carlos. “Como o melhor produto do estado é o queijo, ele me batizou assim”, brinca a cantora e compositora. Pianista e bailarina desde os 4 anos, ela nunca se imaginou cantando. Quando Roberto veio a BH, o radialista Elmar Tocafundo, divulgador da gravadora CBS, apresentou um ao outro e comentou que o Rei precisava de uma voz diferente. “Foi mágico. Roberto gostou de mim e aí tudo começou. Tinha apenas 18 anos”, recorda ela.

Martinha acabou se tornando uma das artistas mais completas do país naquela época – e não só da Jovem Guarda –, pois sabia cantar, tocar e fazer música. “Compor surgiu de uma forma inesperada, até hoje é assim. A gente não sabe como é. A vontade de escrever veio depois de conhecer o Roberto em BH. A minha primeira composição, Eu daria a minha vida, mudou a minha história”, revela.

Márcio Greyck: de volta a BH, feliz em reencontrar o menino dos velhos tempos
Ao longo dos anos, a belo-horizontina acabou se tornando mais compositora do que cantora. Passou a criar canções para o segmento sertanejo, principalmente pela veia romântica. Mas ela nunca deixou o microfone. Ao relembrar os tempos da Jovem Guarda, tem saudades da convivência com os companheiros, com quem ainda se encontra de vez em quando. “Era uma coisa semanal. Todos os domingos, a gente se via. Com o tempo, isso diminuiu, mas amizade verdadeira não acaba. Encontro muito com a Wanderléa e a Vanusa. Agora mesmo, em junho, vamos ter um show especial em homenagem ao cinquentenário do movimento”, destaca.

Martinha admite que não volta a BH como gostaria. Revela que, infelizmente, perdeu muitos parentes que moravam na capital, embora aproveite para matar as saudades sempre que tem um tempinho. “Sou mineiríssima, tenho orgulho demais de ter nascido aí. Acho que todos nós, artistas mineiros da Jovem Guarda, contribuímos muito, pois ela reuniu pessoas que vieram de todos os cantos do país, sobretudo do Rio e de São Paulo. A gente soube representar o nosso estado muito bem, embora sem ter muita consciência disso. Isso é bacana”, observa.

Outro belo-horizontino que vivenciou aquela época é Márcio Greyck. Na verdade, ele se sente mais influenciado pelo movimento do que propriamente um integrante da turma de Roberto, Martinha e Wanderléa. No começo da década de 1970, quando o jovem cantor começou a despontar, a Jovem Guarda já estava no fim, mas tinha forte energia. “Minha geração pegou todas as referências – não só da Jovem Guarda, mas dos Beatles, do rock e da onda do iê-iê-iê, com uma coisa de vanguarda. Fui gravar na CBS, templo onde gravaram todos os representantes desse fenômeno, como o Roberto, o Erasmo e a Wanderléa. Então, naturalmente, fiquei dentro daquele contexto”, comenta.

Márcio iniciou sua carreira de forma despretensiosa, fazendo serenatas na capital mineira e sempre influenciado pelo romantismo. Aos 18 anos, deixou a cidade natal – a contragosto, diga-se de passagem – rumo ao Rio de Janeiro, pois sabia que lá encontraria melhores oportunidades. O primeiro sucesso, Impossível acreditar que perdi você, veio naquela época. A música se tornou um clássico do cancioneiro romântico brasileiro e foi regravada por vários artistas. “Até hoje, se não cantar essa música no show, apanho”, diverte-se. “O mesmo acontece com O mais importante é o verdadeiro amor, O infinito e O travesseiro”, diz.

Depois de morar três décadas no Rio de Janeiro, Márcio decidiu retomar as origens. Há 15 anos, voltou a residir em BH. Tem um estúdio dentro de casa, na Região Norte da capital, e está sempre compondo, apesar de não lançar disco de inéditas há algum tempo.

“Precisava voltar para resgatar aquele menino que fui um dia. Estou feliz demais. Não careço de estar nas vitrines maiores porque daqui saio para qualquer lugar do Brasil. Sempre levantando a bandeira do romantismo”, conclui.

BRASA 4

Em agosto de 1965, a paulista TV Record começou a exibir o programa Jovem Guarda, que mesclava música, comportamento e moda, apresentado pelos cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. Belo Horizonte ganhou uma espécie de versão local daquela atração totalmente voltada para a juventude, comandada por Dirceu Pereira e transmitida pela TV Itacolomi, de 1968 a 1971. O Brasa 4 era um dos raros programas brasileiros dedicados inteiramente ao rock.

 

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