Musica

Sul de Minas investe na música além das paradas

Projeto realizado na tombada estação ferroviária de Poços de Caldas escala músicos de renome, mas não necessariamente na última moda, para apresentações nas manhãs de domingo

Kiko Ferreira

A cantora Leila Pinheiro junto ao público do projeto, em Poços de Caldas

Uma boa notícia para quem acredita que o interior do estado pode ter propostas diferenciadas, dedicadas a uma música mais adulta e sofisticada, independentemente de paradas de sucesso, altos índices de downloads ou apelos dançantes. Em Poços de Caldas, que fica a 460km de Belo Horizonte, o músico, compositor e produtor Wolf Borges criou o projeto Composição Ferroviária, com apresentações de música popular, nas manhãs de domingo, na estação ferroviária da cidade, tombada pelo patrimônio histórico.


Claramente inspirado no sucesso dos projetos Música no Museu e, principalmente, Domingo no Museu, que transformaram o Museu de Arte da Pampulha em espaço para a música, a iniciativa levou, no ano passado, cerca de 5 mil pessoas ao pátio da estação, para assistir a Paulinho Pedra Azul, Leila Pinheiro, Cláudio Nucci e Fátima Guedes. Na edição de 2015, as atrações principais são a cantora mineira Ceumar (29 de março), a dupla gaúcha Kleiton & Kledir (19 de abril), o cantor Filó Machado (3 de maio), o boca livre Zé Renato (7 de junho) e, para encerrar, Sérgio Santos (5 de julho).

Diferencial Um dos diferenciais é a abertura com artistas locais, este ano entregue a Elder Costa, Omar Fontes, Marcelo Machado Fernandes, João Paulo Amaral (que também faz palestra sobre Tião Carreiro e a viola caipira), Casquídeo, o próprio Wolf Borges (com a mulher, Jucilene Buosi), Loriunho Fonseca e Pedro Betozzi.

Para Borges, “o projeto traz à tona uma crença – a de que é possível fazer música de qualidade no interior e para o interior. No Sul de Minas (um verdadeiro polo de produção cultural), raras são as iniciativas que evidenciam os nomes mais relevantes da cultura musical brasileira. Essa lacuna é facilmente identificada na emoção das mais de mil pessoas que prestigiam o projeto a cada domingo, uma vez por mês, vindos de cidades a até 300km de distância, exclusivamente para assistir a esses artistas”.

Num cenário em que os patrocínios, mesmo na capital, andam escassos e muito disputados, a tarefa de viabilizar a série de shows que fogem do que ele chama de “uníssono mercadológico” não é das mais fáceis. “Tenho 35 projetos realizados, fruto de um trabalho diário de sensibilização do empresariado. Para isso, procuro mais de 300 empresas por ano.”

O artista faz coro com algumas das reclamações recorrentes sobre os mecanismos de patrocínio: “Apesar de as leis de incentivo representarem uma verdadeira ferramenta de realização de sonhos, a cada ano vêm perdendo sua vocação de incentivo do artista e se tornando uma ação de marketing empresarial”, critica.

Estratégias “As estratégias de algumas empresas de ‘cultura’ monopolizam captações antes mesmo da criação dos projetos ou criam ações mais amplas de marketing, que estão além do projeto, favorecidas por parcerias empresariais que possuem outras ferramentas de divulgação que um artista em sua ação artesanal, e até definida por lei, é incapaz de gerar.”

Trocando em miúdos: “A lei vem, ultimamente, favorecendo uma elite empresarial que se organiza para arrematar as deduções do Estado, fazendo os recursos do ICMS, misteriosamente, desaparecem já no meio do ano”.

Oscilando entre o feijão e o sonho, o artista, que morou em Belo Horizonte nos anos 1980 e vem participando de vários projetos por aqui, diz que age como caipira cosmopolita, de olho no futuro e nas lacunas, cada vez mais raras, no cenário cada vez mais voltado para o lado comercial. E anuncia mais um projeto: “Ainda para o primeiro semestre de 2015, lançaremos um longa metragem, Falsete, uma parte da nossa verdade, projeto de Jucilene Buosi, que propõe retratar uma parte da música de mais de 15 compositores sul-mineiros, com direção de Rodrigo Infante.

É um trabalho feito há dois anos, de maneira caseira, mas muito profissional, por lei de incentivo, com um orçamento inacreditavelmente baixo e as frequentes aspirações ao Oscar”.

E complementa, com ar ligeiramente quixotesco: “No fundo, nossa vivência no interior se resume na gana e na vontade de fazer arte, encontrando parceiros e criando soluções onde muitas vezes existem apenas potencial e desejo”.

Iniciativa se inspira no Domingo no Museu

O projeto que inspirou Wolf Borges, Domingo no Museu, leva música ao Museu de Arte da Pampulha (MAP) no primeiro domingo de cada mês, sempre às 11h. Entre estrelas do jazz, da música instrumental e da MPB, já estiveram por lá Nelson Ayres, Alaíde Costa, Trio Madeira Brasil, Vânia Bastos, Guinga e mineiros como Nelson Ângelo, Sylvia Klein, Kristoff Silva e Alieksy Vianna.

São 13 anos de projeto, que se alterna com o Música no Museu, de características semelhantes, nas noites de quarta-feira. Ambos já levaram ao MAP 265 shows, com público estimado de 70 mil espectadores e 1.420 músicos participantes. Metade de mineiros, da capital e do interior. Incluindo Wolf Borges.

A produção é de Rose Pidner, cantora que esteve na cena mineira desde os primórdios do Clube da Esquina, cantou na banda de Hermeto Pascoal e morou na França entre 1982 e 1994, onde trabalhou na produção de dezenas de artistas brasileiros em turnê pela Europa.

De volta a Belo Horizonte, começou a atuar como produtora, com ênfase no jazz e na música instrumental, trazendo à capital estrelas do nível de Betty Carter, Joe Zawinul, Pau Brasil, Nelson Freire, Antonio Menezes, Paquito D’Rivera e Egberto Gismonti.

Antes dos dois projetos no MAP, criou o Dois Tempos, no Museu Histórico Abílio Barreto. Para o primeiro semestre de 2015, o Domingo no Museu tem na agenda, a confirmar, apresentações de : Ricardo Herz (violino) e Antonio Loureiro (vibrafone) (12 de abril), Bianca Gismonti (10 de maio), Carol Serdeira (14 de junho) e Geraldo Vianna e convidados – Fernando Brant, Mariana Brant e Cristiano Caldas (5 de julho).